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O saqueio e a opressão histórica do Estado chileno contra o povo Mapuche, uma solução anticapitalista e socialista
Juan Valenzuela
Pablo Torres

A série de despejos efetuados por setores racistas, instigados pela extrema direita, na noite do último dia 1º de agosto nas municipalidades de Victoria, Curacautín, Ercilla, Traiguén e Collipulli trouxe à tona contradições sociais profundas. Neste artigo, queremos abordar alguns aspectos estruturais: como se articulam o racismo, o capitalismo, e a luta Mapuche, colocando em debate uma política de esquerda, anticapitalista e socialista para responder às encruzilhadas com as quais nos defrontamos.

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Estas ações, contra os protestos em apoio à greve de fome de 26 presos políticos Mapuche e do machi Celestino Córdova, puseram em evidência – outra vez – a profunda separação entre o povo Mapuche, o Estado chileno e os setores mais conservadores, vinculados aos latifundiários (ou de caminhoneiros), de uma sociedade que foi construída sobre a base do colonialismo, o saqueio e a contrarrevolução capitalista neoliberal, que pôs fim ao processo revolucionário da década de 1970.

Quais são as premissas da luta do povo Mapuche contra o Estado chileno, os capitalistas, e os setores reacionários? Para respondê-lo hoje, é necessário ter em conta que ao longo das últimas cinco décadas, se configurou um cenário no qual as empresas florestais são as grandes ganhadoras, enquanto os Mapuche se empobrecem e emigram para as cidades, e a maioria das e dos assalariados de La Araucanía recebe salários de fome, o que se torna ainda mais agudo, ao ser parte da população Mapuche. O Estado - que no conflito abriu caminho pela ocupação militar no final do séc. XIX - junto aos setores reacionários herdeiros dos primeiros colonos e latifundiários, atuam como a tropa de choque dos interesses capitalistas na região. Através dessa configuração, se desenvolve a pauperização de um setor da sociedade e a acumulação, por outro, de riquezas inauditas

Contornos da pauperização

A pauperização é um dado da realidade. Segundo um artigo publicado pelo "Centro de Estudios Públicos", a “região de La Araucanía”, onde se concentra uma “quantidade relevante” de pessoas Mapuche (e que, como sabemos, é o epicentro do atual conflito), “é a região mais pobre do Chile”.

“Em 2015, a renda per capita da Região IX era de apenas US$ 2.287, que é a mais baixa entre todas as regiões. Esse nível de receita está bem distante da região metropolitana, que tinha US$ 6.482 per capita, e da região de Antofagasta, que, devido ao impacto da mineração, teve uma receita de US$ 14.420”

É valido lembrar, contudo, que a renda dos Mapuche é inferior à média dos chilenos, mesmo na região mais pobre do país. Em La Araucanía, vivem 23,2% dos Mapuche sob domínio do Estado chileno (308.749), segundo dados de 2015, abaixo dos 32,8% que vivem na Região Metropolitana (436.475) e acima de 15,4% da região de Los Lagos (204.682). Destes, pouco mais de 300 mil Mapuche em La Araucanía, ao menos um terço estão em situação de pobreza, e os que trabalham, ganham menos que os trabalhadores chilenos. Como afirma Rodrigo Cerca N. “segundo dados da pesquisa CASEN, em 2015, enquanto a renda média do resto dos chilenos era pouco acima de $ 470.000 pesos, as pessoas que se declararam Mapuche na região de La Araucanía tinham rendas de apenas $ 252.000”.

E qual é a situação em Curacautín e Victoria, onde tiveram lugar as manifestações de racismo mais escandalosas no último dia 1º? Elas não escapam da situação de pobreza. Tomando como referência, ainda, os dados de 2015, a renda média em Curacautín era de $272.104 e em Victoria, de $245.998, pouco acima do salário mínimo desse ano, e muito abaixo da média nacional de $470.000.

Que tipos de trabalhos se exercem nessas duas de cidades de La Araucanía aqueles que ganham tão mal? Segundo o datachile, “as ocupações mais comuns em Curacautín, por número de trabalhadores, são os serviços, vendedores de comércios e mercados, trabalhadores não qualificados, oficiais, operários, artesãos de artes mecânicas, entre outros ofícios”. Por sua vez, em Victoria, “a maioria é de trabalhadores não qualificados, trabalhadores de serviços, vendedores de comércios e mercados, agricultores e trabalhadores agropecuários e pesqueiros”. Em Curacautín, quase 14% da população local é Mapuche, e em Victoria, quase 28%, segundo dados do Censo 2017. Somente tendo em vista esses dados, podemos concluir que a pobreza é comum a chilenos e Mapuche nesta região. Ambos ganham mal, em empregos de baixa qualificação na cidade e no campo, sendo que os Mapuche ganham pior.

A primazia do Capital florestal e a pobreza no campo

O pano de fundo desta situação é o tipo de capitalismo que se configurou na região do denominado “conflito Mapuche”: um capitalismo centralmente orientado para a produção florestal e a exportação, com um débil desenvolvimento técnico e baixos níveis de consumo, devido à pobreza. Em La Araucanía, a produtividade do trigo e do milho – que são os cultivos mais comuns do país – é notoriamente baixa, espacialmente o milho, claramente desigual, com relação ao setor florestal: La Araucanía é onde o rendimento do milho é pior em todo o Chile. Segundo o “Informe anual de cultivos essenciais” do INE, “as razões podem ser múltiplas, (baixo nível de capital investido, poucas economias de escala na produção, falta de capacitação, entre outras), porém, obviamente este é um tema que também requer atenção”, comenta Rodrigo Cerda. Lembremos que uma parte importante das famílias Mapuche rurais se dedica precisamente ao cultivo do trigo ou do milho. Não é nada lucrativo - muito menos com o crescente parcelamento da terra: é por isso que a maioria dos membros mais jovens das comunidades vai trabalhar fora do campo ou migra para outras cidades.

Este fato está em evidente contraste com a situação da indústria florestal, que se transformou no setor predominante do capital no território historicamente Mapuche. A contrarrevolução que levou a frente a ditadura pinochetista implicou também em uma contrarreforma agrária, e a perda de terras recuperadas pelos Mapuche durante o governo da UP, devolvidas a seus detentores anteriores, que prontamente as cederam aos intervencionistas florestais, favorecidos pela ditadura, os quais, por sua vez, mantiveram pressão constante contra os Mapuche para expropriar suas terras. Segundo Massimiliano Farris e Oscar Martínes-Rojo:

O setor florestal é uma expressão clara do tipo de capitalismo que se desenvolveu e consolidou no Chile, particularmente desde o golpe de 1973, quando o governo ditatorial incentivou a abertura ao capital estrangeiro, para responder à demanda internacional por matérias-primas. Se caracteriza com uma extrema concentração de capital em um restrito círculo de grandes grupos econômicos (holdings) que controlam os diferentes setores da economia através de um regime de oligopólio [...] a peculiaridade do capitalismo chileno tem sido limitar a conformação de conglomerados econômicos exógenos. O setor florestal é uma expressão evidente desde fato, mais do que outros setores, como o salmão ou o minério. Estas vantagens garantidas pelo setor público facilitaram às grandes empresas privadas chilenas uma estabilidade econômica que lhes permitiu internacionalizar seus lucros [1]

Mas ao mesmo tempo que essa evidente capacidade expansiva que faz os capitais florestais locais se elevarem ao nível de empresas trans-latinas, há uma intensificação do poder desses grupos no ambiente imediato em que atuam e de sua conexão com o aparato do Estado. “Estes fatores determinaram que o oligopólio florestal impusesse sua hegemonia política e econômica, que [...] tem claras implicações territoriais”. Na realidade, os que governam essas regiões são os capitalistas florestais. As famílias mais poderosas do país - a Forestal Arauco é controlada pela família Angelini e a Compañía Manufacturera Papeles y Cartones (CMPC), pela família Matte – têm interesses direitos em preservar o atual padrão de acumulação extrativista nos territórios Mapuche. São estas empresas que moldam o espaço a sua imagem e semelhança, semeando monoculturas a um ritmo determinado apenas pela sede de acumular capital e oprimindo os Mapuche protegidos pelas forças repressivas do Estado. As empresas florestais “são proprietárias das principais plantações industriais e da maioria da superfície florestal do país (dos 2.400.000 hectares plantados no Chile em 2016, 710.000 pertencem à Arauco e 470.000 à CMPC) – assim como da indústria de processamento (celulose, papel, serrarias, bioenergia). Somente a região do Biobío concentra 40% da superfície total plantada, 22% das serrarias e 8 das 11 fábricas de celulose do país”. Uma diferença gritante dos 500.000 hectares pertencentes à população Mapuche.

O que se pode concluir é que qualquer projeto político que aspire que as demandas de autodeterminação do povo Mapuche não fique somente no papel necessariamente deve tocar nos interesses dos capitalistas e na propriedade privada destes grandes grupos florestais.

Os latifundiários e uma herança da colonização

Como instrumentos dos setores do capitalismo florestal predominante e do domínio estatal chileno, encontramos os herdeiros dos primeiros colonos e que mais tarde foram os latifundiários expropriados durante a reforma agrária da UP, que recuperaram suas terras com a ditadura, porém, só para ceder lugar ao novo setor dinâmico dos empresários florestais, apoiados pelo Estado sob a ditadura, e depois, na democracia. Este setor é – hoje por hoje – o mais ativo nas ações diretas contra a população Mapuche. É a esta “tradição” e setor social que pertencem figuras como Gloria Naveillán, da APRA, que fez o chamado a desalojar violentamente os Mapuche, ou Juan de Dios Fuentes Vega, atual diretor do Registro Civil De La Araucanía, de acordo com o relatório da CIPER. Não são o setor dominante da capital, mas carregam uma longa tradição de opressão contra o público Mapuche.

No alvorecer da formação do Estado chileno, grupos de colonos, muitas vezes europeus, amparados pelo Estado, realizaram expedições para expulsar à força os Mapuche, atuando como ponta de lança do domínio estatal chileno e da penetração das relações capitalistas. Um testemunho de Segundo Ancalao, que narra como sua família foi expulsa de sua terra para acabar vivendo no sul de Tirúa (recontado por R. Foerster), nos permite imaginar o modus operandi destes colonos pioneiros:

Meu bisavô lutou contra os alemães, os franceses, contra os que provocavam as invasões, eles lutaram, mas, ao final, desistiram. Porque imagine você, ao matar a ovelha a bala, os porcos, os cachorros e no pátio da casa os gringos pondo cercas, nos tirando a terra. Essa é a parte mais ou menos, a família Ancalao eram de Arauco [2]

Foerster também reconta o caso de “um tal de Pedro Grandón, dono de uma cantina, enganou a família Huilipán e os obrigou a abandonar suas terras em 1861”. O missionário franciscano Luis Mansilla falava da “lei do mais forte, que vence o mais fraco” [3]

É esta mesma lei a que pretendem aplicar grupos como o APRA (Asociación de Paz y Reconciliación en la Araucanía), autodenominados hipocritamente “vítimas diretas de atos terroristas”, com seus chamados a desalojar os Mapuche. Trata-se da tradição de latifundiários e colonizadores da região. Esta lei “do mais forte” em fatos como o sequestro e interrogatório ilegal de Carlos Lemún no verão de 2015, irmão do comunero assassinado Alex Lemún: “seus captores interrogaram-no sobre um roubo de gado numa quinta em Angol ". A comunidade Pu Mapu, em Purén, havia assumido algumas propriedades e foi despejada por civis com espingardas (CIPER). O anteriormente condenado por cumplicidade no assassinato de René Schneider, Allan Cooper Allan, fazendeiro da região, declarou que quem toma suas propriedades “Vou atirar em todos se chegarem aqui. Eu não tenho medo deles. Esse não é o problema dos Mapuche, esses são bandidos, alguns são Mapuche, eles até andam com estrangeiros. Queremos pegar os que estão fazendo esse tipo de coisa. Eles são uma minoria entre o povo Mapuche”.

O latifúndio, que emergiu no calor dos processos históricos, segue existindo, mas já não tem o papel central que tinha na estrutura econômica e social anterior, embora ainda mantenham uma certa tradição política e cultural. Agora, se nutre do negócio florestal através de negócios turísticos, hoteleiros, comerciais e de transporte, junto a toda uma rede de empresas médias. Mas sua contribuição mais essencial para o governo capitalista é, acima de tudo, expandir as funções coercitivas do Estado para a sociedade civil, sustentando preconceitos contra os Mapuche e o racismo.

O Estado capitalista chileno, e seu papel de opressão ao povo Mapuche

Se, com o final do século XIX e o início do século XX, colonos de diversas províncias foram beneficiados com terras doadas pelo Estado, confinando os Mapuche em “reservas”, junto a uma política “cultural” de chilenização, com a perseguição de suas práticas culturais, língua, etc, hoje os preconceitos contra “os índios” são usados como instrumento para dividir os explorados e oprimidos e garantir o domínio dos holdings florestais e dos setores que os servem. O nascente Estado capitalista chileno, em 1861 (após a anexação de Antofagasta e Arica na Guerra Salitre) foi um protagonista. Iniciou um processo de expansão territorial ao sul do Rio Biobío, com o objetivo de destruir a autonomia política e os elementos rudimentares de uma economia mais complexa que se desenvolvia em torno da atividade pecuária.

No passado, foi o exército, comandado por Cornélio Saavedra, em uma campanha de 20 anos de sangue, morte, tortura e submissão, que conquistou para o Estado chileno por volta de 5 milhões de hectares, o esteio do Estado nessa região.

A paisagem do que hoje em dia é La Araucanía está marcado pela ditadura de Pinochet, que assassinou mais de 300 dirigentes Mapuche, e a “transição pactuada”. O fomento e a entrega da atividade florestal em mãos de apenas dois grupos econômicos também permitiram a divisão das terras comunais, destruindo comunidades por meio da expropriação forçosa, modificando a estrutura da propriedade rural. A expropriação de terras, e sua divisão em propriedades individuais buscou abrir caminho para novas incursões sobre o território Mapuche histórico, cedendo parcelas de terra através de “arrendamentos” e outras figuras jurídicas, com métodos de pilhagem, de violência ilegal e legal.

A transição pactuada manteve estas bases e as aprofundou. A Concertación manteve o peso da dominação histórica do Estado capitalista chileno sobre a nação Mapuche e aprofundou o domínio do capital florestal. Buscaram, com medidas paliativas, cooptar e manter a paz social, canalizadas através da Corporação Nacional de Desenvolvimento indígena (CONADI), entregando terras – que, mesmo assim, dos anos 90 até hoje, não chegam a 20% do que possuem os grupos Matte e Angelini. Também desenvolveram a perseguição sistemática contra as comunidades em luta e as organizações como a CAM, que sofreu o assassinato e encarceramento de seus dirigentes.

Nenhuma destas medidas resolveu historicamente o conflito, que é uma das crises vivas do Estado chileno.

Os acontecimentos de 1º de agosto

Os acontecimentos em Malleco não devem ser tomados levemente. A intervenção do novo Ministro do Interior na região, com um vivido chamado a desalojar as comunidades ocupadas por comunidades Mapuche confluiu com o ódio reacionário de setores pauperizados, com uma cultura moldada pelos velhos latifundiários colonialistas (algozes históricos do povo Mapuche, muitos convertidos, hoje, em empresários hoteleiros e turísticos). “É necessário tirar os índios”, “quem não salta é Mapuche”: estes foram os gritos enfurecidos do bando reacionário. Trata-se de um setor que é “base social” da direita chilena, educados pelos preconceitos reacionários contra “os índios” e que de alguma maneira buscam propagar a cultura do racismo para conservar a divisão entre Mapuche, rurais e urbanos, e trabalhadores chilenos, a fim da manter a exploração.

O racismo tem raízes históricas naquela área que foi por muito tempo uma "fronteira". A direita política explora esse atraso de consciência. Curacautín é uma das comunas mais pobres do país, assim como Victoria e toda a região. Foi dito que não havia racismo no Chile, mas aqui fica claro que existe. As forças sociais e políticas que o sustentam têm uma longa história.

Mas por que agora? Boa parte é uma reação frente ao avanço da luta Mapuche. Foi um passo enorme que a bandeira Mapuche tenha sido um importante símbolo da rebelião. É isso que, agora, querem deter.

O que ocorreu em lugares como Curacautín e Victoria nos relembra que a direita está aí, que tem existência social. Embora os setores de ultradireita dispostas a confrontar fisicamente setores populares e de trabalhadores não sejam a regra da situação política, fatos como estes nos mostram que é necessário nos prepararmos. Todo ataque ao povo Mapuche, amanhã será contra toda a classe trabalhadora em luta.

O direito à autodeterminação nacional do povo Mapuche e o programa socialista e anticapitalista

Mais do que nunca, como classe trabalhadora, é necessário apoiarmos as reivindicações pela liberdade dos presos políticos Mapuche, e tomar como nossa a luta pelo direito à autodeterminação nacional e territorial. Os trabalhadores chilenos, Mapuche, ou imigrantes, por seu papel na produção, podem confrontar diretamente os grandes grupos econômicos que expoliam o povo Mapuche, e derrotar o Estado chileno.

A resistência do povo Mapuche não foi derrotada, através de diversos momentos históricos, e ressurge como uma das lutas fundamentais do Chile do século XXI. É uma causa que deve ser tomada pela classe trabalhadora e setores populares.

Importantes mudanças estruturais aceleraram o processo de urbanização e proletarização de setores do povo Mapuche, reconfigurando-o. A maioria da população Mapuche que emigrou para as cidades, e seus descendentes, é de trabalhadores assalariados. O coração do conflito da nação Mapuche está nas zonas rurais, mas aqueles que lutam contra a opressão estão, também, nas cidades, nos locais de trabalho e estudos, nas favelas.

Em comunidades Mapuche, o Estado descarrega uma brutal repressão que não diferencia nem crianças ou idosos. Proliferam-se as chumbadas, tiroteios e espancamentos nas "zonas de conflito". Daí vem a violência. Em sua maioria, do Estado, em parceria com as empresas florestais, grandes latifundiários e organizações de colonos.

As lutas do povo Mapuche têm simpatia popular, e apoio ativo de milhares de jovens. Começa e ressurgir uma identidade nacional Mapuche, em resposta à prisão política e aplicação da Lei Antiterrorista. Milhares de jovens, rurais e urbanos, buscam recuperar e reviver o mapuzungun e as tradições culturais ancestrais; se unem a suas comunidades. Estudantes Mapuche vivem, em suas universidades, repressão constante. Dessa luta, surgiram vários projetos comunitários, alguns mais propensos à negociação e integração no Estado, outros que demandam autonomia, território e autodeterminação nacional. Uns com métodos mais “parlamentares” e outros com métodos radicais de ocupações, ataques aos meios de produção ou guerrilhas rurais.

Em cada sindicato e em cada comunidade, em coordenação com nossos irmãos Mapuche, devemos lutar para que se retire a polícia de todas estas regiões, pela desmilitarização de La Araucanía, a liberdade imediata dos presos políticos Mapuche e a eliminação da Lei Antiterrorista. As terras controladas por capitalistas e latifundiários, que têm sua origem no saqueio, devem ser devolvidas às comunidades Mapuche, com a expropriação sem indenização dos mais de dois milhões de hectares dos grupos Matte e Angelini.

Estas conclusões não somente devem ser compreendidas, como implicarão em um confronto físico com setores que configuram o domínio capitalista na zona de conflito. Como dizia León Trótski: "Não há alma sem corpo. Não há revolução sem guerra civil”.

Em uma região onde a propriedade privada se constituiu e se preservou através da violência e de métodos coercitivos para além, mesmo, das fronteiras do próprio Estado, o problema do movimento de todas as forças sociais estratégicas é de vida ou morte. Em perspectiva, significará a autodefesa e milícias operárias junto à guerra rural Mapuche. Sem esta união, não se conquistará território, autonomia e libertação material e espiritual dos setores empobrecidos, dos trabalhadores, e dos Mapuche. É por esta razão que os mais de 40.000 trabalhadores florestais que trabalham na região de conflito podem ter um papel chave, se unem suas forças às do povo Mapuche, para enfrentar os interesses capitalistas.

A questão Mapuche constitui uma das causas democráticas profundas mais irresolutas, e impossíveis de serem solucionadas pela Estado chileno. A Guerra do Arauco, iniciada por Pedro de Valdivia em 1536 é continuada por Sebastián Piñera em 2020. Quinhentos anos de matança e destruição de nossos povos originários, mal chamada de “Pacificación”. 300 anos de colônia e 200 anos de república.

A esquerda do regime não desenvolve uma política de acordo com a magnitude do problema. A Frente Ampla e o Partido Comunista acreditam ser possível resolver o problema por meio de mecanismos de diálogo e consenso, respeitando o poder estatal capitalista.

Mas o Estado chileno “aperfeiçoou” o manejo militar contra a luta Mapuche. Por isso, destruir essa maquinaria, e substituí-la por um governo de trabalhadores e trabalhadoras é uma condição necessária para a realização de um verdadeiro e efetivo direito à autodeterminação do povo Mapuche. Qualquer “autodeterminação” ou “autonomia” é uma ficção se não pode ser exercida, enquanto o poder real sobre o território recai sobre o Estado capitalista chileno e seus agentes ligados ao latifúndio e seus protegidos floresteiros. Desde já, isto impõe a tarefa preparatória de organizar a autodefesa através de organismos de frente única da classe trabalhadora e de coordenação com setores populares. A existência viva de uma tradição colonizadora e uma ultradireita em La Araucanía deve nos alertar a evitar qualquer ingenuidade reformista ou gradualista na hora de ponderar as vias de resolução das reivindicações históricas do povo Mapuche.

Somente um governo e Estado de novo tipo, baseado em organismos de auto-organização que permitam unir trabalhadores chilenos e Mapuche na mais democrática deliberação de massas, será possível acabar com a opressão à nação Mapuche e abrir, mesmo, a possibilidade da formação de um Estado independente dos territórios ancestrais recuperados. Na luta contra o capitalismo internacional, os socialistas consideraremos melhor lutar centralizando nossas forças, mas somos conscientes de que um Estado de trabalhadores surgido de uma revolução não pode impor uma nacionalidade a um povo oprimido por séculos, primeiro pela coroa espanhola e em seguida pela classe dominante e o Estado capitalista chileno.

Acabar com toda forma de opressão no mundo – incluindo a opressão ao povo Mapuche – é parte das tarefas por uma sociedade socialista, uma sociedade na qual as palavras “opressão”, “exploração” e “racismo” sejam erradicadas. O povo Mapuche e sua luta de séculos pode ser uma grande fonte de energias nesta luta para abrir caminho a uma sociedade que deixe para trás a miséria e a opressão capitalistas.

 
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