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FORÇAS ARMADAS
A politização nas Forças Armadas: contradições, conflitos, projetos e interesses
Rafael Barros

A declaração de Ramos sobre artigo 142 na semana passada gerou respostas contrárias de outras frentes das Forças Armadas. No meio de uma disputa de forças com o STF, as respostas autoritárias de interpretação golpista do artigo da constituição abriram margem para enxergarmos atritos e alas dos militares com suas disputas em movimento. Com uma cada vez maior politização dos Generais e do Alto Comando, se abrem espaços para disputas de projetos entre as Forças.

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A fala de Ramos em entrevista à Veja, sobre o papel das Forças Armadas como poder moderador não é o único dos elementos que ajudam a vislumbrar esse cenário. O decreto que Bolsonaro já havia assinado sobre a permissão de operação de aviões de asa fixa por parte do Exército incomodou a Aeronáutica, e o presidente retrocedeu. Mas a declaração de Ramos ajudou a deixar a mostra as diferenças, com Oficiais da Ativa da Força Aérea Brasileira dando declarações de que as Forças Armadas deveriam estar mais distantes do Governo.

Essa rusga aberta, entre Exército e FAB é mais profunda do que o decreto em sí, e está mais profundamente ligada com o papel e os interesses dos militares não só com o Governo, mas sim com o Estado.

A pandemia e a maior aproximação e comprometimento dos Generais no Governo com Bolsonaro abriram as portas para se fazer avançar mais, num sentido mais estratégico, com planos e projetos do Exército Brasileiro. Parte prova disso poderia ser a entrada forte do Exército na construção civil, em especial de Rodovias, com contratos com o Governo.

Outro ponto essencial dessa disputa por projetos pode estar no Pró-Brasil. O projeto de recuperação econômica que gerou certo desagrado no ultra neoliberal Paulo Guedes, e que seria o plano de recuperação econômica dos Militares, com parte de investimentos em concessões à iniciativa privada e PPPs, e parte de investimentos públicos, que segundo alguns necessitaria esticar a Lei do Tetos de Gastos. Em grossa parte, investimentos em infraestrutura, retomada de obras públicas e criação de novas, como forma de gerar empregos. Mas a própria relação já estabelecida do Exército Brasileiro com a construção civil aponta para um caminho onde boa parte dos gastos públicos poderiam muito bem ser usados com os militares comandando e lucrando com seu uso. E também vale lembrar que na reunião ministerial, divulgada por Celso de Mello, o General Braga Netto descreveu que o Pró-Brasil “não é Plano de Governo, é um Plano de Estado”, mostrando um pouco mais da profundidade e importância para o Exército de ganhar terreno materialmente na disputa pelo regime.

Supostamente, os valores apresentados num primeiro momento pelo programa, seriam pensados para divisão entre as pastas do governo - e ai vale lembrar que temos Generais e outros militares em todas os Ministérios - mas a grande concentração parece estar na construção civíl, e portanto na Infraestrutura, espaço onde o Exército já cava terreno e tem interesse em avançar em suas capacidades, com novos maquinários e com lucros para crescer seus arsenais, e melhor formar seus próprios engenheiros. Por um lado, isso com certeza já desagrada empreiteiros do setor privado, e por outro, pode ajudar a desenvolver disputas maiores entre as Forças por projetos de mais peso.

A disputa por projetos de peso dentro das Forças Armadas não é de hoje. E existe sentido, nesse momento de alta politização nas FAs, do Exército brasileiro cavar espaços de maiores projetos. Afinal, durante os governos do PT, Marinha e Aeronáutica foram as Forças que ganharam do Governo mais projetos de peso. A Marinha em especial com seu projeto nuclear, desenvolvendo submarinos, que ainda segue a vapor, mesmo com o fortalecimento do Exército e sua busca por hegemonizar projetos para si. Já a FAB teve como principal projeto nos últimos anos a compra de caças e desenvolvimento de tecnologia na área, em parceria com a Suécia.

Aí é que se localiza a briga entre Exército e FAB. A incorporação de aeronaves por Exército e também pela Marinha sempre foi algo que gerou controvérsias, e a contrária da FAB. A permissão dada por Bolsonaro - que depois voltou atrás - expôs esse atrito, e Oficiais da Aeronáutica expressaram posições de querer mais distanciamento entre as Forças Armadas e o Governo, frente o cada vez mais firme compromisso do Exército com Bolsonaro.

Politização por cima gera politização por baixo

De fundo, a disputa cada vez mais ativa por projetos, deixa visível um alto grau de politização ativa nas Forças Armadas. Não é de hoje, claro, ela vêm desde 2018 se fortalecendo, com Villas Boas exigindo decisões do STF no momento da prisão e proscrição de Lula, e avançou com Bolsonaro no Governo, depois com a entrada de Generais da ativa nos Ministérios, e em especial com Braga Netto assumindo a Casa Civíl e as rédeas do Governo.

A separação de parte das Forças Armadas de uma posição mais compromissada com o Governo mostra uma separação também no sentido de disputa por projetos. A FAB com Bolsonaro está mais distante de ter projetos de peso vindo do Governo, que tem sua estrutura recheada de Generais do Exército trabalhando em causa própria. Mas também demonstra um grau alto de politização, com essa posição de mais distância.

Esse avanço de politização, se já gerou movimentos incipientes dentro dos quartéis com a Reforma da Previdência que deixou praças descontentes com os privilégios dos seus superiores, tente a cada passo em que se politiza mais a relação das Forças Armadas com o Estado, aumentar. Vinda de cima, com certeza gera, e gerará movimentos por baixo nas forças de baixa patente do Exército e das outras Forças que se virem descontentes com o trabalho em causa própria dos Generais.

A politização no entanto não gera atritos apenas entre o Alto Comando e a incipiente politização dos praças, mas entre os próprios Generais, da ativa e da reserva. Uma parte do oficialato ativo, que constantemente dá declarações em off, sem se identificar, expressa bastante preocupação com o nível de compromisso dos Generais com o Governo, que vem numa crescente. A preocupação e a divergência se liga com o receio de um fracasso do Governo Bolsonaro, que teria como consequência um fracasso do Exército em sua empreitada e em suas disputas por projetos próprios e por uma localização mais favorável dentro da disputa do Regime brasileiro. Não existe uma visão homogênea dentro do Exército sobre a participação e proximidade com o Governo, e este fator é importante para analisar cada movimento dos Generais, tanto da ativa quanto da reserva.

Se a “corda estica” quem fica de que lado?

Por hora, parece que a declaração de tom mais golpista de Ramos mostra como dissemos um afastamento de compromissos mais profundos de parte das Forças Armadas com o Governo. Não é possível fazer uma separação mecânica entre Generais da Ativa e Generais da Reserva do Exército, mas é possível ver a Aeronáutica mais distanciada. O que vale como reflexão é que a Aeronáutica já teve antes posições mais distanciadas de Governos como hoje. Assim foi na transição pactuada da saída da Ditadura Militar. A FAB se manteve por fora do Governo Sarney, sem grandes interferências, diferente de outros ramos das FAs. E agora se distancia mais também.

Em tempos passados essa diferenciação e as disputas também se mostraram. Em 1937, às vésperas do Golpe de Vargas, o Exército invadiu uma das bases da Aeronáutica, por que o Brigadeiro Eduardo Gomes era contra o Golpe do Estado Novo. Outro dos conflitos foi em 1964, já no Regime Militar. O marechal Castello Branco lidou com conflitos entre a Marinha e a FAB, que acabaram com um helicóptero da força Naval metralhado pela FAB após pousar na base gaúcha de Tramandaí. Pouco tempo depois foram derrubados dois Ministros da Aeronáutica e um da Marinha.

O que fica claro de fundo é que a diferenciação não se mete por um “ideal democrático” da FAB, mas sim por interesses materiais bem claros, que por hora parecem estar distantes de Bolsonaro, e de um alinhamento mais definido, diferente do Exército, que vê nas posições que conquistou dentro do Governo e dentro do Regime, espaços fundamentais para disputa de seus próprios projetos.

Outro elemento importante é olhar com cuidado para as ponderações de parte do Generais da ativa do Exército, como citamos acima. As divisões internas entre Ministros, e entre parte da reserva e parte da ativa são fundamentais para seguir se estudanto o desenvolvimento de cada movimento dos militares, e a possibilidade de se abrirem diferenças maiores e mais claras, ou alinhamentos maiores, a depender do andar da crise política e das disputas do Governo com o STF.

 
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