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“O aplicativo que escraviza pai de família” é administrado por “filha” das universidades estaduais paulistas
Flávia Telles
Lara Zaramella
Estudante | Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo

“Alguém aqui se sente empreendedor? A gente é escravizado”, esse é o “aplicativo que escraviza pai de família”, “só por causa da minha cor, não me deixam usar o banheiro”, essas foram algumas das palavras ouvidas na manifestação da Avenida Paulista protagonizada por entregadores de comida nessa última sexta-feira, 05. Mas como se mantêm aplicativos que com um clique contratam um serviço que explora e humilha os trabalhadores, em sua maioria negros, sob a ideologia do empreendedorismo? Qual a relação destes aplicativos com as principais universidades do país?

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Imagem: Alexandre Miguez

É parte do conceito de universidade, diferentemente das demais instituições de ensino superior, não realizar somente o ensino, mas também pesquisa e extensão. Formar tecnicamente os profissionais para o mercado, ao mesmo tempo que produz ciência e forma quadros para manutenção ideológica do capitalismo enquanto sistema dominante, baseado na separação entre o trabalho intelectual e manual.

Frente a crise capitalista, administrada no Brasil por Bolsonaro, militares e esse podre regime, o que foi pavimentado pelos governos anteriores se aprofunda a níveis sem precedentes: autoritarismo, cortes e universidades que servem cada vez mais para as novas necessidades do capitalismo decadente, que vive uma combinação entre crise sanitária, política e econômica.

E que novas necessidades são essas senão aprofundar os mecanismos usados pelo capitalismo para extrair cada vez mais mais-valor? São novas formas de explorar o trabalho: trabalho zero hora, voucher, uberização, intermitência, tudo com uma forte dimensão de gênero e também racial, já que estamos no maior país negro fora da África e onde as mulheres negras ocupam os piores postos de trabalho.

As estaduais paulistas, filhas da ditadura militar, foram construídas justamente como as grandes produtoras de conhecimento para servir ao desenvolvimento capitalista num país semi-colonial e portanto submisso ao Imperialismo. USP, UNESP e UNICAMP são as “universidades de excelência” do país, as que frente a pandemia dizem que “não podem parar”. Mas a serviço de quem essa engrenagem paulista funciona?

O iFood é filho das estaduais paulistas: a inovação que escraviza, humilha e explora jovens negros “não pode parar”

Nos anos de governos petistas o projeto econômico visava aumentar a competitividade das empresas nacionais, para que se tornassem as novas "global players" do mercado mundial e a inovação e P&D (Pesquisa e Desenvolvimento) cumpriria o papel de gabaritar as empresas para concorrer com as empresas internacionais, ao mesmo tempo que o Brasil abria os braços para o capital financeiro internacional.

Esse projeto foi destruído pelo golpe institucional lavajatista de 2016 que foi para cima das empresas nacionais e abriu mais espaço ao capital estrangeiro. Mas foi nas universidades públicas que se tentaria produzir as novas necessidades científicas do capitalismo brasileiro, com entrada ainda mais massiva das empresas dentro das Universidades e parcerias público-privado sem fim. Nesse projeto, as estaduais paulistas, historicamente apartadas dos interesses dos trabalhadores, elitistas e extremamente excludentes, são as campeãs.

Se olharmos os dados disponibilizados pela própria USP veremos que 15 universidades brasileiras detêm 60% de toda produção de conhecimento nacional, e as 3 universidades do topo, são justamente as paulistas. Produz conhecimento e criando patentes para garantir que ele tenha função a medida que servem às empresas. Veja os gráficos abaixo:

É justamente nos anos 2000 que é criada a Movile, empresa filha da Unicamp, que conta com 4 fundadores formados na USP e diretores na UNESP, e que em 2014, já no pós crise capitalista, passa a se associar ao iFood (criado em 2011), o lucrativo aplicativo que faz os reitores paulistas baterem no peito com orgulho e jovens negros perderem a vida pedalando 12h por dia.

A Movile é uma das seis empresas unicórnio (startups avaliadas em 1 bilhão ou mais de dólares) brasileiras. O próprio jornal da USP, se vangloria ao declarar que 10 das 16 pessoas que fundaram essas seis empresas unicórnio são formadas na USP, o que, segundo o diretor científico da Fapesp, Carlos Henrique de Brito, daria o título de “celeiro de unicórnios” para a Universidade.

“Vamos impactar a vida de 1 bilhão de pessoas: somos o principal ecossistema de tecnologia da América Latina” é isso que se lê no site da empresa que nasce na sala de incubadoras de empresas da Unicamp e que com uma série de fusões se torna a líder global em mobile marketplaces. Hoje além do iFood, estão sob seu guarda-chuva a Playkids (plataforma de conteúdo infantil), Sympla (promoção de eventos), Wavy (serviços de conexão e mensagens) e as fintechs Zoop e MovilePay.

Frente a pandemia, o CEO da Movile, Patrick Hruby, disse que a empresa revisou suas prioridades e que uma delas é a saúde dos “colaboradores”, o que os entregadores estão jogando por terra mostrando que trabalham sob fortes restrições e punições, sem EPIs adequados e com salários de miséria.

Empresas como a Movile são criadas nas agências de inovação (Auspin, Inova e Auin) das estaduais paulistas, que tiveram início justamente nos anos de governo petista e cumprem um importante papel de desenvolver o empreendedorismo dentro das universidades, sendo responsáveis pela criação e gestão de patentes, e por negociar parcerias com setores empresariais privados. Estas agências proporcionam que muitas das empresas vinculadas às universidades sejam de ex-alunos das estaduais, o que é título de orgulho e mérito para os reitores das Universidades.

Agora, em plena pandemia, as três irmãs “não podem parar”. Seus reitores se preocupam justamente porque o projeto das Universidades é produzir conhecimento que sirva diretamente às empresas e inovação que se ligue às necessidades atuais do capitalismo em pandemia, e não da população.

Os reitores se chocam com o negacionismo e os ataques de Bolsonaro à educação, se ligando ao campo da "oposição" de direita à Bolsonaro que conta com governadores como Dória e o próprio STF. Knóbel, o reitor da Unicamp é a principal cara “democrática” das universidades contra a obscuridade da extrema direita. Atualmente é até mesmo o defensor das cotas étnico-raciais, sendo que estas só foram arrancadas com muita luta do movimento estudantil. Mas essa cara democrática quer esconder que o projeto de universidade que ele e os demais reitores defendem é que as estaduais paulistas produzam mais cérebros para salvar os lucros das empresas neste momento de crise, às custas da exploração dos trabalhadores, maioria negros.

Defendem um projeto de universidade que se sustenta com milhares de trabalhadores terceirizados, em sua maioria mulheres negras, da limpeza e alimentação, que frente a pandemia não são nem mesmo liberados, mesmo pertencentes ao grupo de risco, o que já custou a vida de dois trabalhadores com mais de 60 anos que já faleceram pela Covid-19 na USP.

As universidades, como centros de pesquisas, poderiam estar produzindo mais testes para o novo coronavírus, EPIs para os profissionais dos serviços essenciais, respiradores para serem disponibilizados aos milhares que têm necessitado. Frente à crise, essa seria a resposta e papel das universidades.

Entretanto, o que vemos são universidades que estão sofrendo com os cortes orçamentários e os planos privatistas do governo Dória e das reitorias da USP, UNICAMP e UNESP ao não liberarem os trabalhadores do grupo de risco, profissionais sem EPIs, e gerindo congelamento e cortes em pesquisas e no orçamento. Como denunciamos fortemente junto aos trabalhadores do HU da USP. Além disso, atacam a permanência estudantil descarregando a crise nas costas dos estudantes mais pobres e negros e empurram autoritariamente aos estudantes um EaD precário em que não podemos decidir os rumos dos nossos próprios cursos na pandemia, para assim estarem alinhados às novas reestruturações do ensino superior.

Um movimento estudantil que defenda universidades à serviço dos trabalhadores e do povo pobre e negro para responder à crise

A luta do povo negro chacoalha a luta de classes em todo o mundo, com centro no principal país imperialista do mundo, para dizer basta à violência policial e ao racismo. Neste domingo, expressão desse processo e também do enfrentamento à Bolsonaro, Mourão e todos os militares, também sairemos às ruas para dizer basta de morrer vítima das balas da polícia, da Covid e do lucro capitalista, e por Fora Bolsonaro e Mourão, denunciando as recentes mortes de jovens negros pelas mãos da polícia e dos patrões, justamente no país onde os negros são os que mais morrem pelo coronavírus.

Na Argentina vimos que os jovens entregadores que são parte dos “precários”, dos milhares que pelas plataformas digitais são explorados todos os dias, com salários de miséria e arriscando suas vidas ainda mais diante da pandemia, começam a se mobilizar e aqui também vemos a força desses jovens negros.

Assim, desde dentro das estaduais paulistas o movimento estudantil também tem a tarefa histórica de se ligar a cada demanda desses jovens que foram excluídos da possibilidade de adentrar as portas das universidades por causa dos vestibulares, que morrem nas mãos das polícias e que são os que mais sofrem com a Covid. Não só indo e apoiando os atos antifascistas e antirracistas, mas também dentro das universidades defendendo um programa que dê uma saída de fundo a esses jovens, que diga basta a que essas empresas sejam criadas no seio das universidades públicas para sugar a vida dos trabalhadores em nome dos lucros.

Que defenda o fim do vestibular e a estatização das universidades privadas, para que a juventude negra possa de fato ter direito de estudar, se apoiando na força que o movimento estudantil e negro mostrou em lutar pelas cotas étnico-raciais nessas universidades, que lute pela efetivação de todos os terceirizados sem concurso público, porque basta de mulheres negras ganhando baixíssimos salários e sob condições precárias de trabalho. É esse chamado que nós da faísca fazemos a cada jovem estudante, lutar para que a carne mais barata das estaduais paulistas não seja a carne negra e que possamos erguer universidades profundamente ligada aos interesses do povo pobre, negro e trabalhador desse país.

 
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