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Dependência econômica e os possíveis novos conflitos diplomáticos com a China no governo Bolsonaro
Caio Reis

A divulgação do vídeo da reunião ministerial e o risco de divulgação de novos trechos onde os participantes atacam a China aumentam as tensões com o país que é o maior parceiro comercial brasileiro, despertando o medo de Paulo Guedes, do agronegócio e dos militares.

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Na última sexta-feira (22) foi divulgado o vídeo da reunião ministerial do governo brasileiro ocorrida exatamente um mês antes. Diante da iminência da publicação da reunião, os militares prontamente se mobilizaram para que fossem suprimidos trechos onde Bolsonaro e ministros ofendem e se colocam em oposição a outros países, em especial a China. Porém, o medo dos militares e de Guedes de que os trechos venham a ser liberados nas próximas semanas persiste, ainda mais diante de um cenário econômico desastroso.

As relações entre Brasil e China vêm de uma série de ataques por parte de ministros e figuras políticas, como Eduardo Bolsonaro, contra o país asiático. Vale lembrar que, em março, o deputado federal e filho do presidente tweetou uma comparação entre o início da crise do Coronavírus e o acidente nuclear de Chernobyl, culpando diretamente o Partido Comunista Chinês pela disseminação do vírus e gerando resposta dos perfis tanto da embaixada da China no Brasil - que inclusive rebateu acusando-o de querer ser “o porta-voz dos EUA no Brasil” - quanto do embaixador Yang Wanming. Weintraub foi outro que também ridicularizou a China e a acusou de procurar se beneficiar da pandemia para dominar o mundo, causando resposta mais dura da embaixada - que definiu as declarações como “desprezíveis” e “de cunho racista” que procuravam “estigmatizar” a China.

Com a possível divulgação das declarações gravadas na reunião ministerial de abril, os militares e Paulo Guedes temem principalmente os impactos econômicos que podem decorrer de um maior atrito com o gigante oriental, o principal parceiro comercial do Brasil. Um novo incidente diplomático poderia afetar principalmente o agronegócio brasileiro, cuja soja tem como principal destino a China.

Até o momento, sabe-se que no vídeo censurado há referências pejorativas ao Partido Comunista Chinês - partido único da burocracia de Pequim - assim como menções a um suposto envolvimento do serviço secreto chinês na América Latina. Nos trechos já publicados, podemos ver Guedes dizendo que a China deveria ser responsável por financiar um “Plano Marshall” para todos os países atingidos pelo vírus, assim como dizendo que o Brasil tem que “aguentar” a China, por sua relação econômica central com o país.

Não é segredo a posição do governo brasileiro de submissão ao capital imperialista estadunidense e de alinhamento ideológico ao trumpismo. O governo do presidente que cumprimenta Trump com “i love youna ONU, desde o início procura a entrega das riquezas nacionais para o capital imperialista estadunidense e estabelece uma política externa de total submissão às diretrizes de Washington. Em meio à crise do coronavírus não poderia ser diferente, com tanto a ala econômica quanto a ideológica assumindo a narrativa de culpabilização da China pela pandemia, em reflexo direto do discurso oficial norte-americano.

Porém, contra os desejos de submissão de Guedes e dos Bolsonaro, a economia brasileira é em primeiro lugar dependente da China, não dos Estados Unidos. O próprio Guedes reconhece isso na reunião ministerial, ao responder que os presentes teriam que “aguentar” a China, justificando que o Brasil exporta 3x mais para a Ásia do que para a América do Norte. De fato, quase 30% das exportações brasileiras tem a China como destino, com inclusive um aumento de US$ 9 bilhões no saldo comercial de janeiro-abril de 2020, mesmo com o coronavírus. As exportações para os Estados Unidos, por outro lado, sofreram uma retração de US$ 3 bilhões nesse mesmo período em relação a 2019. Em abril, Guedes afirmou que, de acordo com as previsões de então, as exportações para a China segurariam em 2% a queda da economia brasileira - encolhendo a queda prevista de 6% para 4%.

É interessante observarmos que o agronegócio brasileiro é competidor direto dos EUA pelo mercado chinês. Em 2019, durante os períodos altos da disputa comercial de Trump com a China, as tarifas impostas pelo governo americano levaram os chineses a interromperem a compra da soja norte-americana e voltarem os olhos ao Brasil. Foi comprada quase 80% da safra, garantindo lucros colossais ao agronegócio brasileiro com a disputa entre as potências.

A realidade é que as relações sino-brasileiras tem um caráter estratégico para diversos atores econômicos e institucionais no Brasil. Isso se reflete, por exemplo, no futuro das negociações de venda da Embraer, onde China pode vir a desempenhar um papel central. A empresa brasileira rumava para uma fusão com a norte-americana Boeing, quando, ao final de abril, a Boeing anunciou a desistência influenciada pelos impactos da pandemia no mercado da aviação. O governo brasileiro possui a “parcela de ouro” das ações da Embraer e parece decidido a dar um rumo entreguista à empresa mesmo sem a conclusão do acordo com a Boeing. Logo após a ruptura, Mourão prontamente recorreu ao capital chinês, dando declarações de que o governo estaria disposto a vender a Embraer à empresas chinesas e que “o casamento com a China é inevitável”. Na transmissão, ouvintes chineses afirmaram que os possíveis empecilhos seriam de cunho mais político do que econômico.

Os frigoríficos brasileiros são um outro grande setor nacional que tem boa parcela de seus lucros dependentes da China. Enquanto os efeitos da pandemia ao redor do mundo diminuíram a demanda de mercados relevantes como o Irã e a Europa, as exportações de carne bovina para a China dobraram nesse início de 2020, com o país se tornando destino de 35% das exportações em março. Porém, com 21 frigoríficos confirmando casos de coronavírus (cerca de 2.079 casos entre trabalhadores de frigoríficos gaúchos) e o país se tornando um dos maiores epicentros da pandemia - com políticas de reativação econômica amplamente baseadas em subnotificação - é possível que a reação mundial ao cenário sanitário nacional leve países como a China a reduzirem suas compras de produtos brasileiros, com receio de importarem junto novos casos do vírus.

Também no marco recente da pandemia, o Brasil - como diversos outros países - vem dependendo da importação de máscaras, respiradores e outros insumos chineses para medidas públicas e empresariais de prevenção e combate ao vírus. E como indicam as estatísticas econômicas e as movimentações dos setores mais “multilaterais”, a recuperação brasileira pós-pandemia em boa medida dependerá da relação com a China, muito mais do que com os EUA.

Eis a explicação do medo legítimo que Guedes, os militares e a ministra da agricultura, Tereza Cristina, têm de possíveis retaliações chinesas com a liberação integral do conteúdo da reunião ministerial de abril. Frente a esse risco, que vem sendo avaliado como provável, os militares já se anteciparam e recorreram ao Itamaraty para entrar em contato com o governo de Xi Jinping e reforçar o seu apreço pelos laços comerciais entre os países, antes de qualquer nova divulgação dos vídeos.

A relação de dependência contrasta com o avanço dos ataques do bolsonarismo, que, em reuniões ministeriais e perfis oficiais nas redes, ataca o país asiático e impulsiona essa linha em sua base de apoio mais dura de extrema-direita - setores pró-Bolsonaro onde transborda a xenofobia e uma forte propaganda anti-China, promovida também pelos milhares de robôs virtuais financiados pelos apoiadores do presidente. O governo brasileiro em si não esconde seu alinhamento ideológico e sua preferência servilista pelo imperialismo estadunidense, para quem Guedes e Bolsonaro adorariam vender o país.

A China, por sua vez, até agora parece encarar a relação com o Brasil de forma mais pragmática do que ideológica. No mesmo dia da divulgação das gravações da reunião de abril, a Embaixada do país divulgou uma nota onde afirma o caráter estratégico da parceria com o país, buscando tranquilizar os mercados em relação a qualquer resposta frente aos vídeos. O tom difere completamente das respostas dadas aos ataques de caráter ideológico anteriormente, onde os diplomatas chineses partiram para uma postura mais ofensiva, de certa forma até inédita.

A maior ofensiva dos diplomatas chineses, junto aos panos quentes, pode estar relacionada ao crescimento do sentimento anti-chinês como fator político relevante no Brasil - algo que arrisca ser explorado por políticos de extrema-direita inclusive por fora do círculo de Bolsonaro, impulsionados pela política estadunidense - assim como também serve para pressionar com o objetivo de garantir maiores concessões por parte da fração menos ideológica do governo, seja em matéria agropecuária, seja na participação em leilões de setores estratégicos ou para garantir que seja a chinesa Huawei quem instalará as redes 5G no país.

Evidentemente, tudo isso se insere nos marcos do conflito entre Estados Unidos e a China pela supremacia tecnológica, militar e econômica mundial, onde o Brasil e o mundo se encontram arremessados também. Donald Trump segue com sua linha de responsabilizar a China pela pandemia - e disseminando a narrativa não-comprovada de que o vírus teria sido criado em um laboratório de Wuhan - e busca aliados para debilitar econômica e politicamente o competidor. Esse aspecto de defesa dos interesses estratégicos do capital norte-americano se combina com o interesse pessoal de Trump na reeleição em novembro, onde disputa com Joe Biden, que tem acordo na prioridade da disputa com a potência asiática e também se utiliza da retórica anti-chinesa como alavanca para as eleições.

 
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