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DOSSIÊ 28 DE MAIO
O aborto na antiguidade
Alexandro Fernández

Desde milhares de anos atrás até nossos dias vários personagens históricos construíram as bases do debate, que no presente se discute com tanta força.

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Aborto sim ou não? Já se praticava o aborto há muito tempo? Sempre existiu clandestinidade? Este debate que hoje se instaurou na sociedade não é novo e deve-se saber que o aborto não é uma questão do presente e que sua prática existe há milênios.

No antigo mundo greco-romano, o aborto não era considerado nem crime nem delito. É assim como o grego Hipócrates, reconhecido por suas habilidades em medicina, sentenciava o Juramento Hipocrático “a ninguém darei uma droga mortal mesmo que me seja solicitada, nem darei conselhos com esse fim. Da mesma maneira, Não darei a nenhuma mulher supositórios destrutivos; Manterei minha vida e meu ofício afastado da culpa.” Apesar de os direitos jurídicos e políticos naquela época serem concedidos somente a homens, adultos, de procedência grega e com alto status social, Sócrates mantinha que o aborto era “um direito das mulheres e os homens não deveriam ter voz nestes assuntos”. Outro filósofo estoico, Epíteto, no século II disse que “é equivocado chamar de estátua ao cobre em estado de fusão e de homem ao feto”.

Por outro lado, outro especialista no ofício da medicina e em contraposição a Hipócrates, Sorano de Éfeso, pai da ginecologia e obstetrícia, em sua obra mestra “sobre as enfermidades das mulheres” – século II – recomendava a contracepção mediante o uso de algodões com unguentos ou certas substâncias oleosas, porém, desaprovava o aborto por meios físicos por considerá-lo muito arriscado para o corpo da gestante e promovia o aborto terapêutico no caso em que a gestação colocasse em risco a vida da mulher grávida: nesses casos se privilegiava a vida da gestante porque ao feto não se considerava um ser formado. Porém, o grande filósofo Aristóteles é quem dá um marco espiritual ao defender que o feto era totalmente carente de “alma” se este não tinha ultrapassado os 40 dias desde sua concepção.

Em antigos textos romanos, como Naturalis História de Plínio o Velho, se falava de métodos abortivos como Silphium, uma erva cuja, entre outros usos médicos, “dava-se às mulheres com vinho e se usava com uma lã suave como um pessário – supositório vaginal – para provocar hemorragias menstruais e com isso abortos”. E assim se misturava um pouco de lã macia com a resina de Silphium e se fazia com ela uma esfera, parecida a uma pequena pílula, que era introduzida na vagina para provocar o fluxo menstrual. Essa erva era reconhecida por antigas civilizações como Egito, Grécia, Roma e a antiga Mesopotâmia. Outras alternativas eram a Satureja Montana, infusão de Mentha Pulegium ou práticas cirúrgicas que também foram encontradas, por meios de descobertas arqueológicas, na China, Pérsia e Índia.

Enquanto que, no antigo Egito, o papiro Ebers cuja origem se remonta a 1.500 antes da nossa era, no reinado de Amenhotep I, da dinastia XVIII, se encontrava receitas para interrupção da gravidez que se tratavam de frutas verdes de acácia, tâmaras e cebolas trituradas com mel. Enquanto que nos papiros de Kahun – 1.800 antes da nossa era – durante o final da dinastia XII do Império Médio - se sugeria a introdução de excremento de crocodilo com mel para prevenir a gravidez e como abortivo.

É de se entender que nenhum destes métodos eram seguros, mas além de sua possível eficácia no ato abortivo, as pessoas que o praticavam corriam um grande risco ao comprometer sua saúde física e mental, levando inclusive a perda da sua vida.

A questão do aborto e a Igreja Católica

Tanto no Antigo como no Novo Testamento não há muitas menções sobre a questão do aborto e isso levou a que nos primórdios do cristianismo a Igreja não pudesse tomar uma postura concreta. Foi com São Tomás de Aquino (1225-1274), teólogo cristão, em seu escrito “Suma Teologia”, faz um segmento ao que Aristóteles defendia em uma Grécia incipiente expressando que “a alma não é infundida antes da formação do corpo”. Sem viajar tanto no tempo esta mesma ideia predominava em outros pensadores cristãos e São Augustín (354-430 d.C.), bispo de Hipona, era um deles, considerava que o embrião não tinha alma até o 45º dia depois da concepção.

Essa postura foi adotada pela Igreja em 1.312, no Concílio de Viena convocado pelo Papa Clemente V. Porém, foi mais recentemente em 1869 quando o Papa Pio IX determinou que os embriões possuem uma alma para todos os efeitos desde o momento da concepção justificando com “provas” apresentadas nos primeiros microscópios da época, cujos cientistas da época creram ver em um embrião a pessoas humanas minúsculas, as quais denominaram “homúnculo” considerando que se tratava de uma criatura perfeitamente formada que só necessitava crescer, e por isso estaria dotada de alma. E por isso, a prática do aborto era equivalente a um homicídio.

No entanto, a história do movimento clerical demonstrou seu principal objetivo ao condenar sempre a mulher, inclusive nas “sagradas” escrituras sobressaem o grande conteúdo de misoginia e na expressão da mulher que encarna o mal de todo o mundo, de forma puramente carnal, pecadora e submissa, devota e subordinada ao homem. É assim que a Igreja aposta tudo quando surge esse sistema irracional que se conhece como capitalismo que por si só submete a uma grande parte da população humana a condições de exploração, porém a uma dupla exploração ao gênero feminino.

É quando a imagem da mulher passa a ser a da mãe, a esposa caseira a disposição do homem, a filha obediente. E é aqui que nasce a representação da nova Virgem Maria que carrega ao menino Jesus.

Não só modifica a imagem da mulher, mas com o surgimento do capitalismo a igreja está obrigada a ser conseqüente com esse sistema se quiser sobreviver aos novos modos de produção que impõe e assim garante um futuro com a suficiente força de produção para sustentar ao máximo possível esse sistema. E para garantir isso necessita criar o binômio mulher-mãe. Opor-se ao direito ao aborto não parecia ser má ideia se o que está em jogo é a sobrevivência desta decadente instituição de origem patriarcal.

Na atualidade o vigário de Cristo, Jorge Bergoglio (o "Papa Francisco") chama a que “nossa defesa dos inocentes não nascidos deve ser clara, firme e apaixonada porque está em jogo a dignidade da humanidade, que é sempre sagrada”. É o mesmo papa que comparou a mulheres e homens trans com bombas nucleares, o que se opôs ao matrimônio igualitário e declarou Guerra Santa aos homossexuais, o mesmo que agora chama de “nazi” a quem luta pelo direito ao aborto. É a mesma igreja que perseguiu, torturou e assassinou a milhares de mulheres e pessoas pertencentes a identidades dissidentes. É assim, perpetuando velhas estratégias até o presente século XXI que a igreja segue controlando nossos corpos.

O direito ao aborto o conquistamos hoje

É incrível pensar como há 100 anos com a Revolução Russa se conseguiu aprovar o direito ao aborto e isso foi pela luta de grandes mulheres que lutaram se organizando e se mobilizando para conquistar seus direitos. Hoje não deve ser diferente, é certo que este debate está mais que presente e sua resolução é discutida em um parlamento, porém o campo de batalha está nas ruas e a única forma de ganhar esta batalha é com cada passo que se dá acompanhado de outros. Em sintonia com uma exclamação que ecoa com as lutas do passado. A conquista se faz no presente. Educação sexual para decidir, anticoncepcionais para não abortar, aborto legal para não morrer!

 
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