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DOSSIÊ 28 DE MAIO
28M: Nós, mulheres que adoecemos e nós, mulheres que cuidamos também
Isa Santos
Assistente social e residente no Hospital Universitário Pedro Ernesto/UERJ

É uma realidade mundial, as profissões relacionadas ao cuidado são marcadas por serem compostas por uma maioria feminina. Cuidar historicamente, devido ao patriarcado, ao machismo e a sua apropriação pelo capitalismo, é uma tarefa destinada às mulheres. Isso nos traz a um cenário onde estimas-se que as mulheres correspondem a 70% da força de trabalho mundial na saúde e nos serviços de assistência social[1]. Hoje, diante de uma pandemia, isso significa que 70% dos trabalhadores que estão atuando diretamente nos serviços que lidam com as consequências dos efeitos, físicos e econômicos, da COVID-19 na população são mulheres. O que nos faz poder afirmar que a linha de frente para salvar vidas é feminina.

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No Brasil das 14 profissões definidas pelo Ministério da Saúde como profissões da saúde algumas, dentre elas o Serviço Social, o corpo profissional chega a ser composto por mais de 90% de mulheres[2]. As mulheres não chegam a corresponder a maioria entre os médicos onde os homens correspondem a 54,4% dos profissionais e, onde também, 77,2% dos profissionais são brancos[3] um contraste com a realidade da enfermagem onde 53% são negras[4]. Dados recentes do IPEA indicam ainda que as mulheres entre os Agentes Comunitários de Saúde representam 77,8%, entre os enfermeiros 85,2%, entre os técnicos de enfermagens 85,3% e entre os auxiliares de enfermagem 85,9%. Esses dados concretizam uma realidade visível aos olhos daqueles que trabalham e utilizam os serviços de saúde, e aqui para a maior parte da população, dos trabalhadores, negros e negras, estamos falando do serviço público de saúde, o SUS.

Mas ainda no campo quantitativo o que se observa é uma escassez de dados, um painel quase que inexistente se a busca for por dados desagregados por gênero e raça. Ainda assim, elementos como os dados apresentados acima, a realidade das exaustivas jornadas de trabalho de técnicos, enfermeiros e outros profissionais da saúde que não tem a mesma localização social dos médicos, as condições precárias de trabalho, os vínculos precários e a terceirização torna possível afirmar que, dentre os mais de 3,5 milhões de profissionais e trabalhadores de saúde a sua maioria é mulher e grande parte também é negra.

Hoje concretamente os efeitos das condições de trabalho precárias, e da opressão de gênero e racial, se aprofundam para as mulheres trabalhadoras da saúde em todo o mundo. Diversas matérias estampam as dezenas de trabalhadores da saúde mortos nos países que foram epicentros da pandemia. Nesta semana o Brasil não só se tornou o epicentro da pandemia na América Latina como também bateu recorde de profissionais da enfermagem mortos em decorrência da Covid-19. Ao todo, de acordo com os Observatório da Enfermagem, são 160 óbitos de profissionais de enfermagem no país. Destes 101 são do sexo feminino, ou seja, 63,1% dos óbitos dos profissionais da enfermagem em decorrência da covid-19 são de mulheres. As mortes são mais altas nos estados do Rio de Janeiro (36 óbitos no total - 23 do sexo feminino), São Paulo (35 óbitos no total - 19 do sexo feminino) e Pernambuco (24 óbitos no total - 19 do sexo feminino). Em um total de casos reportados que somam 17.337, 14.691 são mulheres. As profissionais mulheres em São Paulo e Rio correspondem respectivamente por 18,4% e 17,2% dos casos reportados[5].

Os dados expressam uma realidade de precarização das condições de trabalho dessas profissionais que não surge com a pandemia, mas nela se aprofundam. Escondem também um batalhão de mulheres que exercem funções essenciais nos serviços de saúde como as recepcionistas, profissionais dos serviços de limpeza e de setores administrativos terceirizados que não entram nos dados e não são contabilizadas pelas unidades de saúde para receberem materiais de proteção individual dos serviços. Mulheres que são obrigadas a trabalhar em hospitais, UPAS, Clínicas da Família etc., com máscaras de pano, onde as empresas não liberam grupos de riscos e o assédio moral é uma constante.

Essa realidade tem significado mortes, mas também um adoecimento dessas profissionais. São diversos fatores, como a falta de insumos e recursos para atendimento aos usuários dos serviços, extensas e intensas jornadas de trabalho e, principalmente, a falta de materiais de proteção individual (Epi’s), esse último aspecto, elemento básico, fundamental, para garantir a segurança dessas profissionais e também, para que seja possível se prestar um serviço seguro, na prática é negado aos profissionais da saúde.

No Brasil, e em todo mundo, vemos diversas manifestações exigindo materiais de proteção para os profissionais da linha de frente e se enfrentando com setores da direita e negacionistas como são os apoiadores de Trump e Bolsonaro. Hoje, no Dia Internacional de luta da saúde da Mulher, diante da pandemia, levantar a exigência de que sejam garantidos os materiais de proteção adequados para todos os profissionais é o único caminho na luta pela saúde, e pela vida, das mulheres na linha de frente. Apoiar e fortalecer as ações dessas trabalhadoras exigindo esses materiais deve ser encarada como uma tarefa de todos, principalmente das entidades, sindicatos e setores da esquerda. É preciso exigir que todos os trabalhadores, terceirizados e efetivos, que compõem os grupos de risco sejam liberados com remuneração integral, que novos trabalhadores sejam contratados para que se possa organizar jornadas que não sejam extenuantes. Testes para todos os profissionais de saúde, testes massivos para a população e leitos e respiradores para todos aqueles que necessitem.

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[1] UNFPA – United Nations Population Fund. COVID 19: Um olhar para gênero. Resumo Técnico, março 2020. Disponível em https://brazil.unfpa.org/sites/default/files/pub-pdf/Covid19_olhar_genero.pdf

[2] https://www.conasems.org.br/o-protagonismo-feminino-na-saude-mulheres-sao-a-maioria-nos-servicos-e-na-gestao-do-sus/

[3] https://covid19br.org/main-site-covida/wp-content/uploads/2020/05/Boletim-CoVida-5_Edit_.pdf

[4] Machado MH. et al. (Coord.). Pesquisa Perfil da Enfermagem no Brasil. Relatório final. Rio de Janeiro: Fiocruz; Cofen, 2015. s.d.

[5] Os dados do site http://observatoriodaenfermagem.cofen.gov.br/ são atualizados a partir do envio de informações para o Cofen. Os dados apresentados aqui podem não corresponder as atualizações ocorridas após a publicação deste texto.

 
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