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IDEIAS NAS UNIVERSIDADES #2 - ESPECIAL UM ANO DO 15M
Em tempos de pandemia, lições do tsunami da educação
Valéria Muller
Maré
Professora designada na rede estadual de MG

A pandemia do coronavírus escancara a decadência capitalista e no Brasil a situação é devastadora. Enquanto colapsam os sistemas de saúde nos estados, os desdobramentos da crise política e o agravamento da crise econômica colocam enormes desafios à juventude, aos estudantes e aos trabalhadores. Neste contexto são valiosas as lições das lutas passadas como o gigantesco 15M de 2019.

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O Brasil caminha para ser epicentro mundial da pandemia do coronavírus. Históricas desigualdades estruturais se exacerbam e o colapso dos sistemas de saúde vitimiza principalmente as camadas mais pobres da classe trabalhadora. Os patrões seguem obrigando milhões de trabalhadores de serviços não essenciais a escolher entre o risco de contaminação e o risco do desemprego e da fome. Ao mesmo tempo aumentam as demissões e mais e mais empresas aderem à MP da morte de Bolsonaro para cortar salários. O professor da Unicamp Ricardo Antunes estima que o número de desempregados pode chegar a 40 milhões.

É nesse contexto que se desenvolve uma profunda crise política e disputas entre frações autoritárias do regime. Os desdobramentos da saída de Moro do governo seguem em curso, e um dos seus efeitos foi os militares reafirmarem sua sustentação a Bolsonaro, o que significa também ainda mais poderes às viúvas da ditadura. Com Braga Netto encabeçando o gabinete de enfrentamento à pandemia e reduzindo o papel de GuedeS ao sinalizar mudanças na política econômica com o Plano Pró-Brasil de obras públicas, cada vez mais é o "braço forte" dos generais que sustenta Bolsonaro. Os militares tentam comprar no Congresso, com o velho "toma lá da cá", o apoio do chamado "centrão" para afastar as possibilidades de impeachment. Os ministros do STF, eleitos por ninguém e mantendo seus seus super salários em meio à pandemia, buscam retomar o papel do judiciário como árbitro, em disputa com os militares, pressionando o executivo junto à grande imprensa. Os governadores como Dória, Witzel, Leite e inclusive os do PT e do PCdoB, que se colocam como oposição à Bolsonaro, ou seu capacho Zema, também são responsáveis pela situação dramática que vive o povo e, apesar do discurso, na prática sua política também descarrega essa crise nas costas da classe trabalhadora e da juventude.

As disputas por cima abrem espaço para ações mais contundentes por baixo. Embora a luta de classes não seja o que prima na situação nacional é possível identificar, particularmente com as trabalhadoras e trabalhadores da saúde, os primeiros focos de resistência. É preciso cercar de apoio e solidariedade elas, que estão na linha de frente de uma guerra sem armas, onde faltam EPIs, testes e onde os anos de ataques, cortes e privatizações da saúde cobram seu preço em vidas. Sequer os grupos de risco vem sendo liberados nessas categorias. Ao mesmo tempo, é um grande temor das elites e dos governantes que o aprofundamento da crise sanitária e econômica tornem impossível conter maiores revoltas da classe trabalhadora e do povo brasileiro.

O lugar da juventude, dos estudantes e da educação nesta crise

Se antes da pandemia a crise capitalista já estreitava as perspectivas de um futuro que valha a pena para as novas gerações, agora o cenário é ainda pior. A juventude arrisca sua vida em trabalhos precários, pedalando para os aplicativos de entrega e aglomerada nos call centers, exposta à contaminação pela sede de lucros dos patrões. Nesse sentido é um exemplo inspirador os atos da juventude precarizada que ocorreram na última quinta-feira na Argentina. A juventude negra, historicamente vítima de um verdadeiro genocídio promovido pelas forças repressivas do Estado, compõe uma parcela importante entre os desempregados, e vê a pandemia penetrar nas periferias de maneira assustadora.

No tema da educação, no Brasil e no mundo as recomendações de distanciamento social soaram aos governos e aos empresários como uma janela de oportunidade para avançar no EAD e na precarização do ensino básico e superior. Bolsonaro e Weintraub também insistiram em manter o ENEM porque para eles, mesmo que dezenas de vidas sejam ceifadas, "o Brasil não pode parar". Com a repercussão da gravação da reunião ministerial onde Bolsonaro teria buscado intervir na PF, e Weintraub teria defendido a prisão de ministros do STF, o presidente sinalizou que a prova pode ser adiada, mas nada ainda foi confirmado. Fez isso em meio à uma enorme pressão de distintos setores pelo adiamento da prova, e para preservar a si e seu ministro reacionário em meio à crise. Eles avançam também em sua escalada anticiência, cortando bolsas de pesquisa, e no autoritarismo, atropelando votações e nomeando interventores para a reitoria de universidades e institutos federais.

Em seu brilhante "O 18 de Brumário de Luis Bonaparte" Marx dizia que a humanidade faz sua própria história, mas não o faz conforme sua escolha e sim sob as condições com as quais se defronta diretamente. A implacável atualidade desta afirmação exige muito dos jovens e estudantes de hoje. Em muitos momentos da história esse setores cumpriram um papel de antecipar as insatisfações que se expressariam depois em outras camadas da população. O mundo nunca mais será o mesmo após a pandemia e cabe à juventude e aos estudantes se colocarem como sujeitos desta história e se prepararem, desde já, para maiores embates. Nesse sentido as lições das batalhas passadas devem nos ajudar a preparar o devir.

Lições de um tsunami

No agora longínquo 2019, há exatamente um ano atrás, mais de um milhão de jovens, estudantes e professores fizeram o país tremer. O governo Bolsonaro havia anunciado um corte de 30% do orçamento da educação, continuando e aprofundando o plano do golpe institucional que já havia congelado os gastos públicos em 2016 com a EC 55. Não somente a educação estava na mira do governo de extrema direita. Também avançavam as negociações a respeito da reforma da previdência, e inclusive o governo buscava chantagear estudantes e professores prometendo retroceder no corte de 30% caso o ataque às aposentadorias fosse aprovado.

Então fomos os grandes protagonistas das principais manifestações de rua contra o governo Bolsonaro, aquelas que mostraram novamente a força organizada dos milhares que tinham gritado pelo #EleNão durante a eleição. Naquele então a UNE, dirigida pelo PT e pelo PCdoB, aceitava tacitamente a chantagem do governo ao retirar de suas bandeiras o combate à reforma. Por outro lado as direções sindicais impunham uma enorme paralisia à classe trabalhadora, impedindo que o rechaço passivo à reforma confluísse objetivamente com os protestos estudantis. Nós da juventude Faísca e do Esquerda Diário batalhamos em diversas universidades, escolas e outros locais de trabalho de todo o país para que fosse travada uma só luta contra a destruição da educação e contra a reforma da previdência. Apontávamos como essa separação dessas bandeiras era uma armadilha, que separava também estudantes e trabalhadores. Naquele momento foram mantidos os cortes, um dinheiro que hoje faz falta para que as universidades possam contribuir no combate à pandemia. Também a destruição das aposentadorias se deu em uma derrota sem luta, garantida pela paralisia das centrais sindicais e a conivência das maiores entidades estudantis. Se a força dos estudantes que saíam às ruas e insatisfação que se expressava passivamente na classe trabalhadora com a reforma da previdência tivessem se unido, esta história poderia ser diferente. Porém essa nunca foi a política nem da UNE, nem dos sindicatos dirigidos pela CUT, CTB e outras centrais, todos com PCdoB e PT nas suas direções.

Hoje nossos desafios são muitos superiores frente à pandemia. Revisitar as lições de nossa própria experiência serve para nos armar às batalhas futuras e àquelas já em curso. Além disso, é um debate em todas as universidades e escolas do país a educação em EAD. O 15M do ano passado nos ensina que separar a discussão da educação do conjunto da situação política nacional é um erro importante. Com todas as enormes diferenças que há entre o momento atual e o "distante" maio de 2019, chama atenção outro ponto de contato: A UNE, assim como parte das organizações de esquerda que são oposição à direção da UJS e do PT na entidade, vêm discutindo tanto o adiamento do ENEM quanto o ensino EAD como se o único problema fosse Bolsonaro, se "esquecendo" que Mourão e os militares vêm bancando junto esse projeto político. Pior do que isso, alimentam ilusões de que podemos conquistar nossas demandas confiando nas alas aparentemente mais "democráticas" desse regime podre, como o judiciário e o Congresso, os mesmos que ano passado aprovaram e seguem aprovando junto a Bolsonaro todos os ataques contra os trabalhadores. Em 2019 a separação colocava toda a força demonstrada pelos estudantes e trabalhadores da educação a serviço dos interesses de setores como a Globo, Tábata Amaral, e inclusive as reitorias. Todos favoráveis a nos fazer trabalhar até morrer mas críticos aos cortes na educação.

Atualmente o problema se coloca de maneira renovada e mais complexa. O adiamento do ENEM, por exemplo, foi defendido por um espectro muito amplo, passando novamente pela Rede Globo, Folha de São Paulo, Estadão e chegando até o estuprador confesso Alexandre Frota, que de cabo eleitoral do Bolsonaro passou a compor um setor "crítico". Sobre o EAD há muitas críticas, inclusive por parte de direções de departamentos nas universidades, principalmente nas federais, ao mesmo tempo que vai se impondo tanto na educação básica quanto no ensino superior, como nas estaduais paulistas e nas universidades privadas. Outros setores como a Folha de São Paulo também já se posicionaram criticamente ao ensino EAD. Nesta sexta nos somamos à convocação da UNE e outras entidades estudantis para uma ação nacional virtual, com twitaço às 18h pelo #adiaENEM. Colocamos também a necessidade de levantar neste 15M o #ForaBolsonaroEMourão e expressar nossa solidariedade aos trabalhadores que estão na linha de frente desta pandemia, e chamamos todas as organizações de esquerda que busquem levantar uma política independente a batalhar em unidade por este conteúdo.

Isso porque descolar essas batalhas fundamentais na educação da batalha pelo Fora Bolsonaro, Mourão e os militares, sem nenhuma confiança no Congresso, governadores ou STF, acaba permitindo que a insatisfação de milhões de estudantes e professores seja capitalizada por outros setores do regime, que também são nossos inimigos. Esses setores se diferenciam da política negacionista de Bolsonaro frente à pandemia mas convergem no projeto de nos condenar a ser mão de obra barata aos capitalistas, sem direitos trabalhistas, trabalhando até morrer e também sem direito à educação. Por isso, ao contrario daqueles que apostam todas suas fichas nas vias institucionais como a cassação de Bolsonaro ou um impeachment, nós defendemos que é necessário colocar a decisão sobre os rumos do país nas maõs do povo. É nessa perspectiva que batalhamos por uma assembleia constituinte livre e soberana, que só poderá ser imposto a partir da unidade dos estudantes, das mulheres e LGBTs com o conjunto da classe trabalhadora e a partir do desenvolvimento da resistência e da organização destes setores.

 
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