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DOSSIÊ 13 DE MAIO: ABOLIÇÃO DA ESCRAVIDÃO
Os rumos ideológicos do racismo na COVID-19: Do fim do trabalho forçado em meio a chibata à realidade colocada aos negros em meio a doença
Zasalamel Ferreira

Do negro açoitado pela chibata, preso pelo limbambo, torturado no tronco e no pau de arara, ao negro morador das periferias trabalhando 12 horas por dia sem descanso e sem direitos trabalhistas em cima de uma bicicleta, enquanto sofre com a repressão policial e o assassinato sistemático da juventude negra, ao mesmo tempo em que uma pandemia cresce a nível mundial e que contamina mais negros do que brancos, sem que exista nenhum fator natural ou genético que faça dos negros um grupo mais suscetível a contaminação.

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Tecido em diferentes roupagens ao decorrer da história, e mesmo após a abolição, o racismo continua existindo e retomando sua cara mais perversa em uma onda crescente frente a ascensão dos regimes de extrema direita que vem aprofundando os choques das relações raciais e ataques aos direitos trabalhistas. Mas, sob quais condições o racismo perpetua-se pelos tempos e se fortalece cada vez mais ao passo em que as crises econômicas do capitalismo se tornam cada vez mais agudas?

Para respondermos essa pergunta, precisamos acentuar e definir o racismo e seus sentidos históricos tanto antigamente, quanto hoje em dia.

O racismo foi a principal justificativa ideológica, criada artificialmente, para que o conjunto da sociedade acreditasse que pessoas pretas tivessem que ser submetidas ao trabalho forçado sob jornadas extenuantes, torturas e punições pagas com própria vida durante o período de colonização. A lógica através da qual se buscava justificar que negros eram seres inferiores, sem alma, sentimentos e intelecto defendida inicialmente por argumentos religiosos e em outro momento da história “sofisticada” por cientistas, sociólogos, economistas e historiadores defensores do capitalismo escondia a consolidação de um negócio extremamente lucrativo, que serviu como base para a acumulação primitiva de capital que dariam origem às famílias de grandes capitalistas que conhecemos hoje. Foi este um negócio extremamente lucrativo ao decorrer da história, que com as revoltas negras criou também as bases e os sujeitos que levariam ao seu próprio fim.

Com o desenvolver do regime escravocrata nasce a indignação, resistência e luta do povo negro que colocaram a insustentabilidade de um modo de produção com contradições econômicas e políticas, dos quais negros tomavam frente a luta e criavam quilombos, sabotavam engenhos e matavam seus senhores, criavam cenários de guerra nos campos e nas cidades fazendo as elites tremerem. A abolição foi resultante de vários fatores, mas dentre eles destaco o aspecto político do que significou a resistência do povo negro.

A abolição foi uma conquista importantíssima para as massas negras em todo o país, fruto da heróica luta de negras, negros e seus aliados abolicionistas que demonstrou que negros organizados podem cumprir um papel indispensável na luta contra toda a ordem dominante e o capitalismo. Porém, e ao mesmo a burguesia, ao se manter como classe dominante conseguiu manter e perpetuar novas formas de exploração do conjunto da classe trabalhadora e dos negros em particular que foram empurrados aos postos de trabalho mais precários em comparação aos postos ocupados por imigrantes europeus, criando as bases para uma desigualdade salarial que irá se aprofundar ao longo da história entre trabalhadores negros e brancos. As condições impostas aos negros no pós-abolição são terríveis impondo que vários negros se vissem obrigados a permanecer nas fazendas de seus senhores.

Com o decorrer da história, a burguesia adotou novas formas de discurso racista, chegando ao cúmulo do cinismo de negá-lo como forma de velar o racismo (a chamada democracia racial) ao mesmo que disseminava os ideais de embranquecimento da população a partir da miscigenação através da qual supostamente o Brasil iria presenciar o avanço nacional.

O mito da democracia racial e os governos do PT

Gilberto Freyre é um dos principais expoentes do que já no século XX veio a ser o que chamado de mito da “democracia racial” que tenta por um lado diminuir a brutal exploração negra pelos senhores de escravos equilibrando as contribuições dos negros para a cultura nacional.

“Não haveria racismo justamente porque o negro se incorporou, sob a guia do patriarca, à ordem colonial, e dessa fusão se originou a sociedade brasileira, fazendo de sua tradição e costumes parte da própria tradição e costumes do que viria a ser o Brasil. Não haveria racismo no Brasil porque o negro e português, além do índio, se fundiram em um só povo, o brasileiro.” (ALFONSO, 2018)

Essa ideologia vai marcar e influenciar setores do próprio movimento negro e da esquerda durante o século XX, como o próprio PCB e o PT, na busca por uma verdadeira “democracia racial. Durante os anos de governo do PT, sobretudo nos anos de Lula do ponto de vista da questão negra observamos uma combinação de algumas concessões mínimas, devido ao crescimento econômico e com a expansão do crédito, como um aceno em relação aos negros com a aprovação da lei de cotas raciais e do Estatuto da Igualdade Racial, com a implementação de ataques profundos ao conjunto da classe trabalhadora e aos negros em particular com a imposição de medidas vergonhosas como a ocupação militar do Haiti. Durante este período adotaram medidas que atendiam demandas de uma parcela minoritária dos negros ao mesmo tempo que mantiveram a esmagadora maioria na exploração mais bruta no sistema capitalista que se expressou no aumento de trabalhadores terceirizados de 4 milhões para quase 13 milhões (composto majoritariamente por mulheres negras) . Com o aguçamento da crise econômica capitalista, o governo de Dilma Roussef atacou o conjunto da classe trabalhadora, aprofundando o nível de exploração do trabalho e o precarizando cada vez mais. Reformas trabalhistas, previdenciárias e o aumento da terceirização do trabalho, que são ataques ao conjunto da classe trabalhadora quando associados a herança escravocrata da desigualdade salarial e social, criam cenários propensos a mais miséria entre negros.

Bolsonaro, o choque a direita nas relações raciais e seus efeitos em conjunto com a pandemia do Covid-19

Com o avanço das consequências da crise econômica mundial e o aumento da exploração da classe trabalhadora que veio pagando por uma crise gerada pelos grandes capitalistas, vimos a ascenção de um governo de ultra-direita, abertamente racista com um programa ultra-neoliberal e extremamente subordinado aos interesses do imperialismo norte-americano.

Bolsonaro se elege tendo como bases os setores latifundiários, as igrejas neopentecostais, e por fim e os setores militares, com afirmações racistas sobre quilombolas e indígenas, defendendo a perseguição aos negros e retirando direitos conquistados para aprofundar a precarização do trabalho, sobretudo nas classes mais baixas de trabalhadores, tais como terceirizados que são em sua maioria negros.

Se ergue afirmando que o racismo não existe ao passo que quer eliminar do imaginário e da ideia de um “novo Brasil” que vai “Pra Frente” como cantarolou Regina Duarte, todos os elementos da cultura e da luta negra que marcam o Brasil, promove assim um verdadeiro choque nas relações raciais, questionando a fórmula de Freyre da democracia racial pela direita com a negação discursiva de que o racismo não existe, ao mesmo tempo que com a aplicação material de que ele é essencial para salvar o capitalismo da crise nem que pra isso os negros tenham todas as suas conquistas retiradas e que sejam os que mais morrem nos postos de trabalho insalubres, e retirando qualquer elemento positivo dos negros no Brasil.

É por isso que Bolsonaro, com a ascensão de uma pandemia mundial com um nível de mortalidade altissimo solta declarações absurdas como “E dai?” quando questionado sobre o que faria sobre as mortes que o COVID-19, que como sabemos são em sua maioria mortes de negros. Concomitantemente empresas como Happy, Uber e Ifood, aumentam seu contingente de trabalhadores sem vínculo empregatício em 30% e que esses são em sua maioria homens negros periféricos que entregam produtos sob chuva, sol, frio sem condições sanitárias de proteção contra o vírus e que moram em regiões sem as mínimas condições sanitárias e de proteção e prevenção tendo que sobreviverem à própria sorte, e assim assim Bolsonaro pode dizer que “O brasileiro pula no esgoto e nada acontece”.

Claro que Bolsonaro não se refere ao brasileiro que sai em passeatas em seus carros de luxo. Esses brasileiros estão bem longe dos esgotos, e provavelmente nunca viram um a céu aberto. O brasileiro que bolsonaro se refere é o negro periférico que trabalha de segunda a segunda sob poucas condições descentes de vida e com uma expectativa de vida baixíssima e por causa das condições sanitárias têm mais probabilidade de morrer enquanto pedala, limpa, atende, monta e faz manutenção para garantir os lucros dos grandes empresários. Se o racismo não existe, esses negros morrem e adoecem mais por que são mais fracos e porque era inevitável que morressem, segundo a lógica genocida e racista de Bolsonaro.

A solução para que possamos frear o avanço da extrema direita e o racismo, se encontra na auto organização dos trabalhadores negros em conjunto com o restante da classe trabalhadora. A história comprovou isso uma vez e irá comprovar novamente se fizermos isso. É necessário quebrarmos com toda a lógica escravista do governo Bolsonaro gritando Fora Bolsonaro, Mourão e os militares mas também batalhando para impor uma Assembléia Constituinte Livre e Soberana para tomarmos todas as decisões importantes do país como decidir para que servirá a economia em tempos de COVID-19, colocando a produção toda direcionada a fabricação de respiradores, máscaras, equipamentos de proteção individual para a população, e lutar pelo não pagamento da dívida pública para que assim possamos direcionar os recursos para fortalecer um sistema de saúde controlado por trabalhadores que dê conta do combate à pandemia. Esses são passos iniciais para livramos nosso povo da morte, tendo consciência de que nossa situação só se resolverá com o fim do capitalismo vindo de uma revolução socialista que destrua as bases fundamentais da acumulação de capital e coloque o que produzimos sob nossos interesses e não sob os interesses dos capitalistas, que se ainda pudessem nos colocariam ao trabalho sob as chicotadas.

 
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