www.esquerdadiario.com.br / Veja online / Newsletter
Esquerda Diário
Esquerda Diário
http://issuu.com/vanessa.vlmre/docs/edimpresso_4a500e2d212a56
Twitter Faceboock
CORONAVÍRUS
CEPAL projeta pior contração econômica da história da América Latina desde 1900
Matheus Correia

São apresentados dados alarmantes no relatório da CEPAL¹ (Comissão Econômica da América Latina e Caribe) da ONU. O coronavírus atinge em cheio uma economia já debilitada antes da pandemia e piora todos os prognósticos que já não eram bons. Nesse artigo apresentamos as principais estatísticas e tendências da economia na região.

Ver online

Antes da Pandemia, uma economia em recessão e com alta dependência externa

O COVID-19 atingiu em cheio a já débil e vulnerável economia da América Latina e Caribe. Nos dez anos posteriores a crise econômica mundial de 2008 (2010-2019) a região já vinha com um queda na taxa de crescimento do PIB regional de 6% para irrisórios 0,2%. O período de 2014-2019 foi o de menor crescimento desde a década de 1950 (0,4%).

O aumento da dívida pública bruta alcançou no ano passado 44,8% do PIB da região. Um incremento de 15% se comparado com 2011. A proporção endividamento/PIB alcança níveis ainda maiores na Argentina (89,4%), Brasil (75,8%) e Costa Rica (61,3%).

O peso das dívidas é notório também nas empresas públicas não financeiras. Que afeta particularmente as empresas de recursos naturais, golpeadas pela diminuição dos preços das matérias primas internacionalmente e a redução de investimento e da rentabilidade.

Na região entre 2010-2016, 42% das empresas não financeiras do setor público apresentaram perdas, em decorrência da queda de transferências fiscais. A transferência de renda requerida para cobrir essas perdas estariam perto de um ponto porcentual do PIB. Apresentam também um risco financeiro importante com os passivos das empresas não financeiras do setor público chegando a quase 9% do PIB, e em alguns casos chegando entre 17% e 20% do PIB.

Também se vê um grande aumento do pagamento de juros e que reduz consideravelmente os recursos disponíveis. O pagamento de juros aumentou de 1,7% do PIB em 2010 para 2,6% do PIB em 2019. Ao mesmo tempo, o gasto em saúde subiu de 1,9% para 2,3% em 2018. E também o gasto de capital se reduziu de 3,9% para 3,2% do PIB. A carga de pagamento do serviço da dívida trava investimentos e os gastos sociais. A política feita pela maior parte dos governos dos anos 2000 de geração de superávits primários inibiu fortemente o financiamento de investimentos públicos e gastos sociais.

A taxa de juros em níveis historicamente baixos e a contração do crédito ao setor privado refletem a dificuldade de que alguma política monetária, como foi feito na crise de 2008, atenue os efeitos do baixo crescimento e aumente os níveis de consumo e investimento.

Acrescenta-se o elevado nível de endividamento do setor privado que trás sérios riscos sobre os efeitos da crise atual em diversas empresas privadas. Entre 31 de dezembro de 2001 e 30 de setembro de 2019 a dívida privada na Argentina, Brasil, Chile, Colômbia e México aumentou de 688 para 2.445 milhões de dólares. Entre 47% e 62% de 2.241 empresas da região em 34 setores de atividade econômica diminuíram sua rentabilidade entre 2010 e 2016.

A América Latina viverá a maior contração da atividade econômica da história da região

Segundo o relatório divulgado pela CEPAL "a pandemia impacta as economias da América Latina e Caribe através de fatores externos e internos cujo efeito conjunto conduzirá a pior contração da atividade econômica que a região já sofreu desde que se iniciaram os registros, em 1900.

Com prognóstico de queda do PIB mundial em torno de 2% com contração maior para as economias "desenvolvidas", a projeção do PIB para os EUA é de queda em 4% (a projeção era de 1,9% em 2019), na China um crescimento ínfimo de 2% (era 5,8% antes da pandemia), na eurozona uma queda de quase 6% e para Japão uma contração de mais de 4%.

Segundo a OMC (Organização Mundial do Comércio) a estimativa é que o comércio mundial caia entre 13% e 32% em 2020. O volume de comércio mundial colapsou segundo palavras da própria CEPAL.

O comércio já vinha numa tendência negativa desde antes da pandemia causada pela guerra comercial entre EUA e China, e mesmo antes da pandemia não chegou a recuperar os níveis pré-crise de 2008, afetando cadeias globais de valor em todo mundo.

À disrupção das cadeias globais de valor se agrega ao fato de que a China, ao passo que vai reativando sua produção, enfrentará graves problemas para exportar aos países que enfrentam a pandemia em tempos diferentes. O principal exportador de mercadorias do mundo verá sua demanda cair enormemente, aumentando o impacto no volume global de comércio.

A queda da atividade econômica mundial, com destaque para Estados Unidos, China e Europa terá um significativo impacto na América Latina e Caribe, em especial no volume e preço das matérias primas exportadas.

Segundo os números da CEPAL, a estimativa é que o valor das exportações da América Latina e Caribe caiam cerca de 15%, com uma diminuição dos preços em 8,8% e uma contração do volume exportado de 6%, puxado para baixo pela queda na demanda mundial. Se prevê que se reduza para baixo preços de produtos fundamentais para a região, como Soja, Milho e Trigo, com queda prevista de 4% no preço. Além disso, a queda dos preços do petróleo já afeta diversos países e empresas da América Latina.

As exportações regionais a China seriam as que mais diminuiriam em 2020 chegando a uma queda de 24,4%, outro dado alarmante. Entre os principais produtos afetados está o minério de ferro, cobre, zinco, alumínio, soja, óleo de soja, entre outros. Os países mais afetados serão Argentina, Brasil, Chile e Peru, os maiores exportadores da América Latina desses produtos para a China.

Além disso, já se vê uma saída massiva de capitais dos mercados "emergentes" que chega a níveis históricos segundo o relatório. Há uma depreciação da maior parte das moedas em comparação a dólar e fortes aumento dos níveis de risco. Segundo o próprio relatório, os mercados financeiros gravemente afetados pelo efeito da pandemia mundial é produto também da vulnerabilidade financeira que se havia acumulado há muito tempo, a exemplo do próprio incremento da dívida pública a níveis exorbitantes. Mundialmente, o montante de dívida pública chega a 322% do PIB mundial, trazendo riscos à economia global e uma fuga de capital dos países "emergentes" para os "desenvolvidos" como forma de proteção. Segundo os dados da CEPAL, o fluxo de remessas para América Latina e Caribe poderia contrair entre 10% e 15% em 2020 e pode-se demorar entre 4 e 8 anos para que retomem um montante alcançado em 2019.

Além disso, já se reflete um forte impacto no mercado de trabalho dos países da região. Condições de trabalho pioradas, precarização, informalidade e desemprego já é uma realidade em todos os países da América Latina a níveis alarmantes.

A CEPAL projeta que a economia da América Latina e Caribe sofrerá uma contração da atividade de 5,3% em 2020 o que irá gerar mais de 30 milhões de pobres. A taxa de desemprego ficará em torno de 11,5%, um aumento de 3,4%. Seriam 37,7 milhões de desempregados na América Latina e Caribe. A pobreza tende a aumenta 4,4% e a extrema pobreza 2,5% em 2020, o que representa quase 50 milhões de pessoas no total vivendo em condições muito abaixo do mínimo necessário.

Uma economia em frangalhos: a crise não superada de 2008 e a sua piora com a COVID-19

Os dados apresentados pela CEPAL são alarmantes e prognosticam um futuro incerto antes visto apenas nos livros de história. No caso da América Latina será um marco novo: a pior recessão desde 1900 quando os dados começaram a ser coletados.

Já não se tem mais as perspectiva de efeito do mesmo receituário aplicado na crise de 2008. Com gigantes injeções monetárias para salvar as empresas e estimular a economia. Duas questões se levantam. Em primeiro lugar porque a própria economia antes do COVID-19 não havia se recuperado da crise de 2008? Em segundo lugar, como chegamos a atual situação que estamos vivendo?

A resposta para a primeira pergunta passa por um grande debate entre os próprios economistas. É sabido pela maioria que estamos diante de um crise de produtividade gigantesca, que apesar das tentativas não se recupera as taxas de lucro vividas anteriormente. Se fala em uma "estagnação secular" termo revivido em 2008 para falar justamente dessa crise de produtividade. Em decorrência disso, as baixas históricas de investimento colocam uma situação que confunde os manuais de economia mainstream, com diversas taxas de juros próximas de zero mas sem causar por si só um estímulo ao aumento necessário de investimento.

Daí conseguimos explicar o porque ela não se recuperou. As políticas de injeção monetária causaram um aumento gigantesco da dívida pública e privada, juntamente com uma maior restrição do espaço de políticas econômicas nos países dependentes e uma fuga de capitais para os países desenvolvidos, em especial os EUA.

Também não é segredo para ninguém que foi pautados nos paradigmas neoliberais que assistimos a um desinvestimento na saúde em diversos países do mundo, incluindo aí também os "desenvolvidos" como se vê no alto custo para se ter qualquer tratamento nos EUA e a precarização que mesmo nesses países tem que enfrentar os trabalhadores da saúde.

Também toda uma reestruturação produtiva adquiridas na globalização, que criou o mundo em que um vírus consegue se disseminar entre continentes em questões de semanas, algo novo em toda a história da humanidade. O neoliberalismo também mudou as formas de trabalho, haja vista os números recordes de trabalhadores informais e precários, que trabalham mais de 12 horas por dia e não têm direitos, e que hoje são também os mais afetados pelo coronavírus.

Estamos diante de uma tragédia capitalista já há muito tempo anunciada. Em que se combinam tanto a crise econômica, mas também a volta da luta de classes como se mostrou no Chile, França e Equador no ano passado. Alan Schwartz, CEO da Guggenheim, havia dito em uma reunião de magnatas "Se observamos à direita e à esquerda do espectro político, o que e estamos vendo é a chegada da luta de classes". O que aponta também pra novos cenários na região da América Latina em um prognóstico de crise profunda, também esperamos processos de luta de classes profunda que podem reconfigurar qualquer prognóstico econômico.

Leia também: Precarização e pandemia nas relações de classe: a burguesia alerta sobre “insurreições e revoluções”

As projeções são para 2020 que tende a ser apenas o começo de um dos períodos mais singulares que se viverá nos próximos anos. Qualquer prognóstico e tentativa de estímulo terá efeitos bastante limitados caso não se direcione a questionar o que realmente importa: nossa subserviência ao países imperialistas do mundo inteiro e a irracionalidade de continuar num sistema de produção, o capitalismo, que já mostrou todos os limites e tragédias possíveis. Para grandes crises se pede grandes soluções.

[1] https://www.cepal.org/en/publications/45477-measuring-impact-covid-19-view-reactivation

 
Izquierda Diario
Redes sociais
/ esquerdadiario
@EsquerdaDiario
[email protected]
www.esquerdadiario.com.br / Avisos e notícias em seu e-mail clique aqui