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EAD
A farsa do EAD como proposta de ensino em meio a pandemia
Comitê Esquerda Diário ABC

Publicamos aqui o texto elaborado pelo Comitê Virtual do Esquerda Diário do ABC Paulista.

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Não é de hoje que a política do Estado de São Paulo voltadas para a educação e tendo como mentores, João Doria e seu secretário da Educação Rossieli Soares, embora mascaradas em um discurso de estimulo a inovação e avanço tecnológico, na realidade mostra-se fortemente arraigado na precarização, depreciação e ausência de qualidade universal. O sucateamento da educação pública é um projeto que vem se desenvolvendo a anos, e tem como objetivo entregar nossas escolas nas mãos de setores privatistas. Para tanto valem-se da tática de queima-la em fogo lento para depois sepultá-la.

No cenário federal, desde o período das eleições, Bolsonaro, deixou explícito seu projeto ideológico ancorado no fundamentalismo religioso no que concerne à educação. Um movimento concreto de assédio contra, principalmente, os professores das escolas públicas. Buscou articular formas legais e ilegais de violência moral, censura e criminalização dos trabalhadores da educação. Esse movimento reacionário materializou-se na tentativa de aprovação do projeto Escola Sem Partido e na escalada a nível nacional da militarização das escolas. Nesse cenário, Doria tenta se diferenciar da linha bolsonarista chegando inclusive a mentir publicamente que nunca esteve alinhado ao mesmo, no entanto seu projeto também quer que a juventude tenha que se adaptar ao desemprego e aos trabalhos precários.

Quem convive e usufrui da estrutura da escola pública fornecida pelo Estado de São Paulo - que não se diferencia dos demais estados brasileiros, sabe que a ausência é sentida cotidianamente e em todos os sentidos. São salas de aula com mais de 40 alunos, falta de dinheiro para comprar matérias básicos como papel higiênico, sabonete, folha e giz. Com estrutura e instalações precárias, pouco ventiladas, colocam a saúde de estudantes e trabalhadores em risco cotidianamente, quem dirá em situações como a que estamos vivenciando. Convivemos com a insuficiência de recursos didáticos e equipamentos tecnológicos, falta de funcionários, e as péssimas condições de trabalho dos professores, que além da sobrecarga de aulas, com muitos professores que acumulam cargo para poder sobreviver e ajudar a sustentar suas famílias, muitos têm que se submeter aos contratos temporários sem instabilidade e se dividir entre várias unidades escolares, gerando também uma alta rotatividade de professores nas escolas.

Nesse sentido, é fundamental destacar que a Reforma da Previdência, aprovada na Alesp em janeiro deste ano, sem nenhuma luta organizada pelas centrais sindicais, afeta duramente o professorado que tem suas condições de trabalho cada vez mais deterioradas. Trata-se de uma categoria majoritariamente feminina e que bate recordes de afastamentos por doenças e transtornos psicológicos resultado das condições precárias de trabalho.

Em 13 de março, o Governador João Doria determinou início de quarentena no Estado de São Paulo, suspendendo deste modo as atividades presenciais nas escolas públicas e privadas. Na ocasião, decretou uma “gradual suspensão” de aulas alegando tempo necessário para que as famílias se organizassem para a quarentena. No entanto com o passar dos dias é possível perceber que este discurso nada tem no sentido de salvaguardar as condições de existência de nossos estudantes e suas famílias, mas compõe uma insana e inquietante tentativa de manter os 200 dias letivos. Isso se evidencia ainda mais ao analisarmos as tentativas de adequação do calendário frente ao cenário da Pandemia.

No dia 19 de março a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo homologou a deliberação aprovada pelo Conselho Estadual que permite que atividades realizadas por meio de EAD (ensino a distância) aos alunos do ensino fundamental e médio, durante o período de suspensão das aulas, possam ser computadas como dias letivos.

A medida é uma forma de garantir as 800 horas de atividades escolares obrigatórias por lei para que se cumpra o ano letivo, sem levar em consideração as condições materiais, sanitárias, emocionais e psicológica de nossa população em um momento marcado pelo medo frente a falta de informações precisas e transparentes, insegurança e ausências de recursos básicos à manutenção da vida, aprofundando ainda mais as desigualdades educacionais entre a rede pública e privada. Rosseli Soares, anunciou durante uma transmissão no Twitter que a Secretaria Estadual da Educação estuda uma forma de implantar uma plataforma em EAD para este período de distanciamento social. A ideia é que a plataforma reúna atividades pedagógicas, agregue tarefas e conteúdos que ajudem os professores a avaliar e compor notas aos estudantes.

Também há expectativa de que por meio deste canal haja videoaulas com os docentes da rede. Neste ponto vale ressaltar que algumas escolas privadas desde a suspensão das aulas vêm submetendo seus profissionais a este modelo. Não são raros os depoimentos de professores que tem trabalhado 14 horas ou mais por dia para dar conta da elaboração das aulas, dos vídeos e de tutelar as dúvidas advindas dos estudantes e familiares cotidianamente não respeitando inclusive o resguardo dos fins de semana. Não são raros também depoimentos de professores alegando serem “chacoteados” em exercício de seu trabalho com comentários pejorativos e desvinculado do conteúdo e da finalidade ali implícita.

O Secretário explicou ainda que a Pasta também busca parceiros para garantir acesso à internet a todos os estudantes. “Estamos trabalhando com essa possibilidade de patrocínio da internet. Só é possível falar em internet se for acessível a todos os estudantes”, afirma o Secretário. De acordo com o secretário a Pasta ainda trabalha com a hipótese de encaminhar material pedagógico impresso, via correio, aos alunos do ensino fundamental. Se o discurso estivesse de fato ligado com um interesse real e objetivo, e o centro da discussão fosse a democratização do conhecimento, primeiro deveriam democratizar as condições materiais e tecnológicas para esse acesso ser o mais produtivo possível, mas priorizar isso frente a uma pandemia que vem colocando o mundo em uma recessão pouco vista na história é insanidade e mostra claramente a prioridade dessa nossa elite.

Enquanto nas escolas particulares as famílias têm estruturas mínimas para realização das aulas EAD, com tempo flexível para dar suporte às crianças, acesso à internet, equipamentos eletrônicos e espaço apropriado para a realização das atividades, as famílias das escolas públicas tem que lidar com necessidades outras que se aprofundam com a crise, como a exposição constante a infecção pelo vírus, pessoas aproximando-se cada vez mais a situação de risco com o aumento do desemprego, más condições de habitação, e ausência de recursos mínimos para acompanhamento das aulas.

Para o presente modelo econômico que tipo de educação é demandada?

De acordo com a “Síntese de Indicadores Sociais uma Análise das Condições de Vida da População Brasileira – 2019”, desenvolvida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, o processo histórico de formação do mercado de trabalho brasileiro é reconhecido pela alta informalidade, baixas remunerações e significativo desequilíbrio na distribuição da renda. Por consequência, pode-se constatar que neste processo histórico, a economia requeria da educação sujeitos que se adequem àquelas condições.

Para esta estrutura econômica não seria primordial o desenvolvimento educacional de ponta como tendência universal, pois grande parte dos sujeitos iriam trabalhar em postos de trabalhos operacionais – próprios da informalidade e de baixas remunerações. Ainda dentro desta ótica tem-se a ideia de que a economia pode ser alavancada pela via do empreendedorismo. Consequentemente, não é eficiente educar todo esse contingente para o mercado de trabalho, parte dele precisa ser educado para empreender dentro desta lógica nefasta.

Neste sentido, mais uma vez, a economia brasileira não impele da educação qualidade universal, mas apenas agrega mais um componente, o qual ganha destaque pela capacidade de integrar o indivíduo no mercado capitalista. Outro vetor para o ensino do empreendedorismo é o destaque dos Serviços na participação do produto e da absorção de mão de obra.

As desigualdades étnicas são algo evidente na economia brasileira. As ocupações de menor rendimento, prestígio e hierarquia são desenvolvidas por negros e pardos [1]. No interior da educação escolar ocorre medidas formais contra estas desigualdades, porém percebe-se um descompasso entre a realidade escolar [2] e a realidade material. Os segmentos sociais precisam funcionar em cooperação. A probabilidade de superação dos preconceitos e desigualdades étnicas são enfraquecidas por uma dupla realidade diferencial: uma no aprendizado formal escolar e outra na realidade econômica.

Porém, a economia brasileira funciona a partir desta desigualdade étnica, do ponto de vista econômico não parece ser um problema as escolas e a sociedade brasileira possuir tais desigualdades e decorrentes preconceitos, pelo contrário, essa desvalorização e diferenciação (em algum nível) favorece o acúmulo de capital. Sendo assim, economicamente não é um problema os negros e pardos – em massacrante escala amparados pela rede pública de educação, possuírem em termos relativos baixa escolaridade e dificuldades de progressão escolar, já que o sistema econômico funciona sobre a base da desigualdade étnica.

No interior do interesse econômico, até poderia ser interessante a força de trabalho ser qualificada ou altamente qualificada, isso poderia trazer ganhos de produtividade, ideias inovadoras, eficácia e eficiência etc., mas também poderia elevar a consciência de classe – dentro da ordem –, reinvindicações salariais e legais, melhores condições de trabalho etc., por exemplo.
Caso a economia demandasse força de trabalho altamente qualificada a educação teria que acompanhar e reduzir esse buraco. Salta aos olhos esta correlação: o buraco educacional apresentado (que é negro e pardo, em sua maioria) demonstra a “plena” conexão com o que é e quer a economia brasileira.

Acima, buscou-se evidenciar, que o modelo de ensino EAD em pauta no Estado de São Paulo, não está sendo implementado como uma medida que vise garantir o acesso às competências e habilidades que o próprio currículo elaborado determina, muito menos à uma educação de qualidade que se mantenha presente nesses tempos de crise. Podemos entender essas iniciativas como um intuito de manter calendários, de instituir parcerias empresarias que não buscam a melhoria do sistema educacional; mas sim, a oportunidade de lucro, elevando ainda mais a precarização do ensino público, aumentando suas relações de desigualdade pela ausência de acesso, pelo modelo de ensino tecnicista, a fim de diminuir conflitos entre os trabalhadores que buscam seus direitos e a iniciativa privada, gerando assim, um sistema que visa a e estagnação da condição da classe trabalhadora que, na perspectiva do atual governo, pode ser mais suscetível a riscos, deter menos direitos e ser, até mesmo, descartáveis.

A proposta do EAD, nas atuais condições, declaram a política de desigualdade do Governo Bolsonaro e de João Dória, que tem a Educação em uma de suas bases primordiais de ataque a classe trabalhadora.

[1] A exemplo: “A presença dos pretos ou pardos é mais acentuada nas atividades agropecuárias (60,8%), na Construção (62,6%) e nos Serviços domésticos (65,1%), atividades que possuíam rendimentos inferiores à média em 2018 (Tabela 4). Já Informação, Financeiras e outras atividades profissionais e Administração Pública, educação, Saúde e Serviços Sociais, cujos rendimentos médios foram superiores à média em 2018, são os agrupamentos de atividades que contavam com a maior participação de pessoas ocupadas de cor branca (...) Síntese de indicadores sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira: 2019 / IBGE, Coordenação de População e Indicadores Sociais. - Rio de Janeiro: IBGE, 2019, p. 28.
[2] Simultaneamente, na realidade escolar existe probabilidade de reprodução dos preconceitos raciais.

 
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