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ANÁLISE
Capital, commodities, classes sociais no Brasil em meio à pandemia
Leandro Lanfredi
Rio de Janeiro | @leandrolanfrdi

Commodities e frações burguesas na pandemia e na crise política brasileira. Uma análise preliminar sobre as bases materiais das frações burguesas e suas políticas.

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A política é economia concentrada, formulava Lênin. E, como forma concentrada, guarda relações ora diretas, ora mais indiretas e com mediações de sujeitos, instituições, frações, programas, com as bases materiais que a compele e constrange, ganhando forma acabada na luta das classes sociais. Entender essa relação, mediada, mas existente, ajuda a nortear as disputas de fração na classe dominante brasileira, uma disputa que toma as vestes de Mandetta X Bolsonaro, mas está muito longe de se esgotar numa batalha de programas de indivíduos. Externamente, temos a forma de uma disputa de como lidar com a pandemia - isolamento social ampliado ou vertical -, mas de fundo movem-se considerações sobre os lucros, sobre qual Brasil sairá da crise e também como tornar administrável uma massa de 215 milhões de almas empobrecidas. De trás de Mandetta, de Bolsonaro, dos militares, de Doria, Witzel e governadores, vemos capitais financeiros, patronais da soja, do minério, do petróleo, da indústria e suas considerações.

Nessas disputas políticas vemos a preparação política das frações burguesas em meio a uma imensa crise de hegemonia: como se preparar para se fortalecer amanhã? Seria a catástrofe econômica maior que a da pandemia, ou o contrário? Com qual discurso, quais instituições, quais forças em movimento e com qual organização melhor se preparar para as disputas políticas e para administrar 215 milhões de brasileiros? Estaria mais fortalecido aquele que apelar a métodos institucionais e alinhamento com a OMS (sem seguir sua diretriz de “teste, teste, teste”, óbvio) ou quem contar com métodos extra-institucionais de mobilização e formas mais milicianas, mais fascitizantes para responder à catástrofe que se avizinha?

Entre um lado e outro da disputa, militares se fortalecem, assumem cada vez maiores poderes e, usando de Mandetta como porta-voz, dão aval a uma política que não é o completo fim do isolamento social ampliado, como quer Bolsonaro e as patronais do comércio e as cúpulas de pastores-capitalistas aliadas, nem sua mera continuidade, como afirmam um Dória, um Maia. Os militares dão aval ao presidente, tirando as pressões por sua destituição, seguram Mandetta no cargo, mas também dão aval a um intermediário na quarentena que autoriza governadores e prefeitos a adotarem o fim dos controles em milhares de municípios no interior do país. Os resultados dessa política são já mensuráveis no Centro-Oeste, onde acelera-se a abertura no Mato Grosso, inicia-se no Distrito Federal e há forte ensaio por parte de Zema em Minas Gerais. E assim a soja, o boi e o ferro dão passos para ampliar seus lucros ali que onde sequer há testes, portanto, não há COVID-19, supostamente, e somente pneumonia.

Esse arranjo político, instável e temporário, em que patronais, que querem muito a abertura das quarentenas e aumentar seus lucros, não tiveram força nem decisão para acompanhar os caricatos velhos da Havan&Madero&Cia, mas conseguiram impor sua política em “seu” território. Esse arranjo obedece à determinações do jogo político, da luta das frações, ações do Judiciário em prol dos governadores, gestões e ameaças de bastidores por generais, mas guarda estrita relação com a base material, concentrada, e sua forma específica em desenvolvimento.

Em meio à quarentena não é tudo que foi paralisado. Para cada burguês, seu lucro é “atividade essencial”, mas nesse terreno alguns são mais essenciais que outros (nossas vidas que não). Assim vemos como as plataformas de petróleo leve do pré-sal estão produzindo em quantidades maiores do que antes da pandemia, vemos um salto na exportação de carnes, soja e ferro. O PIB cai vertiginosamente, mas 8 commodities tiveram um aumento não somente na proporção da pauta de exportações, mas no valor absoluto exportado.

Oito produtos primários (em ordem de importância, seguindo os dados oficiais do SISCOMEX: petróleo cru, soja, ferro, carne bovina, óleos combustíveis, carne de frango, café e farelo de soja) significavam 41,8% das exportações nos 3 primeiros meses de 2019, agora esses mesmos produtos significam 48,9%. A primarização da economia brasileira não diminuiu com a pandemia, partiu da base que vinha se desenvolvendo desde o lulismo e deu um salto.

O valor exportado desses oito produtos foi de janeiro a março de 2019 de US$21,4bi aumentando para US$24,2bi neste ano da pandemia. Esse produtos tiveram um crescimento de 13% em dólar, mesmo com a queda dos preços das commodities. Para obter esse resultado houve um violento aumento no volume exportado. Para obter 18% mais dólares com petróleo cru, o país exportou 26% da matéria prima; o mesmo ocorreu com a soja, que viu um aumento de 9,35% em dólares a partir de um aumento de 13,68% do peso exportado. Pedaços maiores das riquezas nacionais estão indo embora, maiores riscos aos trabalhadores dessas atividades, maiores riscos ambientais, para garantir lucros de acionistas, acúmulo de capital.

A depender da orientação dessas patronais e do governo Bolsonaro, e nesse nome englobamos Mourão, Braga Netto, Mandetta, Guedes, Moro, o Brasil que emergirá da COVID-19 não será somente um que abolirá a CLT, controles ambientais, mas um país que importa máscaras ao mesmo tempo que deixa fábricas e milhões ociosos e sem renda, e suga em velocidade espantosa suas riquezas minerais, hídricas e de biodiversidade.

A força desses setores da economia aumentam e de forma mediada aumenta também a relevância política de generais, ministros do Supremo, de um ministro da saúde sul-matogrossense, governadores que tenham relação com o agronegócio, com o petróleo, com o ferro. Uma força que é menor do que o necessário para produzir uma hegemonia, não dá bases calmas para a burguesia pensar como lidar com um país de 215 milhões, mas garante, no mínimo, que mesmo com pouca farinha, sejam eles a ter seu pirão primeiro.

Oportunidades e temores capitalistas

Importantes burgueses tomaram as páginas de jornais e de sites de investimento no Brasil e no mundo com um certa duplicidade que pode evocar a figura mítica de Jano, com suas duas cabeças, uma olhando para trás e outra para frente. Mas, independentemente dos cálculos individuais, o capital faz seu cálculo social. Um burguês pode ser mais bruto e brutal que outro no número de mortos a naturalizar, pensando no seu lucro imediato, mas o fato é que a Bovespa subiu essa semana quando a “gripezinha” de Bolsonaro já contabilizava mais de 1 mil pessoas mortas.

O fato é que independente de não tomar posições tão estridentemente anti-quarentena como seus comparsas do comércio e da logística, maioria no arqui-reacionário “Brasil200”, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) se fez entrevistar na Folha pedindo que a “flexibilização das leis trabalhistas” da pandemia seja eterna. Querem que abolição da CLT seja o legado do coronavírus, isso no mesmo país onde estudos mostram que o desemprego subirá para algo como 17 ou 25% da população e cortes de salário mesmo daqueles que mantêm empregos e são elegíveis a complemento via seguro-desemprego resultarão numa perda da massa salarial do país de 5 a 15%.

Acompanhando a indústria e sem nenhum pronunciamento relevante contra as quarentenas, salvo reclamações contra municípios, os barões da soja e do boi trabalham silenciosa e diligentemente em prol de seus interesses. A Confederação Nacional da Agricultura (CNA), clama para que a flexibilizações de leis trabalhistas chegue no seu setor, que não interrompeu atividades e portanto não seria elegível, que se estenda a flexibilização a controles ambientais, e exige continuidade de não pagar contas de luz. Sim, no mesmo Brasil que ainda não isentou demitidos de pagar luz, o latifúndio não paga, e ainda quer obter ainda maiores isenções de impostos.

Por sua vez, a patronal do petróleo, o Instituto Brasileiro do Petróleo (IBP), pede o fim da manutenção de equipamentos críticos (e mortais) e até mesmo fim de laudos sísmicos para produzir petróleo sem esses estorvos ambientais que dificultam novas tragédias. Ora, estamos em guerra - na mente desses burgueses - porque não colocar ainda mais cicatrizes na face do planeta?

Esse tipo de posicionamento não é algo atávico do capitalismo brasileiro e sua elite criada na Casa Grande, ciosa de seus prazeres hereditárias chicoteando carne de negros. Wall Street teve sua sétima melhor semana em sua centenária história, isso na mesma semana em que o número de pedidos de desemprego nos EUA já alcançava 16 milhões de pessoas, e continua aumentando. Na mesma Manhattan de Wall Street, situada a uns escassos 60 quarteirões de parques públicos onde a prefeitura de Nova Iorque abria valas comuns para corpos de trabalhadores, de latinos e negros mais acometidos pelo mortífero descaso de não poder pagar pela atenção médica num sistema de saúde inteiramente privatizado, não falta quem comemore a subida de ações de empresas farmacêuticas, de 5G, de Netflix, de Amazon.

Por outro lado, na mesmíssima Manhattan, junto de dicas de onde investir, vemos o jornal financeiro Bloomberg, do bilionário investidor de mesmo nome, trazer um colunista destacado afirmar desde o título da matéria que “Essa pandemia trará revoluções sociais”. No artigo, o autor chama a ter mais gastos sociais para evitar esse flagelo aos capitalistas e a emergência de grupo radicais e populistas. A Bloomberg ecoa assim o medo expresso em editorial do britânico Financial Times que pontuava o risco e fragilidade dos “contratos sociais”.

Na mesma toada “estratégica”, “olhando para frente”, vemos o presidente do Bradesco falando que uma solução da crise será o aumento de impostos de grandes empresas.

Nessa duplicidade de olhares imediatos, para trás em nossa metáfora de Jano, e estratégicos, olhando para frente, temos economistas responsáveis pela implementação do neoliberalismo no Brasil, como Monica de Bolle e Armínio Fraga falando em gastos sociais sem limites (por agora, apenas, porque amanhã nos cobrarão o cheque especial em super reformas da previdência, trabalhista, privatizações etc.). E, por outro lado, vemos no imediato Mansueto, o número 2 de Paulo Guedes, garantindo aos donos da dívida pública e seus agentes, as “agências de risco”, que não se preocupem pois os gastos são somente “provisórios”. Mesmo palavreado de outro queridinho das finanças, Paulo Tafner, que em sua coluna na Infomoney insiste no cuidado com a “responsabilidade fiscal.

Ter gastos excepcionais que piorem quanto da economia nacional é abocanhada pelos donos da dívida pública é algo que deixa Guedes de cabelo em pé. Para ele, se Rodrigo Maia e deputados aprovarem um orçamento emergencial que dê 50 bilhões aos estados, ou seja 1/12 do que já deram aos donos da dívida, seria colocar em risco a República.

O que reter dessa exposição de duplicidade de sinais? Que a burguesia está dividida? Em certo sentido sim, mas em outros não, são dois olhares da mesma classe, sua média é visível na Bovespa, mas também numa unidade mínima de interesses.

Há consenso pelos ataques aos direitos trabalhistas, flexibilização ambiental, e em determinados territórios flexibilizar a quarentena. Quais? O interior do país, as pequenas cidades. O território do boi, da soja, do ferro, das cidades litorâneas onde se embarca para plataformas em alto-mar. Os ganhadores, provisórios que seja, passam sua fatura na política e em vidas que serão expostas a doença nessas regiões.

Mais lucros, porém, mais instabilidade na gestão de milhões de pessoas

Se é verdade que o agronegócio, o ferro e o petróleo estão conseguindo atuar em prol de liberar mais “seus” locais, isso não significa por outro lado uma garantia de um caminho fácil para administrar o descontentamento - que é previsível que cresça, seja pela via da pandemia, seja pela via da economia ou da crise política.

Se no Sul e no Centro-Oeste, onde há mais agronegócio e há uma disparidade na avaliação positiva de Bolsonaro, maior pressão pela abertura da quarentena, é também verdade que nesses locais há uma desproporção ainda maior na clivagem de gênero (também resultante em grande diferença na avaliação do presidente) e no tipo de atividade laboral exercida, com mais mulheres no trabalho formal e mais homens “empregadores”, e uma disparidade com a média nacional entre “empregadores” e “autônomos”. Há proporcionalmente mais pequeno-burguesia no Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Mato Grosso, Goiás do que no Rio de Janeiro ou Pernambuco. O peso social, econômico e político de um caminhoneiro, entre outros pequeno-burgueses, que empregue mais 2 ou 4 caminhoneiros e ajudantes, é muito maior ali.

Para se aprofundar nessas características sociológicas, sugerimos a leitura de “Proletariado: sujeito e predicado feminino no país de Bolsonaro” e “O PT plantou e Bolsonaro colheu: agronegócio e classes sociais no interior do país”

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Já vemos a insatisfação de caminhoneiros como os R$ 600 de auxílio emergencial. A gestão da crise coloca desafios para a burguesia para lidar não somente com os trabalhadores formais, informais, mas também com a pequena-burguesia, sobretudo do interior do país, onde ela é mais relevante e de onde saíram muitos dos quadros na toga e na farda. A confluência de interesses imediatos desses setores com o que queriam as finanças foi decisiva para o desfecho momentâneo das crises no golpe institucional de 2016, em sua continuidade com as eleições manipuladas que colocaram Bolsonaro na presidência, mas quem dirá que pode seguir assim sob novos e imprevisíveis impactos no comércio e economia mundial, nacional e regional?

A estabilidade dessa pequena-burguesia não está “precificada” ainda nas análises dos principais analistas do país. Ela evoluirá mais à extrema-direita ou pode também se dividir e se radicalizar em um sentido anticapitalista?

A pandemia, a crise econômica e a crise política nacional aceleram os tempos históricos e, portanto, a necessidade de preparação do sujeito que pode frear as calamidades que nos oferecem. Podem os trabalhadores junto a juventude oferecer um outro caminho? Essa hipótese estratégica é também necessariamente uma aposta cotidiana para desenvolver a resposta emergencial à pandemia, exigindo de sindicatos não seu aplauso a Mandetta, Doria e etc, como fizeram as centrais sindicais em nota conjunta, mas sim a organização cotidiana por EPIs, por testes massivos, por liberação do trabalho sem redução de salário, o impedimento das demissões que nem sequer cogitam os governadores opositores do PT e PCdoB.

Sob a base da organização imediata frente à emergência, nas condições virtuais e presenciais onde segue o trabalho essencial, que surja uma resposta política de independência de classe que tire das mãos de nossos inimigos a condução da crise, para tirar do poder não somente Bolsonaro, mas também Mourão, Braga Netto e que coloque o povo a decidir através de uma Assembleia Constituinte Livre e Soberana os rumos do país.

No lugar da oposição ao “Fora Bolsonaro” decidido pelo PT, ou do apelo a sua renúncia, como fizeram diversos ex-candidatos presidenciais, ou o apelo ao impeachment para que Mourão e os mesmos bastidores, podres poderes de sempre a decidir, reside no inverso outro caminho. Nas maiorias populares, portanto proletárias, negras e femininas, a possibilidade de oferecer questionamentos e neles se fortalecer um programa revolucionário e anticapitalista. Do contrário, temos mais soja, ferro e petróleo arrancados, e menos empregos, menos direitos trabalhistas e nem sequer máscaras N95 para os trabalhadores da saúde.

 
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