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CRISE MUNDIAL
Notas sobre a situação internacional na pandemia de Coronavírus
Philippe Alcoy

O Covid-19 está mudando profundamente a situação internacional em múltiplas dimensões. Vários perigos ameaçam a classe trabalhadora, mas também várias oportunidades se abrem para um questionamento radical desse sistema que nos leva à barbárie.

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Nessa nota, buscamos localizar vários aspectos da atual crise a nível internacional. Não é uma análise exaustiva da situação mundial, mas uma tentativa de apresentar alguns elementos que podem nos permitir prever a evolução de certas dinâmicas da crise.

A crise sanitária continua a se expandir

A crise sanitária continua se expandindo pelo mundo. Apesar dos sinais de algum controle precário da situação na Itália, a epidemia parece estar longe do seu fim. E a má notícia nos últimos dias é que alguns países da Ásia, que pareciam ter dominado a disseminação do vírus, aparecendo como um "modelo" para outros países, estão começando a ter novos casos. Esses novos casos parecem ser consequência do retorno de certos cidadãos e da chegada de visitantes do exterior. Cingapura é um dos exemplos mais importantes neste momento. Nesse país, as autoridades conseguiram evitar a aplicação de medidas de confinamento em massa e, assim, evitaram a paralisação da economia; no entanto, eles acabaram de decretar o fechamento das escolas após um novo pico de contaminações.

Deste ponto de vista, é muito provável que as medidas de confinamento se estendam onde já estão sendo aplicadas. Ao mesmo tempo, em outros países onde essas medidas ainda não foram impostas, estão começando a implementá-las, pelo menos parcialmente. Isso significa que está sendo questionado o "desconfinamento" nos países mais afetados, ou pelo menos as perspectivas mais otimistas para o desconfinamento. Mesmo no caso de fazê-lo aplicando “políticas radicais”, como testes em massa, porque, a menos que as fronteiras sejam fechadas completamente ou que medidas de contenção muito rigorosas sejam aplicadas a todas as pessoas que vierem de regiões atingidas gravemente pelo vírus, a retomada de novos casos parece quase inevitável (como o caso da Ásia parece indicar).

Mesmo no caso de uma pausa hipotética na epidemia no hemisfério norte devido à chegada do verão, não há garantia de que ele não retornará no inverno seguinte. Paralelamente, o Covid-19 poderia se propagar fortemente nos países mais pobres do hemisfério sul, o que por si só poderia ser uma catástrofe (mais do que a pandemia já está fazendo em alguns países como o Equador) mas também uma fonte de perpetuação da pandemia.

Convulsões econômicas

Esta situação irá aprofundar as convulsões econômicas. É completamente ilusório pensar que, com metade da população mundial confinada, negócios fechados ou ociosos, colheitas ameaçadas pela falta de mão-de-obra, entre outros, a economia sairá incólume desta crise sanitária. Na realidade, estamos diante de uma crise que será muito dura. O desemprego está explodindo em todo o mundo. Isso se deve em grande parte às medidas tomadas pelos governos, mas após o retorno às atividades, é muito provável que grande parte dessas pessoas desempregadas não consiga encontrar trabalho. Empresas e bancos sem dúvida irão à falência (provavelmente também entre os maiores). A economia global já estava, na verdade, lutando contra vários problemas.

Em relação à produção, será difícil reanimá-la rapidamente, pois algumas cadeias de suprimentos estão interrompidas. Por exemplo, mesmo para fazer máscaras ou testes, começa a ter uma escassez de matérias-primas, a tal ponto que as grandes potências estão envolvidas em "métodos piratas" para obter máscaras, respiradores e outros produtos sanitários necessários para o combate à propagação do Covid-19. Nesse sentido, a Alemanha e outros países acusaram os Estados Unidos de desviar a carga destinada a outros países, através de formulários de requisição ou oferecendo somas maiores pela carga.

A isto deve-se acrescentar a crise em torno à "guerra dos preços do petróleo", iniciada independentemente da pandemia, mas que hoje, devido às medidas de confinamento e uma queda de 40% na demanda por petróleo, põe em perigo todos os produtores. Assim, diante do risco de "perder tudo", a Arábia Saudita, a Rússia e os Estados Unidos parecem estar agindo mais moderadamente. No entanto, nada pode garantir o sucesso das negociações em andamento.

Risco do fornecimento de alimentos

Outra questão que precisa ser levada a sério é o fornecimento de alimentos e o risco especialmente para os países dependentes de importação e os países mais pobres. As análises quanto esta questão na imprensa começaram a se multiplicar, especialmente depois que a OMS, a FAO e a OMC emitiram um comunicado conjuntoalertando sobre os perigos para o suprimento de alimentos a nível internacional.

Mesmo que a maioria dos analistas acredite que, no momento, não parece haver um risco muito grande de escassez, todos se perguntam: a) se as medidas de confinamento irão se prolongar; b) se os Estados aplicarão medidas fortemente protecionistas. Nesse caso, é mais do que certo que estamos caminhando para uma escassez de alimentos, começando pelos países da periferia capitalista e dependentes da importação de alimentos, com o problema podendo também ser impor sobre os países imperialistas. Esses temores foram reforçados, em particular, pelo fato de que, por exemplo, os países produtores de arroz já impuseram restrições à exportação: Vietnã, Índia, Birmânia (estados entre os seis principais exportadores mundiais de arroz).

Como o mundo é muito mais urbano hoje do que há 50 anos ou do que durante a Segunda Guerra Mundial, a questão da escassez de alimentos pode ser fatal para os países tanto do centro e quanto da periferia do capitalismo.

Nesse sentido, para a classe trabalhadora e para as classes populares em uma escala mundial, surge a questão da expropriação sob controle operário das empresas do setor agroindustrial para garantir a produção de alimentos para toda a população. Mas, para evitar lógicas nacionalistas e protecionistas que levam à fome de milhões de pessoas em todo o mundo, a produção deve ser planejada, os trabalhadores devem ter controle sobre o comércio exterior e os comitês de trabalhadores e consumidores devem controlar os preços para evitar a especulação.

Potências imperialistas mais agressivas

Vemos que toda essa situação já está acentuando a agressividade do imperialismo. No momento em que a pandemia de Covid-19 exige formas de coordenação global para conter a propagação do vírus, mas também para evitar uma imensa perturbação do funcionamento da economia global, cadeias de suprimentos e até assistência aos países mais devastados e mergulhados na miséria, as potências imperialistas (elas próprias presas na crise) aumentarão a pressão sobre os países semi-coloniais. Essa acentuação do domínio imperialista sobre a periferia capitalista atende parcialmente à necessidade de resolver as crises sociais, econômicas e até políticas dentro de suas próprias fronteiras. evidentemente, isso será combinado com ataques aos direitos das classes populares nos países imperialistas, como já estamos vendo.

Nesse contexto, é muito provável que a opressão imperialista, a interferência e até mesmo a intervenção direta nos países semi-coloniais aumentem. O caso da Venezuela é o mais claro: os Estados Unidos estão ameaçando o regime venezuelano diretamente com seu exército, enviando navios de guerra e tropas adicionais para a região do Caribe. A isto deve-se acrescentar que, alguns dias atrás, os Estados Unidos acusavam o presidente venezuelano Maduro e altos funcionários do governo de tráfico de drogas, oferecendo uma recompensa por qualquer ajuda em capturá-lo. Tudo em um contexto de bloqueio e pressão econômica que forçou a empresa russa Rosneft a interromper suas atividades no país.

Quanto ao imperialismo francês, o governo anunciou a redistribuição de navios de guerra em suas possessões militar-coloniais no Oceano Índico e na região do Caribe-América Latina. Essa realocação militar, particularmente no Caribe, responde sem dúvida a esses movimentos do exército norte-americano; é possível que a França tenha informações sobre os planos de Washington. O certo é que, em um contexto internacional cada vez mais tenso, as potências imperialistas não apenas aumentarão sua pressão sobre os países dominados, mas também protegerão suas posições contra as ambições das potências concorrentes.

E a competição entre potências mundiais?

Se discutimos sobre um aumento da agressividade imperialista, é preciso tratar da questão da concorrência entre as potências imperialistas e outras potências mundiais, como a China. Mesmo que todos vejam claramente a rivalidade e o atrito entre os Estados Unidos e a China, o que está começando a ficar cada vez mais claro é a feroz concorrência entre os Estados Unidos e a Alemanha. Se a crise econômica, sanitária e social piorar em nível mundial, corremos o risco de entrar em um período de conflitos inter-imperialistas cada vez mais fortes, algo que não vemos há muito tempo.

A União Européia merece uma atenção à parte. Ela está mostrando suas falhas, reaparecendo de maneira aguda as contradições nacionais em seu seio. A crise sanitária está aprofundando as debilidades econômicas dos países do sul do continente, o que aumenta as tensões entre diferentes governos. É bastante provável que, depois da crise do Covid-19, a UE se veja sob uma enorme pressão, o que poderia colocar em questão sua forma atual ou até mesmo sua própria existência.

Por fim, outra característica da atual situação internacional referente às grandes potências é que a crise do Covid-19 está expondo aos olhos de todo o mundo uma das características fundamentais do imperialismo: a luta pelos recursos naturais e pelas matérias-primas. Não que essa concorrência tenha desaparecido, mas assumia formas mais "atenuadas" (pelo menos sob a aparência) e, portanto, isso não era exposto tão explicitamente ao "grande público". Hoje, as potências mundiais estão competindo entre si por máscaras, respiradores, suprimentos médicos. Imagine o que acontecerá se realmente ficarmos sem comida!

Estão por vir grandes processos de luta de classes?

Nesse contexto, também é necessário se preparar para grandes processos de luta de classes. Os desastres sanitários em países imperialistas, combinados aos desastres econômicos, estão expondo as desigualdades, as divisões de classe, mas tambéma importância dos trabalhadores precários para o funcionamento da sociedade. Os efeitos econômicos da crise e, em particular, as consequências das medidas de combate ao vírus serão sentidos fortemente entre os trabalhadores, precisamente os mais precários. A isto deve-se acrescentar o descontentamento acumulado nos serviços hospitalares e em todo o setor da saúde, em praticamente todos os países. Tudo isso sugere um nível muito importante de luta de classes após as medidas de confinamento.

A França, que viu fortes protestos sociais com os coletes amarelos e a luta contra a reforma da previdência, pode estar entre os países imperialistas com um forte nível de luta de classes e protesto social. O governo de Macron se encontra em uma situação muito delicada, em que cada vez menos pessoas confiam nele para administrar a crise, sem mencionar as contra-reformas no setor da saúde que seu governo implementou.

A Itália é o outro país europeu em que podemos esperar uma forte contestação social, não apenas pela amplitude da crise, mas também pela falta de solidariedade demonstrada por seus "parceiros" europeus.

Mas não podemos esquecer que a crise sanitária e econômica está colocando à prova a principal potência mundial, os Estados Unidos. Neste país, o Covid-19 está expondo violentamente as desigualdades e a pobreza em que milhões de cidadãos vivem. Os capitalistas e o governo norte-americano estão cientes da possibilidade de grandes confrontos de classes na nação mais rica do mundo.

O outro país que não podemos esquecer é a China que, apesar da forte propaganda quanto a sua luta contra a epidemia, ainda precisa mostrar como vai lidar com a desaceleração de sua economia.

Mas se mencionamos uma maior agressividade por parte das potências imperialistas, devemos ressaltar que os países semi-coloniais e dependentes estarão sujeitos a forte pressão da luta de classes. Esses países têm muito menos recursos para conter a miséria e as conseqüências econômicas e sociais das medidas de confinamento. A isto deve-se acrescentar que os imperialistas pressionarão os governos a aumentar a exploração, mas provavelmente também irão realocar certas produções e repatriar capitais, o que será devastador para as economias subdesenvolvidas.

Um antes e um depois do Covid-19

Estamos no começo de uma mudança (ou de várias mudanças) importante no mundo. Por ora, podemos fazer prognósticos quanto à situação e sua evolução analisando a dinâmica subjacente. Talvez a pandemia possa ser controlada em poucos meses e a burguesia consiga evitar que a situação escape completamente de suas mãos, reduzindo ao mesmo tempo os riscos mais importantes de grandes confrontos. No entanto, o certo é que o mundo pré-Covid não existe mais. Ainda não podemos nos aventurar e dizer até que ponto o mundo mudará, mas ele mudará; as relações internacionais de poder mudarão; as relações entre as classes também. A questão também será quão violentas serão todas essas mudanças, porque nada será feito pacificamente.

É por isso que a classe trabalhadora, ao lado de todas as classes exploradas e oprimidas, deve se organizar defendendo uma política de classe, não apenas a nível nacional, mas especialmente a nível internacional; uma organização, uma política e um programa profundamente anti-imperialista para derrubar todo esse sistema que hoje nos leva à barbárie mais do que nunca. Isso é ainda mais importante para o movimento dos trabalhadores nos países imperialistas cujos capitalistas serão particularmente violentos e prejudiciais. A atual situação de crise global mostra como nunca a necessidade de construir uma organização internacional, comunista e revolucionária, entre trabalhadores e oprimidos.

Esse artigo foi traduzido do francês por Lina Hamdan, originalmente publicado em 6 de abril no jornal Révolution Permanente da mesma rede de jornalismo político e militante à qual pertence o Esquerda Diário.

 
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