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CORONAVIRUS
Covid-19 e Violência Doméstica
Heather Bradford

Com ordens de permanência em casa em muitos estados, uma questão crítica de saúde pública será agravada: violência doméstica, conforme vítimas são confinadas em casa com seus abusadores e com menos recursos para garantir sua segurança.

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Esse artigo foi originalmente publicado em Socialist Resurgence

A violência doméstica é em si uma epidemia; de acordo com a Aliança Nacional Contra Violência Doméstica (National Coalition Against Domestic Violence), 10 milhões de pessoas são abusadas por um parceiro íntimo nos Estados Unidos a cada ano. Uma em cada quatro mulheres e um em cada nove homens sofreram violência severa, violência sexual ou perseguição por um parceiro íntimo. Frente a essa crise, as necessidades dos sobreviventes serão ignoradas enquanto o COVID-19 continua a expor a falha mortal do capitalismo em garantir necessidades humanas.

Em resposta à pandemia, a Linha Direta de Violência Doméstica Nacional (National Domestic Violence Hotline) criou uma ficha técnica sobre como o COVID-19 impacta sobreviventes de violência doméstica. A ficha técnica alerta que abusadores podem usar a crise para exercer poder e controle em suas relações. Isso pode ser feito de diversas maneiras, como privando a vítima de itens como álcool gel ou desinfetantes. Abusadores podem cancelar seguros de saúde, esconder cartões de seguro, ou impedir que uma sobrevivente receba atenção médica. Eles podem compartilhar informações falsas para controlar a vítima através de medo e mentiras.
Além do comportamento de abusadores, serviços para sobreviventes podem ser cada vez mais limitados, e sobreviventes podem temer buscar abrigo pelo fato desses serviços serem espaços compartilhados. Restrições de viagem dificultam que sobreviventes escapem. Para além da informação destacada pela Linha Direta de Violência Doméstica Nacional, abusadores podem fingir doenças para ganhar simpatia e atrair as vítimas de volta para eles. As perspectivas econômicas de um desemprego maior e opções limitadas de habitação tornam mais difícil que a vítima abandone o abusador. O cancelamento de aulas e fechamento de creches cria uma barreira para vítimas que estão tentando fugir com seus filhos, que estão em casa tanto com a vítima quanto com seu abusador.

O impacto do COVID-19 na violência doméstica já foi sentido na China. De acordo com o The New York Times, a China relatou um aumento em violência doméstica durante o surto de COVID-19. Wan Fei, um ativista anti-violência chinês destacou que o número de denúncias de violência doméstica dobrou durante a quarentena. Under Blue Sky, uma ONG anti-violência doméstica na província de Lijiang, relatou que denúncias de violência doméstica triplicaram durante o mês de fevereiro.
Em janeiro, uma mulher da província de Guangdong, na China, ouviu de autoridades que não poderia deixar sua vila após sofrer ferimentos gravíssimos em um incidente de violência doméstica. Ela desobedeceu às ordens, caminhando por horas a pé com seus filhos, até estar em segurança com membros de sua família. Em outro incidente, uma mulher Chinesa de 42 anos cometeu suicídio ao pular do 11.º andar do apartamento onde morava, enquanto em quarentena com seu marido abusivo, na província de Shanxi. Para barrar a violência doméstica, algumas mulheres colocaram avisos em suas comunidades, insistindo que outros não sejam apenas observadores da violência. A hashtag #ContraViolênciaDomésticaDuranteAEpidemia na plataforma social Chinesa Sina Weibo foi outra iniciativa online para aumentar a conscientização sobre o problema.

Pelos Estados Unidos, já existem relatos variados de aumento de instâncias de violência doméstica. O Domestic Violence and Child Advocacy Center (DVCAC) em Cleveland, relatou para o News 5 Cleveland que chamadas para sua linha direta haviam recentemente aumentado em 30%. Melissa Graves, a CEO da DVCAC, relatou que essas chamadas aconteciam frequentemente durante o dia enquanto abusadores estavam trabalhando, mas que com demissões em massa e ordens de permanência em casa, as vítimas não tinham a privacidade necessária para pedir socorro.

Emmy Ritter, a diretora da Raphael House, em Portland, Oregon, relatou para a KGW8 News que houve um aumento no número de chamadas total e no número de chamadas de sobreviventes buscando produtos de higiene e comida. Esses itens básicos são necessários para sobreviventes que estão batalhando para reconstruir suas vidas após fugirem da violência. A polícia de Salt Lake City relatou um número maior de chamadas de violência doméstica nas últimas duas semanas. De forma similar, a organização Transitions Family Violence Services, em Hampton, Virginia, também relatou um aumento no número de chamadas nas últimas duas semanas. Tasha Menacker, da Arizona Coalition to End Sexual Violence expressou para o Phoenix New Times que sua agência havia visto um número maior de chamadas, mas que outras agências no estado do Arizona tiveram uma diminuição no número de chamadas. Ela atribuiu essa disparidade à dificuldade maior que algumas sobreviventes podem ter de encontrar privacidade para fazer ligações.

Para contatar serviços contra violência doméstica, sobreviventes precisam enviar mensagens de texto ou fazer ligações pedindo ajuda. Ordens de permanecer em casa, práticas de distanciamento social, quarentenas, e um desemprego maior reduzem a privacidade necessária para escapar de situações abusivas e isolam as vítimas de redes sociais que podem ser capazes de ajudá-las ou intervir em seu nome. Dessa maneira, as vítimas são propensas a estar em casa com seus abusadores por períodos longos de tempo e estão, ao mesmo tempo, mais isoladas da ajuda da qual precisam.

O problema com a violência doméstica é piorado pela atomização de comunidades em lares individuais durante ordens de permanência em casa. Feministas anti-cárcere tem buscado desenvolver respostas comunitárias para violência doméstica que não envolvam a polícia ou prisões, como criar redes de apoio, permanecer com as vítimas em suas casas, oferecer acomodação e cuidado mútuo, e estratégias de auto-defesa. Ordens de permanecer em casa tornam mais difícil se conectar com as vítimas como vizinhos, amigos, membros da família, e ativistas. Essa isolação deixa sobreviventes com menos opções para além de respostas policiais, que podem ser violentas e abusivas com minorias raciais, moradores de rua permanentes, pessoas com deficiências, e os mais pobres.

Devido ao risco do COVID-19 em prisões, a resposta policial para a violência doméstica pune os agressores com a perspectiva de morte e doença. Feministas anti-cárcere tem o desafio de desenvolver formas de se conectar e oferecer alternativas para policiamento durante o distanciamento social. Posters e redes sociais, como os esforços feitos na China, são uma solução, mas mais do que isso é necessário.

Enquanto a esfera privada se torna mais e mais atomizada, abrigos para vítimas de violência doméstica são geralmente considerados como serviços essenciais. Isso significa que, na ocasião de uma ordem de permanecer em casa ou de uma quarentena, os abrigos permanecem abertos. É vital que eles permaneçam abertos, já que são um dos poucos recursos aos quais sobreviventes e vítimas tem acesso durante a crise.

Por outro lado, como outros serviços essenciais, isso coloca as equipes dos abrigos sob o risco de contrair e espalhar o COVID-19. Abrigos são geralmente espaços compartilhados onde doenças se espalham com facilidade devido a condições apertadas, aos desafios de manter condições sanitárias suficientes e imunidade baixa devido ao stress. Abrigos precisam permanecer abertos, mas os funcionários dos abrigos deveriam receber adicionais de insalubridade por seu trabalho. Os funcionários também deveriam ter acesso ao equipamento de proteção necessário para higienizar o abrigo e cuidar de residentes doentes.

Luvas, termômetros, máscaras, e produtos de limpeza estão em falta devido às necessidades de instituições médicas. Outros produtos importantes incluem Tylenol, fraldas, papel higiênico, produtos de higiene feminina, comida e outros itens – incluindo alguns que se tornaram escassos por serem estocados por compradores assustados. A resposta social para lutar contra o COVID-19 deveria incluir a certeza de que esses produtos necessários são distribuídos para abrigos. Os próprios abrigos deveriam ser expandidos através do uso de hotéis vazios, dormitórios, ou casas vazias, para que as condições não sejam tão apertadas, residentes doentes possam estar em quarentena apropriada, e a demanda crescente por espaço nos abrigos possa ser preenchida.

Enquanto abrigos são serviços essenciais, vários outros serviços oferecidos por agências contra violência doméstica não são considerados essenciais. Centros de visita, suporte legal, grupos de apoio e programas educacionais podem não ser determinados como essenciais ou seguros. Trabalhadores nessas áreas encaram perda de seus empregos e clientes que precisam desses serviços são excluídos. Através da expansão da capacidade de acomodação dos abrigos, através da abertura de prédios adicionais, alguns desses trabalhadores podem continuar fazendo seu trabalho. A necessidade de números suficientes de funcionários nos abrigos existentes, conforme os trabalhadores ficam doentes, cria uma demanda por mais trabalhadores. Isso potencialmente aumenta o número de trabalhadores expostos ao COVID-19 que são, ao mesmo tempo, necessários para garantir os serviços essenciais.

Ao mesmo tempo, fundos são necessários para que abrigos, linhas diretas, e outros serviços possam continuar a operar. Recursos contra violência doméstica dependem de uma variedade de fontes de financiamento, incluindo subsídios e doações privadas. Serviços que dependem de campanhas de arrecadação e de doações podem perder seu financiamento por causa de eventos cancelados. No condado de Dane, Wisconsin, o governo do condado deu $58.000 dólares aos Serviços de Intervenção em Abuso Doméstico (Domestic Abuse Intervention Services) para que eles pudessem continuar a operar durante a crise do COVID-19 após um evento de arrecadação ter sido cancelado. Essa quantia foi suficiente para o Abrigo do Condado de Dane funcionar por apenas mais dois meses. As próprias campanhas de arrecadação podem se tornar menos e menos capazes de manter os serviços contra violência doméstica conforme doadores encaram a pressão financeira em uma economia em espiral. Ao invés de socorrer corporações, serviços públicos cuja responsabilidade foi redirecionada do governo para ONGS e para o setor privado deveriam ser financiados integralmente.

Sobreviventes precisam de espaços seguros, como abrigos, para atenderem suas necessidades imediatas, mas também precisam de meios para reconstruírem suas vidas. O desemprego em massa em decorrência do surto tornará empregos escassos. Proprietários podem hesitar em aceitar novos inquilinos se eles souberem que alugueis e despejos estão suspensos. Sobreviventes precisam de formas de reconstruir suas vidas, o que significa expandir programas sociais e alojamentos públicos.

Abuso financeiro é apenas uma das várias formas que abusadores usam para exercer poder e controle em suas relações. Sobreviventes podem não ter acesso a dinheiro, suas próprias contas bancárias, ou controle sobre decisões financeiras. A desigualdade econômica geral das mulheres torna mais difícil que elas deixem o abusador em primeiro lugar, já que a relação abusiva pode oferecer segurança financeira. Licença maternidade remunerada, aborto imediato grátis e seguro, alojamentos garantidos, um sistema de saúde universal, creches gratuitas e em turno integral, educação gratuita da pré-escola ao doutorado são conquistas necessárias para empoderar mulheres. Estender esses direitos a mulheres terá um grande efeito em mitigar não apenas o poder e controle que abusadores tem sobre elas, mas também o poder e o controle que a sociedade capitalista tem sobre elas.
O COVID-19 apresenta um desafio sem paralelos para ativistas contra violência doméstica. No interesse da saúde pública, bilhões de pessoas no mundo inteiro são mantidas em seus lares individuais. Para aqueles que moram na rua ou estão presos, isso cria barreiras enormes, já que eles carecem de um espaço seguro para se distanciarem fisicamente. Para vítimas de violência doméstica, que se veem presas com um abusador, isso pode significar uma sentença de morte.

Respostas para a pandemia tem dependido do arranjo social de acomodações privadas, mas esse não é um espaço seguro para muitas, nem um espaço que é acessível para todas. É uma esfera onde mulheres foram responsabilizadas com o trabalho reprodutivo não-remunerado do capitalismo. A violência doméstica tem sido vista historicamente como uma questão privada a ser resolvida dentro de famílias ou entre casais, ao invés de um problema social. Dessa forma, lares individuais tem sido e continuam sendo a arena escondida para todos os tipos de horror contra mulheres.

A desigualdade entre mulheres e a violência contra elas reforça seu papel econômico no lar para sustentar o capitalismo. Considerando que a pandemia do COVID-19 pode durar meses, vir em ondas, e que é pouco provável que essa seja a última pandemica causada e piorada pelo capitalismo, a questão de como manter pessoas seguras durante uma pandemia sem piorar a opressão de mulheres requer uma consideração profunda. Por hora, manter abrigos abertos e seguros, garantindo as necessidades de funcionários e sobreviventes, desenvolver alternativas para o policiamento, construir comunidades frente ao distanciamento social, e impor demandas ao estado por provisões sociais maiores, são algumas das coisas que podem ser feitas para lidar com a epidemia de violência doméstica no contexto de uma pandemia.

 
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