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CRISE DE SAÚDE, CRISE ECONÔMICA
União Europeia: retirada nacional frente à crise sanitária e econômica
Revolution Permanente
França
Pepe Balanyà

O rápido desenvolvimento da pandemia e a perspectiva de uma recessão econômica afetam a União Européia no momento em que as tendências centrífugas incorporadas por Orban, Salvini ou Johnson na Grã-Bretanha já eram muito pronunciadas. A crise da Europa, marcada pela desaceleração nacional que se seguiu à crise financeira de 2008, é ainda mais acentuada diante da emergência econômica e sanitária que atinge o mundo desde o final de janeiro.

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O Presidente do BCE: Mario Draghi

A crise econômica de 2008 e suas consequências sociais alimentaram o surgimento de tendências nacionalistas na União Europeia e em todo o mundo - testemunha-se com a chegada de Donald Trump à Casa Branca. A última década foi marcada pelo surgimento de partidos xenofóbicos, eurocéticos ou soberanistas - encarnados por Salvini na Itália ou Orban na Hungria - atingindo um ponto importante com o Brexit e a chegada de Boris Johnson em chefe do governo britânico, no início do ano.

O tandem liberal franco-alemão, já enfraquecido por dentro pela retração política de sua base social, principalmente na França, mas também em menor grau na Alemanha, e confrontado com o unilateralismo americano e o aumento significativo do atrito comercial entre a Alemanha e os Estados Unidos, é paralisado pela atual crise. Os fundamentos do multilateralismo, uma condição da existência geopolítica e diplomática da Europa, tendem a ser limitados pelos golpes incessantes da luta por mercados internacionais.

Nesse contexto, a crise da saúde não apenas atua como um revelador das tensões internas da União Européia, mas também corre o risco de exacerbá-las devido à escala histórica da crise econômica que está se abrindo, ao superendividamento das empresas e fraquezas estruturais dos países chamados "do Sul".

Fracas bases econômicas

As medidas históricas tomadas pelos governos europeus e pelo Banco Central Europeu (BCE) para lidar com a crise de 2008 só conseguiram dar um segundo impulso artificial a uma economia que mal subia a ladeira. Longe de superar suas fraquezas, a injeção maciça de dinheiro barato pelos bancos centrais fez com que as dívidas corporativas e estatais disparassem e, por outro lado, reviveu atividades especulativas, impulsionado pelo apetite por altos rendimentos. A paralisação parcial e a desaceleração da economia chinesa após as medidas de quarentena decididas por Pequim causaram o colapso do preço do petróleo, depois das principais bolsas de valores do mundo, minadas pelas perspectivas de recessão no primeiro e depois segundo trimestre. A desaceleração ou ruptura das cadeias produtivas, bem como a aplicação de medidas de quarentena em outros países como Itália, Espanha ou França, agora fazem com que as elites europeias temam que o crescimento da zona do euro possa cair "consideravelmente abaixo de zero". A perspectiva de uma recessão que poderia levar à falência em série de empresas e depois do sistema bancário, assim, acopla-se à crise de saúde do coronavírus. A recusa dos governos francês e alemão em enviar equipamentos médicos para a Itália era indicativa da falta de coordenação européia, sendo as reações ainda mais no campo da competição entre os estados. Cada um dos Estados procuram preservar seus próprios interesses na gestão da crise econômica e de saúde, e é à Cuba, China e Rússia que a Itália se volta agora. Essas tensões, que obviamente vão além da Europa e também se incorporam na disputa entre o governo de Angela Merkel e o de Donald Trump para obter a patente de uma vacina contra o coronavírus, revelam em primeiro lugar as fraquezas de uma UE minada por suas contradições internas.

Medidas econômicas e de saúde excepcionais

Embora os vários bancos centrais e Estados tenham conseguido momentaneamente convencer os mercados da solidez de seus planos de salvaguardar a economia, é no front da epidemia que a luta promete ser desordenada. Os Estados Unidos, o próximo epicentro potencial da epidemia, recusam no momento qualquer medida que possa impedir a propagação do vírus. O mesmo cenário, ainda mais catastrófico, sem dúvida parece estar se aproximando no Brasil. Além disso, imensa incerteza ainda paira sobre o impacto da pandemia no continente africano, um perigo frente ao qual o plano de solidariedade internacional mencionado pela ONU e que, no momento, chega a 2 bilhões de dólares, parece o limite da ofensa e do ridículo. Na Espanha, o segundo país mais afetado da Europa e que segue o caminho fatal da Itália, Pedro Sanchez anunciou que 200 bilhões de euros, ou quase 20% do PIB, seriam destinados à luta contra os efeitos econômicos do coronavírus; e 100 bilhões disponibilizados para empresas. O Conselho também aprovou garantias adicionais de 2 bilhões de euros para as empresas exportadoras. Como lembrete, durante a crise de 2008, o Estado espanhol pretendia destinar apenas 5% do seu PIB para desacelerar a crise econômica.

Na França, o “estado de emergência sanitária” e os ataques às leis trabalhistas acompanharam um plano de resgate de 45 bilhões de euros para prevenir a falência de empresas, a maioria das quais será usada para anular as contribuições previdenciárias. Bruno Le Maire mesmo chegou a declarar: "Não hesitarei em usar todos os meios à minha disposição para proteger grandes empresas francesas" e não exclui nacionalizar "se necessário" . Em relação à Air France-KLM, Édouard Philippe também anunciou que o Estado estava pronto para "assumir a responsabilidade como acionista". Mas não caia nessa história. Essas nacionalizações, se ocorrerem, somente serão técnicas, pois o Estado somente assumirá as empresas em falência, nacionalizando apenas as perdas e assumindo apenas uma participação financeira e não decisória. Seu objetivo é preservar o tecido produtivo nacional e absorver o choque em vez do capital. Uma vez endireitados, os conglomerados industriais serão entregues novamente, em uma bandeja de prata, ao grande capital salvo a tempo.

Como observou Le Monde, "o inquilino de Bercy queria alertar os predadores oportunistas de que a França não deixaria suas flores serem colhidas a preços baixos" e continuou " , no período terrível que o mundo está passando, os rivais deveriam ter outras preocupações além de lançar ofertas hostis de aquisição às empresas francesas, mas a ameaça não pode ser completamente descartada, porque nem todos os atores emergirão da crise ao mesmo tempo e da mesma forma”. Portanto, é uma política agressiva de defesa dos interesses nacionais contra outros países, a fim de limitar os riscos de predação econômica. O que importa é sair da crise sanitária o mais rápido possível, a fim de estar nas melhores condições de competição em um cenário de recessão global, às custas da saúde e da vida dos trabalhadores, como afirmam sem rodeios, Trump e Bolsonaro.

Essas medidas refletem, no nível econômico, o aprofundamento das tensões existentes entre as várias potências e que estão se acelerando desde a crise de 2008. Na Alemanha, Angela Merkel descreveu a situação como "o maior desafio desde a Segunda Guerra Mundial" e declarou "estado de desastre" na Baviera depois de ter implementado unilateralmente o controle nas fronteiras. A Espanha, por sua vez, também fechou suas fronteiras terrestres unilateralmente e implementou o estado de emergência. Antes delas, foram Hungria, Áustria, Lituânia, Polônia, Dinamarca e República Tcheca que anunciaram o fechamento total de suas fronteiras. Diante da proliferação desse tipo de iniciativa não consensual, a Comissão Européia esboçou na terça-feira 17 de março um plano de ação comum para os diferentes países membros. Sem surpresa, a resposta coordenada dos 27 países consagrou o cenário iminente de uma proibição de viagens não essenciais à União Europeia depois que outros países do bloco fecharam suas fronteiras, na tentativa de limitar a propagação do coronavírus". O plano coordenado para a Europa, portanto, consiste apenas em uma retirada nacional geral, uma medida que os trabalhadores da área da saúde consideraram imediatamente inútil, uma vez que o vírus já está circulando ativamente em todos os países envolvidos.

Cabe aos capitalistas pagar por sua crise

Diante da gravidade da situação econômica e de saúde pela qual estamos passando, as medidas de financiamento sem precedentes anunciadas pela maioria dos governos da UE andam de mãos dadas em alguns países com medidas históricas para reorganizar a produção para atender às necessidades levantadas pela emergência sanitária. Grandes empresas automobilísticas da Grã-Bretanha estão começando a converter sua produção como durante a Segunda Guerra Mundial. Alguns governos pedem, outros o impõem. Na Espanha, o bilionário Amancio Ortega - proprietário da Zara e de outras marcas - ameaça demitir e suspender trabalhadores de suas empresas, enquanto propõe modificar suas linhas de produção de roupas para fabricar equipamentos médicos que ele espera vender ao Estado em um contexto de desespero generalizado. Em um contexto de contração da demanda, desaceleração global e paralisação parcial de certos setores da economia mundial, os Estados tentarão continuar garantindo parte dos lucros de suas "bandeiras" nacionais.

Se em 2008 os estados capitalistas salvaram grandes empresas e bancos, mantendo como variável de ajustes os serviços públicos, os trabalhadores e as classes populares, o horizonte desta crise não é diferente. Fábricas como as da Airbus, que poderiam se reorganizar para produzir respiradores artificiais, continuarão produzindo bens inúteis para absorver a saúde e a emergência social. E isso sem se preocupar com as condições de segurança dos trabalhadores e de seus parentes. Outras empresas, como a companhia aérea KLM ou as fábricas de automóveis SEAT e FIAT na Espanha, anunciam demissões em massa que piorarão as dificuldades de milhares de famílias em um contexto de crise de saúde cujo horizonte é mais do que incerto.

No entanto, nem tudo é tão sombrio. Como mostram as explosões de raiva e descontentamento por parte dos trabalhadores que ocorreram em vários países, a saída da crise econômica não precisa necessariamente passar pela defesa dos grandes capitalistas e pelo apoio à retirada nacionalista e reforço de medidas autoritárias. Em muitos países da UE, os trabalhadores estão se organizando para combater os abusos dos empregadores e lidar com as emergências sociais e de saúde. É o caso das ondas de greves na Itália , onde milhares de trabalhadores rejeitaram as medidas de emergência do governo e a decisão hipócrita de manter as fábricas abertas enquanto as lojas e os negócios estão fechados. Este também é o caso na Áustria e no estado espanhol, onde 5.000 trabalhadores da Mercedes-Benz em Vitória-Gasteiz deixaram de trabalhar. Na França, onde o uso massivo do direito de retirada conseguiu impor o fechamento de fábricas,como foi o caso dos Ateliers de la Haute-Garonne (AHG) , um subempreiteiro aeronáutico. A esperança também é permitida.

A retirada nacional e o atual fortalecimento dos aspectos repressivos do Estado são a preparação essencial dos capitalistas e de seus governos para as possíveis rebeliões geradas pela crise econômica e pelo colapso dos serviços públicos que eles mesmos orquestraram. Os eventos levarão rapidamente a uma encruzilhada internacional: os governos conseguirão salvar os interesses do grande capital às custas de nossas vidas? Ou os trabalhadores conseguirão impor um programa que ataca os lucros e os benefícios das empresas, a fim de salvar a humanidade das devastações desse sistema?

As ondas de greves que atravessaram a Europa recentemente, bem como o retorno da luta de classes em escala internacional, em que um dos epicentros esteve na França com os coletes amarelos e a histórica greve contra a reforma da previdência, mostram que esse segundo caminho é possível. Os trabalhadores dos diferentes países podem dar uma resposta unitária igual ao desastre econômico e de saúde produzido pelos capitalistas, reorganizando a produção sob seu próprio controle e democraticamente. É a única maneira de mobilizar as indústrias química, automobilística, metalúrgica, têxtil ou mesmo as infra-estruturas de turismo e restauração que, reconvertidas, possam atender às necessidades de moradia, alimentação e aprovisionamento do sistema de saúde.

 
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