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DEBATE NA ESQUERDA
Bernie Sanders e a esquecida independência de classe: um debate com o MES
André Barbieri
São Paulo | @AcierAndy

Não há dúvida de que nas eleições norte-americanas é preciso combater a política tradicional das velhas oligarquias políticas, mas isso só pode ser feito com independência de classe e uma correta estratégia socialista. Representa Sanders, entretanto, um caminho ao socialismo? Consideramos que não, e sua posição no interior do Partido Democrata, o partido imperialista mais antigo do mundo, levanta a necessidade de uma política de independência de classe por parte dos marxistas revolucionários.

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O processo eleitoral nos Estados Unidos ganha contornos cada vez mais polarizados, e influencia o curso político em diversos países. O racista, xenófobo e chefe da internacional direitista, Donald Trump, aguarda quem será o candidato do Partido Democrata a enfrentá-lo nas urnas em outubro. Não exageramos ao dizer que o resultado nas presidenciais vai definir o destino próximo do capitalismo mundial.

O fênomeno mais interessante é o que atravessa a juventude estudantil e setores da juventude trabalhadora, especialmente na faixa etária entre 18 e 29 anos, que começa a adotar uma visão de mundo de crítica e desconfiança diante do capitalismo. Nos Estados Unidos, país em que a esquerda foi devastada pelo macarthismo na década de 1950 e onde era uma heresia falar de "socialismo", 44% da juventude entre 18 e 29 anos preferiria viver num país socialista do que num país capitalista. O que concebem como "socialismo" está, por ora, vinculado a um ideário de redistribuição de riqueza e ao estado de bem-estar social. Apesar disso, a crescente adesão ao "socialismo", ainda que seja entendido por ora como um vago programa de reforma, começa a preocupar seriamente a classe dominante estadunidense e seus partidos.

Esse sentimento está canalizado politicamente na figura de Bernie Sanders, pré-candidato à nominação pelo Partido Democrata às presidenciais, enfrentado com o agora favorito Joe Biden, filho legítimo do establishment conservador imperialista. Sem dúvida é preciso combater a política tradicional das velhas oligarquias políticas, mas isso só pode ser feito com independência de classe e uma correta estratégia socialista. Representa Sanders, entretanto, um caminho ao socialismo? Consideramos que não, e sua posição no interior do Partido Democrata, o partido imperialista mais antigo do mundo, levanta a necessidade de uma política de independência de classe por parte dos marxistas revolucionários.

Não é o que vemos na postura do MES/PSOL, que vem apoiando acriticamente a candidatura de Sanders através de suas figuras públicas e sua imprensa escrita. Em artigo recente dde Bruno Magalhães, explicita esse apoio ao senador de Vermont: “A ideia de que é possível vencer, tão distante nas mobilizações estadunidenses nas últimas décadas, torna-se cada vez mais concreta e sensibiliza um número cada vez maior de apoiadores. A esperança surge como uma característica central daqueles e daquelas que cruzam cidades e estados em prol da campanha de Sanders”.

Fernanda Melchionna, deputada federal do MES e líder do PSOL na Câmara, em reunião com a equipe de Sanders

O caráter antidemocrático do regime político estadunidense

O establishment do Partido Democrata (controlado por Barack Obama e a família Clinton) se levantou e começou a agir após o triunfo de Joe Biden nas primárias da Carolina do Sul. Num movimento duplo, unificou em Biden a figura “anti-Sanders”, e obrigou outros candidatos da ala direita do partido (Buttigieg, Klobuchar e Bloomberg) a abandonarem a corrida em nome do apoio a Biden. Isso proporcionou uma ressurreição da campanha do ex-presidente, que venceu 9 Estados durante a “Super Terça”, convertendo-se no favorito. Isso não lhe garante a maioria no voto popular, mas facilita as manobras da Direção Nacional Democrata (DNC) para eliminar Sanders numa eventual convenção eleitoral, em que a elite partidária definiria o vencedor.

Depois da fraude escancarada no caucus de Iowa, para impedir o triunfo de Sanders, essa nova fase da política Democrata não deixa dúvida que o establishment, muito mais que uma ojeriza contra Sanders, tem verdadeiro ódio ao fenômeno progressista na juventude, representado distorcidamente por Sanders.

Novo favorito à nominação Democrata, Biden é um político tradicional da classe dominante, com sua bagagem de políticas reacionárias. Notadamente, foi vice de Barack Obama entre 2009 e 2016, liderando as intervenções imperialistas no Oriente Médio e em todo o globo. Como senador, defendeu a intervenção dos EUA e da OTAN na Guerra da Bósnia em 1994 e 1995, e votou a favor da resolução que autorizou a Guerra do Iraque em 2002. Foi um pilar na preservação da segregação da população negra com suas emendas para deter a integração escolar, e prosseguiu a perseguição racista com a “Violent Crime Control and Law Enforcement Act”, a chamada “guerra às drogas”, que foi responsável pelo encarceramento em massa da juventude negra. Não há nada que esperar de uma figura como essa.

A Direção Democrata busca desmoralizar o movimento juvenil impondo uma derrota a Sanders, valendo-se do esquema eleitoral absolutamente antidemocrático do regime norte-americano, que recorre a eleições indiretas e aos chamados “superdelegados”, membros multimilionários do partido que terminam decidindo quem disputa as eleições, sempre para proteger os interesses dos capitalistas. Os Estados Unidos se encontra entre os regimes políticos mais monstruosamente antidemocráticos do mundo, visceralmente corrompido pelos negócios bilionários dos monopólios e dos grandes bancos, um sistema em que se pode comprar seu caminho à nominação (vide a campanha de Michael Bloomberg, que pagou 50 milhões de dólares por cada delegado que recebeu). Não há melhor exemplo para o que dizia Lênin sobre os regimes burgueses: “quanto mais desenvolvidos, mais estão submetidos às Bolsas, aos bancos e ao grande capital”:

No mais democrático Estado burguês, as massas oprimidas deparam a cada passo com a contradição flagrante entre a igualdade formal, que a "democracia" dos capitalistas proclama, e os milhares de limitações e subterfúgios reais que fazem dos proletários escravos assalariados. [...] Mil barreiras fecham às massas trabalhadoras a participação no parlamento burguês (que nunca resolve as questões mais importantes na democracia burguesa: estas são resolvidas pela Bolsa e pelos bancos). [A Revolução proletária e o renegado Kautsky]

Tudo isso ilustra por que a candidatura de Sanders traz a simpatia de segmentos progressistas de massas, contra as demais figuras conservadoras do Partido Democrata. Diante disso, o voto em Sanders expressa um deslocamento à esquerda por parte de amplos setores de jovens, especialmente os mais precários, de estudantes endividados, de mulheres, de comunidades imigrantes e, em menor grau, de setores da população negra, produto das condições criadas pela crise capitalista de 2008. Reformas estruturais que foram transformadas em tabu sob a hegemonia do "extremo-centro", como a do sistema privado de saúde pública, agora estão no centro do debate político.

Mas a discussão não termina aí. O fator crucial é: ao conter a insatisfação contra o capitalismo por parte de setores de massas no interior do mais importante partido imperialista do mundo, o Partido Democrata, a política de Sanders representa um bloqueio ao surgimento de uma organização socialista e anti-imperialista nos Estados Unidos.

Sanders, um candidato independente?

O MES afirma que é “importante notar que, apesar de concorrer novamente nas primárias democratas, Bernie Sanders é um senador independente e grande parte de seus apoiadores não são membros do Partido Democrata”. A quem se busca iludir? Os grandes momentos da carreira política de Sanders, no período que vai de 2016 à atualidade, se deram no interior do Partido Democrata. De lá para cá, tornou-se cada vez mais integrado ao partido. Em 2020, os êxitos eleitorais nas primárias fizeram com que Sanders fosse reconhecido inclusive pela grande imprensa como líder da “ala esquerda” desse partido. Através de sua figura, preservou a porção politicamente mais dinâmica da juventude e dos trabalhadores em campanha permanente pelo Partido Democrata. Sanders já anunciou que, caso não conquiste a nominação, vai apoiar o candidato Democrata abençoado pela elite partidária (Biden), como fez em 2016 ao apoiar Hillary Clinton. Como se não fosse suficiente, em sua entrevista com Daniel Denvir para o podcast da revista Jacobin, o próprio Sanders ressaltou: “Pode haver algumas exceções à regra nessa ou naquela comunidade do país, mas a ação tem que se dar por dentro do Partido Democrata”.

A equipe de Sanders buscou se valer inclusive do apoio de ninguém menos que Barack Obama (que joga a favor de seu ex-vice), num de seus amigáveis spots de campanha.

O MES esconde esses problemas para justificar o injustificável: seu apoio a uma candidatura situada dentro de uma das organizações responsáveis pela colonização imperialista dos povos. É impossível qualquer independência política quando se está alinhado ao Partido Democrata.

A “independência” não é um significante vazio, que se pode preencher com frases: trata-se de saber se o conteúdo político de um programa permite se chocar de maneira independente com um programa capitalista. O reformismo sanderista se choca contra o establishment Democrata, ao tomar como alvo o “1% de bilionários”, sem deixar de coexistir com os limites permitidos pelo regime da propriedade capitalista.

Afinal, não se pode dizer que o reformismo sanderista tem como alvo a propriedade e o regime dos capitalistas. Busca transformar o capitalismo estadunidense em um sistema mais humanamente tolerável, com um programa inspirado no New Deal rooseveltiano. Apesar das críticas às intervenções no Iraque e no Afeganistão, Sanders não se opõe globalmente à indústria de guerra estadunidense, tendo em seu currículo o apoio ao bombardeio ao Kosovo em 1999, e a aprovação do Iraq Liberation Act, que permitia ao regime a ofensiva militar para derrubar o governo autoritário de Sadam Hussein. Sanders votou a favor do incremento da segurança nas fronteiras, em meio à crise migratória e à xenofobia de Trump contra os mexicanos e centro-americanos. Uma oposição de fato à política imperialista exigiria o contrário do que fez Sanders durante a ofensiva golpista de Trump na Venezuela, momento em que aprovou a “ajuda humanitária” (política compartilhada por Ocasio-Cortéz) atrás da qual se disfarçava a política de “regime change” de Washington, que tinha como objetivo substituir o autoritarismo de Maduro pelo de Juan Guaidó. Seria essa a “forma viável de fazer política” a que o MES se refere?

Ademais, seu programa se opõe à mobilização das massas para a conquista das demandas progressistas que defende nas eleições. De Marx a Lênin, de Eugene Debs a Trotski, os marxistas sempre foram claros em relação ao fato de que é a classe trabalhadora que tem o poder para transformar radicalmente a sociedade, e as experiências recentes do neorreformismo (Syriza, Podemos) mostram a catástrofe estratégica do discurso anti-austeridade que não se apoia em forças materiais de classe para enfrentar os capitalistas. O populismo de Sanders, ainda que defenda algumas das demandas dos trabalhadores, não busca organizar e mobilizar os trabalhadores norte-americanos enquanto classe. A defesa do plano de saúde gratuito financiado pelo Estado, o Medicare for All, assim como a do salário mínimo de US$15/hora, são louváveis, mas para conquistá-los é necessário mobilizar a força independente da classe trabalhadora, a partir de suas posições estratégicas, contra os capitalistas. Sanders não deseja apontar para um caminho de ruptura com as instituições imperialistas norte-americanas porque isso não atingiria apenas Trump, mas também o establishment Democrata...

O reformismo sanderista é uma válvula de escape à máquina Democrata

Aqui chegamos a um novo ponto de suma importância. A profunda crise dos partidos tradicionais, especialmente do Partido Democrata, ajuda a explicar em parte a emergência de um senso comum socialdemocrata que impulsiona o movimento “socialista” nos EUA. A crise econômica mundial de 2008, o movimento do Occupy Wall Street em 2011, a revolta da juventude negra contra o racismo policial no movimento Black Lives Matter em 2014, a permanente degradação nas condições de trabalho de uma parcela esmagadora da juventude, são elementos que servem de combustível à raiva contra o sistema.

Esse sentimento político é uma base de importância fundamental para o surgimento de um novo partido que poderia redefinir a política no coração do imperialismo. Um partido socialista e revolucionário dos trabalhadores que tenha como pressuposto que o Partido Democrata sempre trabalhará para os capitalistas. A candidatura de Sanders é talvez a última tentativa do sistema de conter esse sentimento progressista de massas dentro do Partido Democrata.

Por essa razão, dialeticamente, ao mesmo tempo em que Sanders é rechaçado pelo establishment, é também sua maior esperança. Sua campanha revigora o Partido Democrata. Quebrando o consenso neoliberal dominante na liderança do partido, dá um novo fôlego às ilusões de que os Democratas podem trabalhar em função dos interesses dos trabalhadores e da juventude. Sanders utiliza suas propostas como veículo de assimilação da raiva antisistêmica de amplos setores no interior do mais antigo partido imperialista do mundo, o “cemitério dos movimentos sociais” desde as lutas pelos direitos civis nos anos 60 até hoje.

O MES considera que a revitalização do imperialista Partido Democrata com a figura de Sanders constitui uma “postura independente”? Esse equívoco, disseminado pelo MES, é um desserviço à necessidade para os marxistas de construir uma verdadeira força independente, que saiba que o Partido Democrata é um inimigo irreconciliável da classe trabalhadora, tarefa que ganha contornos mais urgentes em base à simpatia ao socialismo revelada pela juventude.

Democratas Socialistas da América: através de Sanders, trabalhando para os Democratas

Fruto da crise orgânica nos Estados Unidos e a crescente simpatia pela ideias socialistas na juventude, o Democratic Socialists of America (DSA) observou um crescimento militante importante em pouco tempo, passando de 5 mil a 50 mil membros, e ganhou a virtual hegemonia na esquerda estadunidense. Entretanto, ao invés de utilizar essa influência para construir uma força política independente e anti-imperialista, sua direção elegeu trabalhar para o Partido Democrata, e em seu interior, lançando-se acriticamente na campanha de Sanders. Não à toa, como reconhece o próprio MES, o DSA “é muitas vezes confundido como sendo uma tendência ou um partido-satélite dos democratas”.

Avesso às evidências disponíveis, o MES afirma que o DSA “é uma organização independente que disputa fortemente contra este partido [Democrata] em suas próprias primárias.” Mais uma vez, lembramos o MES que, como dizia Engels, não se pode mudar a realidade trocando-lhe o nome. A direção do DSA não apenas renuncia a qualquer disputa séria contra os Democratas, mas inclusive converte a organização num braço militante de campanha para esse partido, insistentemente fixada na esperança de eleger Bernie Sanders para a Casa Branca. Nos últimos meses, sua atividade se reduziu a ligações telefônicas e construção de bunkers de campanha pró-Sanders, e ao registro de filiações ao Partido Democrata. A página web do DSA é um literal site de campanha para Bernie, sem qualquer discussão de independência de classe, sequer diante dos clãs de Obama e dos Clinton.

Bashkar Sunkara, diretor da revista Jacobin e líder “ideológico” do DSA, é um dos ferrenhos opositores a qualquer discussão sobre um “terceiro partido” independente do Partido Democrata. Em evento de apresentação da candidatura de Sanders em Iowa, Sunkara criticou a intervenção de uma das convidadas, que advogava por um “novo partido”, como algo inadequado. Em recente programa de podcast, Sunkara se aventura a “teorizar” contra a definição, corrente na esquerda, de que o Partido Democrata seria um “cemitério de movimentos sociais”, sinalizando que pode cumprir um papel progressista (encabeçado por Sanders).

Tradução:"Concordo com tudo o que disse Kshama e eu a adoro, mas não sei se algém convidada a falar em evento de um candidato por sua nominação partidária deveria ’sair do script’ e falar sobre a necessidade de um novo partido"

Mesmo após os resultados da SuperTerça, que colocaram Biden na liderança a corrida pela nominação Democrata, a Jacobin insiste em transmitir a mensagem de que Sanders ainda pode vencer, caso se prove um “candidato seguro”. Só é possível entender essa sugestão como uma moderação maior no programa, a fim que quebrar o arco conservador de alianças que sustentam Biden, e trazer para si uma parte dessas forças. Onde está a “forte disputa” que alega o MES?

O MES, como se não quisesse enxergar, nos adverte a não nos enganarmos, “como se os socialistas democráticos [DSA] estivessem tentando ’disputar o Partido Democrata por dentro’ quando na verdade estes camaradas estão incidindo no processo eleitoral de forma independente.” Por amarga que seja a realidade, a direção do DSA faz o possível para integrar-se organicamente a esse partido imperialista. Sua hipótese é trabalhar dentro do Partido Democrata, e preparar a partir disso uma organização socialista no futuro, a chamada política “inside/outside” (dentro e fora). Uma ilusão que ignora que a história da esquerda nos Estados Unidos é marcada por tentativas fracassadas de transformar o Partido Democrata em uma ferramenta para o povo trabalhador, desde a campanha End Poverty (Acabar com a Pobreza) na Califórnia, de Upton Sinclair, ao apoio do Partido Comunista a Franklin D. Roosevelt durante o período da Frente Popular, à “coalizão Arco Íris” de Jesse Jackson na década de 80.

A atual situação das primárias, com as manobras que reposicionaram Joe Biden como favorito, é mais uma prova de que esse partido é e será sempre dos magnatas capitalistas.

Assim, não podemos deixar de concluir que a insistência do DSA em trabalhar dentro do Partido Democrata para que, mais tarde, em algum ponto do futuro, rompa com ele para formar uma nova organização, é a receita perfeita para uma lenta dissolução no poderoso aparato partidário. Os esforços que o DSA teve na eleição de Democratas progressistas para cargos apenas enfatiza uma tendência a colaboração cada vez mais próxima, e não um caminho de ruptura com as instituições do regime imperialista estadunidense. É razoável assumir que aqueles que adentram o DSA após vitórias eleitorais obtidas com uma corrida eleitoral por meio da legenda Democrata estão, em geral, muito mais predispostos a buscar vitórias eleitorais e a manutenção de cargos por meio de alianças sem princípios.

Se num momento de extrema politização e renovadas energias da juventude estudantil, e inclusive trabalhadora, de interesse e simpatia pelas ideias do socialismo, “não é permitido pensar em um novo partido” e se deve atuar dentro dos limites férreos do Partido Democrata, perguntamos: por que depois de uma eventual derrota sanderista, inevitavelmente seguida de uma campanha de desmoralização pelo establishment, a construção de um novo partido se tornaria mais simples?

Ao contrário do que pensa o DSA, e o MES no Brasil, a falta de preparação prévia, desde já, de um partido anti-imperialista e socialista, com um programa intransigente de independência de classe, facilita a tarefa do Partido Democrata em integrar as melhores forças dessa geração no interior de suas engrenagens e desmoralizá-las.

Aprende com teus erros

A batalha do Left Voice, organização irmã do MRT nos Estados Unidos, pela construção imediata das bases de uma grande organização socialista, revolucionária e anti-imperialista dos trabalhadores é a prova de que se pode, sem separar-se do fenômeno de juventude, agitar um programa de independência de classe que se oponha às armadilhas do Partido Democrata. Com 200.000 visitas em janeiro, o Left Voice se tornou um dos principais portavozes da necessária reorganização da esquerda ao redor de um programa marxista. Essa é uma tarefa estratégica que não pode se subordinar à política do “inside/outside”, que já mostra à luz do dia o seu fracasso. Somente assim se pode batalhar por integrar a simpatia da juventude às ideias do socialismo com o verdadeiro sentido estratégico dessa concepção: a conquista de uma ordem superior ao capitalismo.

Não abrir este debate implica incorrer em equívocos similares aos que levaram o MES a apoiar Alexis Tsipras e o Syriza na Grécia, e posteriormente sustentar Pablo Iglesias e o Podemos no Estado espanhol, como exemplos de recomposição da esquerda mundial. Ambas as formações se alçaram às altitudes do estrelato político, diga-se de passagem, em base à derrota dos respectivos processos de luta de classes em cada país, em nome de uma estratégia discursiva que abandonava qualquer lastro concreto na classe trabalhadora.

Nunca é demais lembrar o inglório percurso dessas formações neorreformistas. O Syriza entrou no governo grego em janeiro de 2015, em aliança com a direita xenófoba da ANEL, com um discurso anti-austeridade. Tsipras prometeu bloquear os ajustes impostos pela Alemanha, sem para isso questionar a propriedade capitalista ou basear-se na força material dos trabalhadores. Em poucos meses, passou do discurso anti-austeridade a ser o agente central dos ataques e privatizações do imperialismo alemão contra os trabalahdores gregos, cujas dezenas de greves foram reprimidas pelo Syriza. Em 2019, o Syriza perdeu às eleições para a direita tradicional, o Nova Democracia, terminando sua breve parábola política como instrumento da direita. Já o Podemos teve sua ascensão meteórica em 2015, estreando suas conquistas eleitorais com as prefeituras de Barcelona e Madri, em base ao discurso “nem de esquerda, nem de direita” de Iglesias. Entretanto, ao contrário da retórica da continuidade com o imaginário do movimento 15M, foram rápidos em adequar-se ao receituário liberal durante a crise espanhola: aplicaram ajustes contra os trabalhadores, e reprimiram grevistas, como os metroviários de Barcelona. Posteriormente, em meio à enorme luta do povo da Catalunha pelo direito à autodeterminação nacional, Iglesias e o Podemos se aliaram com a monarquia espanhola para reprimir os protestos (Iglesias em pessoa exigiu punição aos líderes catalães). Como se não fosse o suficiente, em meio à crise política no Estado espanhol, o Podemos entrou no governo imperialista espanhol encabeçado pelo PSOE.

A Tsipras, o MES dizia em 2015 por meio de Luciana Genro que o Syriza era “a nova esperança da esquerda mundial”. Em artigos, dizia que o “Syriza é uma força política anticapitalista capaz de polarizar a situação política de seu país, transformando-se numa alternativa real de poder para a juventude, o povo e os trabalhadores”. Depois da entrega da Grécia por Tsipras, sem mais tocar em sua posição anterior, o MES migrou para a “Plataforma de Esquerda” do Syriza, que sempre buscou se disciplinar aos desígnios do primeiro ministro, com uma política impotente. As demonstrações de aprovação e esperança a Iglesias foram semelhantes, tendo o Podemos como um exemplo a seguir em suas campanhas municipais de Porto Alegre.

Thiago Aguiar, MES, e Juliano Medeiros, presidente do PSOL, com Pablo Iglesias

Thiago Aguiar, MES, e Juliano Medeiros, presidente do PSOL, com Alexis Tsipras

O MES não tirou nenhuma lição estratégica do fracasso dessas formações políticas que apoiou, preferindo deixar qualquer balanço para a crítica invisível do esquecimento. O apoio a Sanders (assim como a visão acrítica sobre a política do DSA) é um indício de que essa organização está pronta para cometer erros similares, agora em escala maior, já que o sanderismo é uma corrente interna de um partido imperialista clássico. A revisão crítica de suas posições passadas é o único caminho para evitar mais uma política que obstaculize a independência de classe da vanguarda da esquerda e a construção de um partido próprio, em nome da ilusão de uma estratégia que bendiz a humanização do capitalismo em momentos de crise.

 
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