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ANÁLISE
Avança o bonapartismo? Quais as forças para combatê-lo?
Thiago Flamé
São Paulo

Depois de meses de calmaria, antes e durante o Carnaval, o governo escalou a crise com o Congresso, o Supremo e os governadores a novos patamares em relação ao visto no ano passado. Isso no quadro de uma economia em marcha lenta, que deve ser impactada pela epidemia do Coronavírus, com o trabalho informal e precário se alastrando como nunca e quando, pela primeira vez, um setor estratégico da classe trabalhadora, como o dos petroleiros, mostrou resistência aos planos de Guedes e, mais que isso, ao projeto privatista de todos os golpistas, alinhados ou não com Bolsonaro.

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Os tiros que atingiram o senador Cid Gomes, quando este se lançou com uma retroescavadeira contra uma coluna de policiais amotinados em um quartel de Sobral (CE), e o vazamento supostamente involuntário, em seguida, de um áudio em que o general Heleno incita Bolsonaro contra o Congresso, elevaram o nível de crise política do governo, que já vinha num crescente devido à disputa com os governadores e o assassinato de Adriano da Nóbrega. O vídeo que Bolsonaro fez circular na terça-feira de Carnaval, convocando para o dia 15/3 uma manifestação contra o Congresso, jogou gasolina em uma crise política que muitos apostavam que poderia se acalmar com o feriado.

Além dessa manifestação bolsonarista, os movimentos sociais e sindicatos estão convocando as suas próprias em três datas: o dia 8/3, Dia Internacional das Mulheres, dia 14/3, dois anos do assassinato de Marielle, e dia 18/3, paralisação nacional da educação. Até onde vai dessa vez a aposta bolsonarista na polarização ainda não está claro, assim como não está claro o nível de resposta das massas a essa ofensiva da extrema-direita nem o nível de contenção e o tipo de acordo a que podem chegar o Congresso e o STF com Bolsonaro a fim de serenar os ânimos. Não se trata aqui somente de analisar, mas de atuar, adiantando um aspecto desenvolvido ao final deste artigo, o Esquerda Diário não poupará esforços em cada local de trabalho e estudo, bem como em suas edições diárias, para exigir dos sindicatos, centrais sindicais, diretórios centrais de estudantes, assembleias para organizar um plano de luta e uma ação contundente no dia 18/3 que coloque a força da classe trabalhadora para derrotar esse reacionarismo.

 
Uma nova configuração do bonapartismo

 
Em 2019, em meio às negociações com o Congresso para a aprovação da reforma da previdência, cheia de idas e vindas, Bolsonaro ensaiou a convocação de um ato contra o Congresso e o STF. Contido pelo Alto Comando do Exército e outros atores, retrocedeu no conteúdo e terminou convocando um ato de apoio à REFORMA DA PREVIDÊNCIA; foi aplaudido pelo mercado financeiro com alta da Bovespa nos dias seguintes. Essa escalada se deu em 2019 no contexto das enormes manifestações estudantis de 15 de maio.

Analisando a dinâmica desses conflitos, em 25/5, Daniel Matos escrevia no Esquerda Diário: “O desenvolvimento das disputas no interior do regime golpista vai delineando dois projeto de bonapartismo distintos: um ‘presidencialista-imperial’ de Bolsonaro, que busca colocar o Executivo como instituição absolutamente predominante no regime (e até mesmo messiânica), ao qual deveriam subordinar-se todos os demais fatores de poder, utilizando a Lava Jato e ‘as ruas’ como ferramentas de disciplinamento. E outro projeto ‘bonapartista institucional’, em que os golpistas dos velhos partidos tradicionais (hegemonizados agora pelo DEM e tendo como ‘centro de gravidade’ o Congresso), em acordo com os demais fatores de poder (o STF, grandes meios de comunicação, e parte da cúpula das Forças Armadas) buscam disciplinar o poder de Bolsonaro às outras instituições que foram parte do golpe.”

O resultado provisório daquele embate entre o “bonapartismo imperial” e o “bonapartismo institucional” foi uma derrota do projeto de Bolsonaro, que terminou baixando os decibéis e apaziguando as relações com o Congresso – até certo ponto – para garantir a aprovação da reforma da previdência. Ao mesmo tempo que teve que abandonar por um tempo seu próprio projeto e se submeter aos fatores de poder, Bolsonaro também mostrou ao mercado financeiro que o jogo de morde e assopra com o Congresso poderia, ao tensionar a política nacional na disputa entre direita e extrema-direita – mantendo as reformas neoliberais como uma espécie de grande consenso nacional – ser bastante funcional à ofensiva burguesa.

A principal baixa no bonapartismo imperial em 2019 foi a Lava Jato, que cumpriria o papel de disciplinar o Congresso se utilizando dos mesmos métodos que foram eficientes para levar adiante o golpe institucional de 2016. As gravações do The Intercept não foram suficientes para tirar Moro e a Lava Jato de cena, outrossim, o foram para impedi-la de ser o pilar de um projeto de poder que teria Bolsonaro no centro de um governo autoritário apoiado em um braço do Poder Judiciário (uma aliança que não deixava de ser incômoda para Bolsonaro). Também a perda do controle do PSL, que passou a se alinhar mais ao centrão e diretamente à Lava Jato, foi um revés importante para o bolsonarismo, diminuindo seu apoio parlamentar.

Os meses que se seguiram, com a aprovação da Reforma da Previdência, foram dando lugar a uma certa normalização do governo Bolsonaro. Com a soltura de Lula, abriu-se a possibilidade do PT encontrar um lugar para si no “novo regime pós-golpe”. A regra do “novo normal” era o vale-tudo na disputa política em torno das pautas culturais e na polarização retórica em torno delas, mantendo uma unidade nacional de fato em torno da pauta econômica.

Os governadores da oposição (PT e PCdoB, principalmente) encarnaram o papel inscrito em seu DNA: a defesa da governabilidade burguesa e dos interesses econômicos dos capitalistas, levando adiante reformas da previdência nos estados. E o Congresso se sentiu forte o suficiente para avançar em uma medida contundente contra os poderes presidenciais, o chamado orçamento impositivo, que imporia na prática uma espécie de semiparlamentarismo. Esse avanço recente do Poder do Legislativo sobre o Executivo aumenta um traço crescente desde a crise no governo Dilma e durante todo o golpe o institucional. Mas parece que, agora, o próprio Congresso pode ter ultrapassado a correlação de forças. Embora tenha o apoio em peso do STF e da grande mídia para sua tentativa de semiparlamentarismo, ainda é a instituição mais desgastada e conta com escasso apoio popular para disputar o controle dos 30 bilhões com o governo.

A situação da economia, no entanto, não permite que se consolide um novo regime estável, superando as divisões internas das elites e das cúpulas estatais, a crise de legitimidade do sistema de partidos e sua baixa representatividade perante as massas. A perspectiva, que já era terrível, de uma recuperação muito lenta baseada na informalidade e intensa exploração do trabalho por meio dos aplicativos, se torna imprevisível com a epidemia do coronavírus e como isso vai afetar a economia chinesa e a brasileira. Foi nesse contexto que o governo Bolsonaro retomou, em modo ampliado, o embate com o Congresso. Mas dessa vez não mais se apoiando no bonapartismo do Judiciário da Lava Jato, mas mostrando sua cara miliciana e questionando os governadores. A ofensiva se iniciou na disputa do ICMS dos combustíveis, problema intimamente ligado à Petrobras, com Bolsonaro jogando os caminhoneiros contra os governadores. O episódio do assassinato de Adriano da Nóbrega em ação do Bope baiano foi a ocasião para mais um enfrentamento contra os governadores, jogando sobre o petista Rui Costa a responsabilidade por uma “queima de arquivo”, cuja suspeita recai em primeiro lugar nos ombros do próprio Bolsonaro. A crise do Ceará com o motim da PM também é parte destas disputas crescentes com os governadores e preparatórias para as eleições no final do ano.

Os métodos utilizados pelos amotinados encapuzados no Ceará são os mesmos das milícias cariocas, obrigando o fechamento de comércios e impondo toques de recolher contra a população, com o apoio de parlamentares bolsonaristas. Já se discute abertamente a intenção do bolsonarismo em montar tropas paramilitares para apoiar o seu projeto.

A jornalista Vera Magalhães do Estado publicou artigo com o título: “Motim de policiais com apoio do presidente pode ser embrião para milícia paraestatal”. O braço militar desse projeto avançaria com a potencial nacionalização das milícias, recrutando membros dos porões das policias militares e civis. O crescimento das milícias – ainda que em nenhum outro lugar exista tamanha simbiose com as forças estatais como no Rio de Janeiro (em lugares como São Paulo as milícias sequer conseguem entrar, devido à força que tem o PCC e suas relações escusas com o aparato estatal paulista) – abre terreno para acordos e confrontos com poderes locais, e por si só é um fator de maior instabilidade. Esse processo também ocorreria ao mesmo tempo em que as cúpulas das igrejas evangélicas vão dando uma ideologia de massas, extremamente conservadora e individualista ao bolsonarismo miliciano. Também em alguns lugares, as cúpulas das igrejas evangélicas vão criando embriões de tropas paramilitares, os sinistros “gladiadores da fé”, que vão se forjando em combate nos ataques a terreiros. Essa base de apoio ao bolsonarismo como tropas eleitorais, e muito mais embrionariamente também paramilitares, tende a produzir choques entre a orientação da cúpula das igrejas e um fenômeno de conversão que é altamente relacionado à migração interna, à pobreza, à desigualdade, como numerosos estudos comprovam. Como esses fatores contraditórios evoluirão, também é algo que segue em aberto.

Justamente nesse momento em que as relações do bolsonarismo com o submundo das milícias começam a ser questionadas abertamente, o Alto Comando do Exército dá um passo decidido na sustentação do governo. Dois dias depois do assassinato de Adriano, o general Braga Netto, chefe do Estado-Maior, número dois na hierarquia militar e general da ativa, foi convencido pelo comandante do exército Edson Pujol, para chefiar o estratégico ministério da Casa Civil. Braga Netto não é qualquer um. Além de chefe do Estado-Maior, foi o chefe da intervenção no Rio de Janeiro e é tido como um grande conhecedor das milícias e do crime organizado cariocas. Sua entrada no governo marca um salto de qualidade no comprometimento do Exército com a sustentação do projeto de poder miliciano e cruzadista do bolsonarismo, ainda que não signifique uma conversão miliciana da cúpula do exército, que sustenta esse projeto para controlá-lo desde dentro. Uma estratégia bastante arriscada, que pode fugir ao controle dos generais.
 

O poder moderador do exército, o bonapartismo miliciano e os elementos fascistizantes

 
A crise no Ceara é bastante reveladora da nova configuração das tendências bonapartistas do regime político. Bolsonaro e Heleno se apoiam no motim policial para abalar a autoridade do governo daquele estado, enquanto vão criando as bases para uma maior coesão das milícias, as quais estão longe de formar um contingente centralizado em nível nacional e local, e mostram, com isso, a cara do seu projeto bonapartista miliciano. Para enfrentar o motim policial incentivado pelas milícias e pelo bolsonarismo, o governador petista do Ceará está cumprindo o lamentável papel de convocar o Exército e pedir, inclusive, que se prolongue a Garantia da Lei e da Ordem (GLO) no estado. Entre o governador petista Camilo Santana, o senador Cid Gomes com sua retroescavadeira e os policiais encapuzados amotinados apoiados por baixo pelo bolsonarismo, o Exército se eleva a um efetivo poder moderador de características bonapartistas mais clássicas.

Os elementos militares da correlação de forças, que no primeiro semestre de 2019 estavam presentes somente como possíveis tendências – através, por exemplo, dos projetos de Bolsonaro para facilitar o porte de armas à sua base civil –, ampliam seu alcance ao envolver um jogo complexo que vai colocando as polícias militares contra os governadores. A reforma da previdência dos militares – extremamente favorável aos generais e prejudicial aos praças – e os importantes sintomas de insatisfação da tropa (sargentos, cabos e soldados) com o governo e, especialmente, com os generais também são fatores que empurram mais a coesão bonapartista do Alto Comando em torno do gabinete ministerial de Bolsonaro. Diga-se: já amplamente ocupado pelos milicos, junto a um interesse comum em colocar Congresso e governadores como responsáveis pela situação do país. Também deve operar como motivação para maior alinhamento e contenção do generalato com e pelo capitão o projeto comum que compartilham para a Amazônia, desde o confronto retórico com o presidente francês Emmanuel Macron. Aqui também se incluem os interesses fundiários, de desmatamento e de mineração que unem generais e o atual chefe do Executivo.

A convocação ao ato do dia 15 pelo general Heleno, se não é abertamente miliciana,apoia-se implicitamente na correlação de forças e no sentimento de desordem que o clima de sedição salarial nas tropas das PMs e a ação das milícias provocam, para ir contra o Congresso e sua tentativa do semiparlamentarismo. Apesar das diferenças no Exército, existe uma confluência temporária entre a maioria do Alto Comando e o general Heleno que permite que avance um projeto de bonapartismo mais apoiado nas milícias, tomando o lugar do bonapartismo que se apoiava maisna Lava Jato. A lógica da situação é que os elementos paraestatais milicianos avançam, mesmo a contra gosto da maioria do Alto Comando. O exército se vê obrigado aumentar seu papel bonapartista, ao mesmo tempo em que encontra uma justificativa para isso, atuando como poder moderador da tensão crescente do bolsonarismo com as instituições decadentes do regime de 1988. Essa confluência momentânea se vê na postura de Olavo de Carvalho, que pregava a desconfiança contra os generais e agora defende a unidade entre os generais e o povo.

Ainda que não se pode descartar de antemão a possibilidade de essa crise se aprofundar, nos afastamos da visão daqueles que dizem que estamos nas portas de um regime fascista, de terror, com execuções públicas de opositores. O fascismo, como definia o revolucionário russo Leon Trótski, “não é somente um sistema de repressão, violência e terror policial. O fascismo é um sistema particular de Estado, baseado na extirpação de todos elementos de democracia proletária na sociedade burguesa.” Este não é o traço fundamental que define a situação atual, tratam-se de elementos. Há elementos embrionários de retórica contra a esquerda, mas que, com a exceção do assassinato de Marielle, configuram-se como retórica. Há, de maneira mais relevante, certos elementos embrionários de mobilização reacionária de policiais e forças paramilitares para os fins políticos do bolsonarismo, tal como se vê no Ceará.
 
O discurso que toma os elementos fascistizantes, os quais servem, antes, de apoio ao bonapartismo do exército, como um todo “fascista” e já o declara vitorioso de antemão é um discurso que nos desarma para o perigo real. Além disso, serve de justificativa a uma frente ampla com parte dos inimigos que temos que combater para lutar contra as reformas e privatizações, mas também para enfrentar os elementos fascistizantes da realidade. O nível de tensão que se revelou é maior que no ano passado, envolvendo agora uma greve operária importante como pano de fundo. Uma greve que não foi possível desmontar com ameaças judiciais e que para sofrer um desmonte pela FUP-CUT precisou que o judiciário começasse a oferecer concessões e manobras. Há também uma crescente insatisfação nas bases das forças armadas e a localização do Alto Comando é distinta, pois ao colocar Braga Netto no governo, tira dos atores do bonapartismo institucional uma das principais armas de contenção sobre Bolsonaro, que são as investigações sobre Marielle e a revelação das relações da família de Bolsonaro com as milícias, que ficam mais difíceis de rastrear com a morte não esclarecida de Adriano.

O cenário estratégico vai se delineando. Bolsonaro insiste no caminho de enfrentamento com o Congresso, e agora com os governadores, tentando enfraquecer os demais poderes e fortalecendo o Executivo e seus braços paramilitares, nem que isso seja, por hora, para barrar a ofensiva semiparlamentarista do Congresso e negociar melhor, para aumentar o quinhão de sua fração e tornar mais naturalizados os seus métodos. Será um alinhamento do Alto Comando momentâneo e que por baixo os generais mais “institucionais” estão dando corda para Heleno e cia., esperando o fracasso da tentativa bonapartista miliciana para desferir uma contraofensiva institucional, reforçando o papel do Congresso e o STF? Ou estarão, de fato, dando um passo além e aderindo ao projeto de Heleno, da tutela direta sobre Bolsonaro em combate ao Centrão e às instituições do regime de 1988? Ou mesmo a possibilidade de que a linha do Alto Comando seja manter esse equilíbrio e se fortalecendo como a grande instituição bonapartista e moderadora dos conflitos entre o bolsonarismo miliciano e as instituições? Até onde irá o apoio do Exército a essa política é uma incógnita, que começará a ser respondida nos próximos dias com a convocação do ato do dia 15/3. Darão, como no ano passado, um conteúdo pró-reformas e menos contra o Congresso? Parece improvável agora, pois não existe uma reforma que concentre tanto as expectativas dos empresários como a da previdência e existe uma demanda concreta contra o Congresso, que é a tentativa de aprovar o orçamento impositivo e avançar em uma espécie de semiparlamentarismo. A saída da atual situação se daria pela via de um passo atrás do Congresso no orçamento impositivo e isso explicaria a reação tíbia de Rodrigo Maia e o silêncio de Alcolumbre?
 
Ainda que os últimos alinhamentos indiquem um fortalecimento de tendências bonapartistas de caráter miliciano capitaneadas por Heleno e Bolsonaro, dada a nova localização do Alto Comando do exército, em detrimento do bonapartismo institucional, estes são preparatórios e se confrontam com uma situação prévia que vem de um bonapartismo institucional fortalecido ao menos superestruturalmente contra o bolsonarismo. Não existe, agora, nem a ameaça do movimento de massas no sentido de empurrar as elites a um golpe, que seria uma aventura perigosa, nem unidade burguesa suficiente para uma medida desse tipo. A indefinição do cenário eleitoral dos EUA, em que o Partido Democrata seja obrigado a adotar uma candidatura de Bernie Sanders ou correr o risco de rachar o partido e em que, ainda que Trump seja favorito contra o rival que surja das internas democratas, não é nada garantida sua reeleição, também jogam contra qualquer movimentação mais decisiva neste ano que também é eleitoral no Brasil. E ainda que existam aqueles setores empresariais, principalmente no comércio e latifundiários que apoiam o bonapartismo miliciano de Heleno e Bolsonaro, a maioria da elite financeira deixa correr as medidas de ameaça ao Congresso para depois pressionar por um pacto pelas reformas. É uma incógnita a posição da Fiesp e Firjan, que vinham apoiando Bolsonaro, em relação a esse ato abertamente contra o Congresso. Ainda que a tática de Bolsonaro seja radicalizar para depois negociar e garantir o máximo possível o orçamento em suas mãos, introduz-se um elemento novo, que é mobilizar parte das suas bases militares, com o apoio do Alto Comando do exército. Se o movimento não é ainda “decisivo”, ele já é a favor de soltar alguns elementos fascistizantes, que por sua vez são “contidos” em prol de um bonapartismo que coloca cada vez mais os generais quatro-estrelas no centro do palco.

Também dada a decisão que um setor estratégico do proletariado mostrou, como foram os petroleiros em greve, e dados os sinais de instabilidades e insatisfação nas massas devido à situação econômica, o cenário não é de estabilidade e calmaria nessa disputa à direita. A insatisfação social toca até mesmo setores pequeno-burgueses que formam a espinha-dorsal do bolsonarismo, como os caminhoneiros e suas sempre presentes ameaças de novas paralisações. A correlação de forças, portanto, não é uma em que o avanço de um bonapartismo miliciano se faça sem maiores atritos, sem maiores resistências. Há um ar, incipiente que seja, de maior disposição a sair à luta em parcelas do proletariado, e isso acontece ao mesmo tempo e na contramão desses marcados elementos à direita na situação política nacional. 
 

Frente Ampla ou Frente Única

 
Aloísio Mercadante sintetizou a estratégia petista para enfrentar a investida bonapartista: reeditar uma frente ampla como a das “Diretas Já”, em 1984. Os deputados petistas falam da união de todos os democratas, e Lula conclama o Congresso e as instituições a se posicionarem. Com estsas palavras defendem que a unidade com os que estiveram na linha de frente do golpe institucional e da aprovação da reforma da previdência de Guedes e Bolsonaro, é o caminho para enfrentar Bolsonaro. Exageram a possibilidade imediata de um golpe militar para justificar a aliança com os golpistas institucionais.

A moeda de troca dessa negociação entre o governo Bolsonaro e os “democratas” do Congresso e do STF são os nossos direitos, nossos empregos e as riquezas nacionais. No primeiro semestre, apaziguaram os ânimos contrários ao governo, a fim de garantir a aprovação da Reforma da Previdência, com a complacência dos governadores do Nordeste, que também nos seus estados avançam com reformas da previdência. Agora o mais provável é que a saída se dê por essa via – apaziguar os ânimos para garantir que as reformas andem. Com aliados assim, na melhor das hipóteses, as reformas neoliberais serão aprovadas por via “democrática”, através do Congresso. Um hipotético impeachment de Bolsonaro colocaria o reacionário Mourão com muita verba para os deputados e o apoio do STF, para gerir essa obra de ataques à classe trabalhadora. Isso em uma situação política onde as Forças Armadas de facto já assumiram um papel superior ao que tinham anteriormente, administram ministérios e estatais e configuram-se como um elemento do bonapartismo, de moderadores entre bolsonarismo e atores institucionais.

No relato petista de hoje, tal como naquele de ontem, está sempre presente o limite da correlação de forças, que aparece sempre como justificativa para as alianças à direita e para a aceitação dos ataques neoliberais. Nunca está colocada a possibilidade de alterar a correlação de forças pela via da mobilização da classe trabalhadora e da juventude. Caso se tratasse de uma ofensiva golpista efetivamente, seria ainda mais farsesca a estratégia da frente ampla. O procedente na história brasileira foi a frente ampla entre Jango, JK e Lacerda, antigo líder golpista, contra a ditadura militar: resultou em nada. É legítimo o sentimento de amplos setores progressistas de que é necessário concretizar o “Fora Bolsonaro”. Ele não somente é fruto do golpe institucional, mas de eleições manipuladas, só vem aplicando ataques e nossa perspectiva deve ser derrubá-lo. No entanto, consideramos um erro importante canalizar essa justa demanda para uma votação de impeachment pelo Congresso. Se a força das ruas e da classe trabalhadora não estiver organizada para impor o “Fora Bolsonaro” pela mobilização, essa consigna vira uma “palavra ao vento” ou, pior, alimenta a que outras forças reacionárias do regime a adotem para tirar Bolsonaro do caminho, mas que pode dar lugar a coisas piores. É um absurdo um programa de “impeahcment” que leva Mourão, representante direto das Forças Armadas, a virar presidente! O processo do golpe institucional já deveria ter servido de lição que nem todo “Fora” ajuda a esquerda e os trabalhadores. Por isso a chave é desenvolver a mobilização da classe trabalhadora e popular para impor através da mobilização a derrota dos planos dos golpistas, do legado do golpe institucional e impor a derrubada desse governo, abrindo espaço não pra que entre Mourão, mas para uma Assembleia Constituinte Livre e Soberana.

O conflito petroleiro, como pontuamos, teve uma importância sintomática. A classe trabalhadora brasileira não está derrotada. Apesar de toda a correlação de forças aparentemente desfavorável – e enfrentando a frente ampla da imprensa, dos “democratas” ao estilo Globo, FHC, Rodrigo Maia e Toffoli, que se alinham também contra excessos machistas e racistas do bolsonarismo, mas estão empenhados em destruir a vida das mulheres e negros com as reformas em curso ao oferecer seu apoio entusiasta a Guedes, Bolsonaro e a presidência da Petrobras contra a greve –, os petroleiros mostraram disposição de luta, impuseram a suspensão temporária das demissões e reverteram um ataque pela via da escala de turnos. Teria sido possível, a partir do apoio ativo à greve petroleira, começando pelas empresas diretamente ameaçadas de privatização, como os Correios, estender um grande arco no sentido de reaglutinar em torno desta luta o movimento de massas. A greve da Petrobras tinha o potencial de questionar todos os pilares da política econômica de Guedes e do golpismo institucional, com a defesa do emprego digno, questionando a política de preços da Petrobras, o que poderia levar a rachar parte da base bolsonarista em caminhoneiros. A juventude poderia apoiar a greve, levantando demandas próprias, exigindo, por exemplo, uma Petrobras 100% estatal e administrada pelos trabalhadores para custear a universalização do ensino superior no Brasil. Ou seja, ao apontar o caminho da frente ampla com parte dos golpistas, o PT não oferece uma resistência efetiva aos ataques atuais e se prepara estrategicamente para voltar ao governo sem reverter as medidas econômicas de Temer e Bolsonaro.

As direções petistas estão convocando três datas. O Dia Internacional das Mulheres (8 de março), os atos em memória de Marielle Franco dia 14/3 e a paralisação da educação no dia 18/3. Com o Esquerda Diário, nos somamos energicamente na convocação a essas manifestações e na construção da paralisação na educação, e chamamos aos trabalhadores e a juventude a se organizarem em cada local de trabalho e estudo, exigindo das direções dos sindicatos e centrais, como a CUT e a CTB, e entidades estudantis, CAs, DCEs e a UNE, que convoquem assembleias e um plano de mobilização para efetivar grandes jornadas de protesto e manifestações nestes dias e para transformar o dia 18 numa grande paralisação nacional, contra o golpismo, as reformas neoliberais e em defesa do emprego e da Petrobras.

 
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