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29J: Que nosso orgulho seja o combustível para enfrentar Bolsonaro, Damares e os capitalistas
Virgínia Guitzel
Travesti, trabalhadora da educação e estudante da UFABC

Dia 29 de Janeiro é o dia Nacional da Visibilidade trans, uma data que organiza o conjunto do ativismo entorno da livre construção da identidade de gênero em debates, passeatas e na divulgação de dados à respeito da violência contra a comunidade transgênero. É marcado pelo ano de 2004 quando pessoas trans foram pra Brasilia exigir seus direitos. Nós do grupo de mulheres Pão e Rosas e do Esquerda Diário publicamos uma contribuição para a luta contra a transfobia numa perspectiva anti-capitalista.

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O Brasil de Bolsonaro é herdeiro do titulo internacional de país do transfeminicídio, isto é, do assassinato por ódio de pessoas trans como a expressão mais visível e cruel do último elo de uma longa cadeia de violência e opressão estrutural sustentada por uma série de instituições "democráticas" e um sistema cultural, social, político e econômico estruturado através de uma divisão de gênero binário excludente numa sociedade dividida em classes.

Este último elo ficou escancarado por duas mulheres trans. Dandara Kettlyn de Velasques, que ficou conhecida como Dandara dos Santos quando esta foi brutalmente assassinada por mais de 4 jovens à luz do dia e com direito a gravações sádicas em Fortaleza, CE, em 2017. E Quelly da Silva teve seu coração removido com golpes de uma garrafa quebrada, e substituído pela imagem de uma santa, em Campinas, SP, em 2019.

Tanto a tortura à luz do dia, filmada e exibida nas redes sociais como um ato de confiança da impunidade dos crimes contra pessoas trans quanto a imagem de um jovem sorrindo, dizendo que arrancou o coração de uma travesti porque "ela era o demônio" são dois retratos da barbara condição de desumanidade com que os corpos que desafiam as cisnormatividade tem como referência.

Se esta triste realidade da violência não fosse o suficiente, Bolsonaro como um representante direto dos interesses do golpe institucional de 2016, entre eles a crescente influência evangélica e conservadora na política brasileira e o imperialismo norte-americano em querer acentuar os traços coloniais do país com a aprovação de uma dura agenda de ataques as massas trabalhadoras, chegou a presidência mirando nas nossas existência.

Nas primeiras semanas de governo, Damares foi escolhida para promover "a nova era do Brasil: menino veste azul e menina veste rosa", depois começou a se retirar direitos LGBT, promover campanhas de combate as Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs) em base a discriminação e estigmatização, e agora um pouco após um ano, retomaram a bandeira da Igreja Católica dos anos 80, e defendem abstinência sexual como método contraceptivo. Tudo isto, em nome, da guerra contra a suposta "ideologia de gênero".

O fim do neoliberalismo, a Globo e a extrema direita

Parece contraditório olhar para os dados alarmantes divulgados no dia de hoje pela ANTRA (Associação Nacional de Travestis e Transsexuais) do aumento em 180% da violência contra pessoas trans em 2019 no Brasil, de 124 casos. E ao mesmo tempo, ter sido nos últimos anos a entrada de personagens transsexuais nas novelas, o aumento da visibilidade e a ampla produção acadêmica que vem ocorrendo dentro das universidades brasileiras.

Mas se olharmos com atenção ao fim do neoliberalismo, veremos que o multiculturalismo representado pela Rede Globo convive pacificamente com o ascenso da extrema direita e as retiradas de direitos das massas trabalhadoras e pobres. Em nome de incluir uma cota de personagens, que permite ampliar um enorme espaço de discussão e de compreensão de seres humanizados, se restringe a diversidade, dando espaço somente aquela que busca conciliar com os ideais da família, da inclusão pela igualdade, e não pela diferença.

A visibilidade demonstrou de maneira distorcida o enorme impacto das vozes subjugadas que fizeram-se ouvir através de suas mobilizações e enfrentamentos. Foi através do questionamento cada vez maior promovido pela comunidade trans e apoiado pelas massas cisgêneras influenciadas por valores contra a desigualdade, feministas e anti-racistas que pode-se tornar a transfobia em uma opressão reconhecida amplamente. Todavia, essa manifestação de força é contraditória, e justamente pela tentativa da burguesia em esvaziar seu conteúdo subversivo, e domesticá-lo.

Esta mesma demonstração recaí no enorme risco de deixar de ser um ponto de apoio na luta pela destruição de toda a base social que estrutura a transfobia, que pré-destina as esquinas da prostituição compulsoriamente e que perpetua a idade média de 35 anos como perspectiva de vida na América Latina, e torna-se em alguns discursos em dois perigos: o de romantizar o sofrimento estrutural ou a de diminuir a confiança na força da nossa organização independente ao lado da classe trabalhadora para confiar nas instituição democráticas, estas mesmas que são os pilares da transfobia.

A luta contra Bolsonaro, Damares e os capitalistas

Justamente porque não há razão alguma por qualquer fetiche em manter nossas identidades marginalizadas como era há poucos anos atrás. Ou por não ver nenhuma novidade em tornar nossos corpos ou identidades mercadorias, retirando de nós qualquer valor, e atrelando toda a lacração ou hipersexualizando ao desejo através do consumo. É que precisamos debater estratégias verdadeiramente potentes de enfrentar a extrema direita, o capitalismo e a transfobia.

Com toda certeza, as condições que estão colocadas para a grande maioria da comunidade trans nos ajudam a desconfiar dos mitos de uma "democracia para todos". Os recorrentes casos de assassinatos sem justiça, as discriminações cotidianas, o assédio e o abuso sobre os nossos corpos, as dificuldades de afetividade, os obstáculos para um trabalho formal, a permanência nas escolas, a realização do tratamento hormonal com acompanhamento médico, a realização de procedimentos cirúrgicos para lidar com as disforias, são uma longa cadeia de violências que nos ajudam a desconfiar da ideologia dominante.

Mas é preciso compreender através do materialismo histórico, de que a opressão de gênero, a sua divisão binária, a sua regulamentação e o seu controle têm uma história determinada e interesses materiais concretos. Sem um olhar profundo e teórico não podemos almejar uma verdadeira emancipação.

StoneWall foi uma revolta. E foi assim, porque as condições que ali se relacionavam, nacional e internacionalmente determinavam isto. Foi um grito que ecoou pelo mundo. Uma demonstração da confiança, necessária e talvez sem escolha, de pessoas não heterossexuais e cisgêneras por sua sobrevivência. Esta mesma confiança é possível desenvolver com o conjunto da classe trabalhadora e que se localiza historicamente como uma potencial classe revolucionária para aniquilar esta sociedade baseada na opressão de uma miioria.

Se nós pessoas trans levarmos as palavras de Marsha P Jhonson à sério: "Nenhum orgulho para nós, sem a libertação de todas nós", então, é preciso lutar pelas massas femininas, pelas crianças, pelo conjunto da classe trabalhadora que está cindida e limitada em sua identidade e sexualidade pela exploração e pela opressão capitalista. Precisamos de uma organização profunda e potente que possa derrotar Bolsonaro, Damares e os capitalistas.

 
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