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ESPECIAL BRUMADINHO
“É dia 25 todo dia”: um ano depois do crime da Vale e a cidade está doente
Fanm Nwa
Dani Alves

No dia 25 de janeiro de 2019, às 12h28, a barragem B1 da Vale rompeu em Brumadinho, menos de 4 anos depois do rompimento da barragem do Fundão em Mariana, da qual a Vale S.A. também é dona. O rompimento lançou 10,5 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro sobre os trabalhadores terceirizados e da Vale, e sobre as comunidades vizinhas. 259 pessoas morreram e 11 vítimas ainda estão desaparecidas ou não foram identificadas no IML. O crime destruiu casas, afetou plantações e zonas de criação de animais e poluiu um rio da região — o Paraopeba, na bacia do São Francisco —, deixando consequências sérias, irreparáveis e imensuráveis.

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Foto: Reuters

Brumadinho e as cidades vizinhas ainda vivem aquele 25 de janeiro. Ele não silencia. É mantido pelo barulho do helicóptero em busca de vítimas e das máquinas retirando os rejeitos. Os locais onde os corpos eram reunidos antes de serem mandados para o IML, onde os hospitais de campanha foram montados, onde os bombeiros dormiam ou onde as doações foram guardadas não podem mais ser vistos de outra forma. É como se o tempo tivesse parado numa tristeza profunda em que foram tomados aqueles e tudo aquilo que lhes pertencia.

“O psicólogo falou que, como eu não tenho ninguém para desabafar, eu estou mordendo a mão”

Vicentina Moreira do Prado, de 42 anos, não se sente à vontade para desabafar e falar sobre seus sentimentos porque grande parte da cidade também está em luto. “Eu chego em Brumadinho, eu vou conversar com meus amigos — todo mundo perdeu alguém. O meu marido trabalha na Vale. Eu não posso conversar com ele porque ele perdeu muito amigo também. As minhas crianças são pequenas. Então, todo mundo que eu vou conversar sempre perdeu alguém lá na Vale”.

"Não tem como te explicar o que que vem na minha cabeça. Do jeito que tanta gente morreu, eu vou pôr fogo nessa casa aqui e sair. Morrer também. Sabe por quê? De agonia, tristeza". – Sônia Alves Moreira, 45 anos.

A comunidade também relata que tem sido cada vez mais difícil conseguir atendimento pelo SUS, devido à alta procura e ao aumento no afastamento de profissionais da saúde, que também adoecem, vendo tamanho sofrimento da população. Em 2019, foram cerca de 100 afastamentos contra aproximadamente 15 em 2018.

Os dados divulgados pela Secretária de Saúde do Município sobre a saúde mental da população de Brumadinho e região, são resultado dessa rotina angustiante que a população vive há um ano e mostram os números alarmantes do crescimento do número de suicídios e de tentativas de autoextermínio, aumento do consumo de antidepressivos e ansiolíticos e elevação de afastamento entre profissionais de saúde.

Segundo o secretário municipal, Júnio Araújo, o número de suicídios aumentou de 1 para 5 casos sendo 3 no município e 2 na região e o número de tentativas de suicídios, dentre os registrados, passaram de 29 para 47 em 2019. Mas o secretário acredita que o número de tentativas de suicídio possa ser ainda maior, porque muitos casos podem não ser contabilizados uma vez que a pessoa ou os familiares têm vergonha da situação e não procuram ajuda médica e/ou psiquiátrica. O uso de antidepressivos teve crescimento de 56% e o de ansiolíticos saltou para 79% em comparação com 2018. A farmácia local precisou aumentar o espaço no estoque para toda a medicação necessária atualmente.

Foto: Raquel Freitas/G1

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Parasitoses, dermatites, infecções das vias aéreas, alergias...

Outras doenças, consequências do rompimento da barragem, também foram observadas por especialistas. Um exemplo são as epidemias, como a dengue, por exemplo, que provocou 18 mortes na cidade de Betim, vizinha de Brumadinho, em 2019. Segundo especialistas, é possível que tenha havido uma alteração no ciclo dos vetores, afetado pela supressão da mata nativa, além da modificação do próprio meio hídrico, já que a água do rio Paraopeba está imprópria e até hoje não pode ser utilizada para nenhuma atividade.

Na Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Marília, pesquisadores apontam que os moradores e os visitantes da região – principalmente na época do desastre – apresentam maiores riscos de desenvolver doenças cardiovasculares como acidentes vasculares cerebrais (AVC), infarto e insuficiência cardíaca. Esse risco vem da exposição aos metais pesados (como, por exemplo, níquel, rádio, alumínio e manganês) liberados com a lama da barragem.

Além disso, doenças como diarreias, leptospirose, esquistossomose e febre amarela também podem estar relacionadas ao contato com a lama e seus rejeitos, além de outras parasitoses, dermatites, infecções das vias aéreas e alergias, e podem ter contaminado sobreviventes, bombeiros, trabalhadores de resgate e até profissionais de imprensa.

As enfermidades podem ocorrer em moradores e nos visitantes de Brumadinho e arredores do Rio Paraopeba após a tragédia e podem ter efeitos a curto e longo prazos e se estender por centenas de quilômetros do local de origem, gerando impacto nas condições de vida e dos ecossistemas. Por isso, a extensão dos danos causados pela Vale à saúde da população de Brumadinho e arredores é imensurável, mas certa.

Um ano de luto e um ano de impunidade

Já faz um ano que a Vale cometeu esse crime e a perícia ainda não foi concluída. Enquanto isso, a mineradora segue lucrando impunemente em cima da vida das vítimas e do adoecimento da população. A Vale que, diante da tragédia causada, paga pequenas multas, também atrasa o pagamento das indenizações e cortou em 50% o auxílio emergencial que as comunidades ribeirinhas recebiam. A empresa ainda é acusada de calcular possíveis custos com mortes por rompimentos, em sua insaciável sede de lucros.

O crime que a Vale cometeu em Brumadinho e, anos antes, em Mariana, escancara que não é possível um meio termo para saciar a sede de lucros dos empresários e cuidar das pessoas, dos animais e do meio ambiente. Enquanto o lucro continuar valendo mais do que as nossas vidas, a população de Minas Gerais, que já vive o medo de outras tantas barragens sob risco de rompimento, só pode esperar mais morte e lama sobre suas cabeças. É urgente lutar pela reestatização da Vale sob gestão dos trabalhadores e controle da população, colocando a vida, a saúde mental e o meio ambiente em primeiro lugar, para que as vastas riquezas do subsolo brasileiro não sirvam aos capitalistas, mas sim aos interesses de toda população. Sem medo de um novo mar de lama destruindo do nosso mar de morros.

 
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