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HISTÓRIA
O Tratado de Brest-Litovsk, Imperialismo e a Revolução Russa
Rosa Linh
Estudante de Relações Internacionais na UnB

Um espectro rondou a Europa na Primeira Guerra Mundial. O elo fraco da cadeia imperialista, a Rússia insurge na primeira grande revolução proletária vitoriosa da história. Parte desse processo se deu na assinatura do Tratado de Paz de Brest-Litovsk, num acordo que exprimiu a tentativa de cerco imperialista à ofensiva comunista soviética.

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Um espectro rondou a Europa na Primeira Guerra Mundial. O elo fraco da cadeia imperialista, a Rússia – exposta frente o confronto chauvinista dos Estados burgueses europeus, capitaneados pelos interesses dos grupos capitalistas que disputavam mais e mais quinhões para seus impérios mundo afora – insurge na primeira grande revolução proletária vitoriosa da história. Parte desse processo se deu na assinatura do Tratado de Paz de Brest-Litovsk, num acordo que exprimiu – como diria Marx, primeiro em tragédia, depois em farsa – a tentativa de cerco imperialista à ofensiva comunista soviética. O Tratado foi, em certa medida, uma paz vergonhosa, mas necessária – como bem diria Lênin –, que fez a Rússia perder diversos territórios, mas também se mostrou essencial para consolidar o governo bolchevique internamente, diante de uma já deflagrada Guerra Civil e uma vontade de paz do povo soviético. O Tratado ajudou a lapidar as diferentes forças do Partido, contrastando e exprimindo a gênese das contradições internas do processo revolucionário, este que enfrentou um vigoroso contra-ataque provocados pelos interesses mesquinhos e usurpado do imperialismo. Diante das condições materiais impostas, a já instaurada União Soviética, após, sobretudo, a Guerra Civil e a morte de Lênin, passa aos poucos por tornar-se um Estado burocrático e policial, consolidado, por fim, sob comando de Stálin. Diante dessa perspectiva contextual, proponho-me a analisar o Tratado de Brest-Litovsk e sua contribuição para a história – épica, por um lado, trágica, por outro – da Revolução Russa e da União Soviética. Esse Tratado é uma das peças fundamentais para o entendimento do processo revolucionário russo e seu legado, bem como para interpretar a construção, os caminhos e as possibilidades da revolução brasileira e internacional no mundo atual.

Faz-se necessário, portanto, esmiuçar o balanço histórico já feito. O primeiro ponto crucial para compreender o Tratado é, sem dúvida, a Primeira Guerra Mundial. É a partir dela que o líder da Revolução de Outubro, Vladmir Lênin, rompe com a socialdemocracia internacional que, para sua surpresa, apoia a “guerra de rapina” como ele mesmo a chamou, e constrói, paulatinamente, sua mais ambiciosa estratégia: do pacifismo anti-chauvinista de 1914 à revolução de trabalhadores em armas contra o Estado burguês russo em outubro de 1917. O posicionamento do líder soviético para com a guerra era de saída imediata – o que é a guerra se não um ponto crítico das contradições do capitalismo internacional?

Delegação bolchevique em Brest-Litovsk. Sentados, desde a esquerda: Lev V. Kamenev, Adolff.A.Ioffe, Anastasia A.Bitzenko. De pé: V. V. Lipskiy, P. Stučka, Lev D. Trotsky, Lev M.Karakhan

A conjuntura dos armistícios pós-Grande Guerra, os Tratados de Versalhes e de Brest-Litovsk, por exemplo, nada mais representava a investida imperialista sob os conclamados de vergonhosos perdedores da Alemanha e os famigerados comunistas russos, respectivamente. Todavia, a partir de uma interpretação dialética da história, é possível compreender que ambos os acordos fizeram ecoar as forças revoltadas das classes oprimidas, tornadas maduras pelos mesmos e há muito espoliadas pela guerra e condições materiais exploradora. Na malha complexa do desenvolvimento histórico, algumas peças do quebra-cabeça se contrapõem e fazem refletir na materialidade das classes dominadas a condição e propulsão da revolta popular. É fato que, ao contrário do que esperavam os bolcheviques, a revolução mundial não se alastrou devido a falha da Revolução na Alemanha – a qual desembocou, impavidamente, num recrudescimento tal do Estado burguês nunca visto: o nazismo, movimento de extrema-direita, anti-comunista e dedicado a salvaguardar o Estado opressor e burguês nacional. Para a Rússia, porém, o Tratado, apesar de seus entraves, ajudou a consolidar o Estado Bolchevique diante da Guerra Civil e da perspectiva econômica do “Comunismo de Guerra”. Nas próprias palavras de Lênin:

“A paz de Brest-Litovsk, ditada pela Alemanha monárquica, e depois a paz, muito mais brutal e infame, de Versalhes, ditada pelas repúblicas ‘democráticas’ da América e da França e pela ‘livre’ Inglaterra, prestaram um serviço extremamente útil à humanidade, desmascarando os ‘coolies da pena’ a soldo do imperialismo do mesmo modo que os pequeno-burgueses reacionários que, embora dizendo-se pacifistas e socialistas, entoavam louvores ao ‘wilsonismo’ e procuravam mostrar que a paz e as reformas são possíveis sob o imperialismo.” (LÊNIN, Vladimir; 1916, p.11)

Dessa forma, a Primeira Guerra Mundial pavimentou o caminho para a insurgência da Revolução, tanto pela chacina popular deflagrada, quanto pelo desgaste, já muito maduro, frente o governo czarista. A tomada do poder pelos mencheviques, em fevereiro, instaurou um Estado liberal burguês, preocupado em defender a propriedade privada e manter a Rússia na guerra – apesar de ter instaurado um governo mais democrático e com maiores liberdades formais. Os bolcheviques, liderados por Lênin, pediam “todo poder aos sovietes” e eram contrários ao Governo Provisório menchevique. Em outubro, então, insurge a tomada do Estado pelos trabalhadores, organizados pelo partido de vanguarda e de massas – sob a égide da força dos proletários armados. Se dá, portanto, a instauração do governo revolucionário. Desde então, o cerco imperialista já se impunha. Muitas potencias europeia financiaram grupos de direita, pró-czaristas, mencheviques; fora toda investida militar, sobretudo alemã e austro-húngara com o “cordão sanitário”, sobre os territórios russos. Deflagra-se, então, a Guerra Civil – sobretudo nas regiões periféricas e com diferenças étnicas, como na Ucrânia, onde os conflitos entre diferentes grupos políticos eram mais fortes e os bolcheviques não tinham apoio tão massivo como em Petrogrado (atual São Petersburgo), Moscou, entre outros. As primeiras atitudes do partido foram abolir a propriedade privada e distribui-la aos camponeses, confirmando seu compromisso popular do lema “Paz, Terra e Pão”.

As duas primeiras páginas do tratado de Brest-Litovski. Da esquerda para a direita, em alemão, húngaro, búlgaro, turco e russo

É a partir de toda essa conjuntura que se constroem os esforços pela saída da Rússia socialista da guerra. Em 26 de outubro, o Congresso Soviético enviou um “radiograma para todas as nações e governos, chamando por um armistício imediato baseado no direito das nações de autodeterminação e repudiava todas as anexações e indenizações”. A Alemanha informou o governo soviético em 14 de novembro que estava apta a negociar, todavia o interesse dos germânicos era contar com a queda do regime bolchevique diante dessa política. Ora, um tratado de paz seria benéfico para o Império Alemão, uma vez que assim poderiam focar em sua campanha no ocidente europeu. Em 9 de dezembro, as negociações de paz foram abertas em Brest-Litovsk, mas para tanto, as condições do Império Austro-húngaro e da Alemanha eram a cessão dos territórios russos orientais, tais como a Polônia, Lituânia e outros. A Ucrânia adentra as negociações demandando a autodeterminação para com a Rússia, apoiada pelas potencias das Potências Centrais, apesar de que já havia sido determinada pelo Governo Provisório a autonomia relativa do território, em 1917. Dessa forma, a delegação soviética teria que contar com demandas extremamente prejudiciais, como a perda de territórios estratégicos como a Ucrânia, a fim de assegurar sua saída, também crucial, da guerra. Além disso, a expectativa de uma revolução socialista na Alemanha era um ponto muito importante para os bolcheviques, algo que acabou por não ocorrer.

Dessa contraposição de forças do imperialismo nacionalista capitaneado pela Alemanha e os interesses dos bolcheviques russos, forma-se a questão central que levou a separação no seio do Partido Comunista Russo. A divergência fundamental estava posta e uma conciliação não seria mais possível, nem provável, posteriormente: seria preciso aceitar ou negar os termos realmente prejudiciais das Potências Centrais a fim de um armistício para a Revolução? Por um lado, formava-se um grupo, apoiado pelos social-revolucionários de esquerda que eram enfaticamente contra aceitar os termos do armistício. Contudo, Lênin divergiu essencialmente da visão desse grupo por não entender que as condições pragmáticas da aceitação dos termos do Tratado deveriam ser tomadas a partir de uma visão idealista e pouco factual da conjuntura: o povo soviético apoiou a Revolução de Outubro, também, pela promessa de saída da guerra. Era preciso a paz para estabelecer um governo proletário estável – e já com todas as contradições da Guerra Civil em deflagração. Assim, Lênin foi apoiado por Sverdlov, Sokolnikov, Smilga e, posteriormente, por Stálin – o mesmo que, tempos depois, se aliaria com Buhkarin formando a “Oposição de Direita”, contrastando com a “Oposição de Esquerda” liderada por Trotsky. Dessa forma, os termos da Alemanha foram aceitos, finalmente, em 24 de fevereiro. O resultado foi o seguinte:

“Para a Alemanha, representou apenas uma solução parcial, porque, diante da instável situação política na Rússia, forças consideráveis ​​estavam alocadas no Oriente, sendo necessárias na campanha do Ocidente. Para a Rússia, por outro lado, foi uma catástrofe nacional de proporções tremendas. Embora argumentos nacionais e históricos pudessem validamente ser usados ​​para a secessão da Rússia dos territórios ocidentais na Finlândia e Polônia e dos países bálticos, a situação era diferente no sul. A Ucrânia estava ligada à Grande Rússia por inúmeros laços profundamente ancorados na consciência histórica. A herança cultural comum era mais forte que as diferenças linguísticas. A perda da Ucrânia era economicamente insuportável; isso significou a perda do celeiro mais rico da Rússia e dos depósitos de carvão e ferro.” (RAUCH, George von; 1962, p. 76)

Creio que o Tratado de Brest-Litovsk, portanto, demonstra impiedosamente como o imperialismo, muito bem descrito por Lênin em sua obra, se expressa na materialidade. A guerra mundial, o embate das potências industriais, a insurgência da revolução russa – esses elementos exprimem o carácter dialética da história: a tese – capitalismo imperialista dependente – se contradiz com a antítese – a construção material da consciência de classe proletária exausta e disposta a luta do proletariado – promove uma síntese, uma erupção radical, uma mudança quantitativa promovendo outra qualitativa – a revolução socialista:

“De tudo o que deixamos dito acerca da natureza econômica do imperialismo, resulta que devemos caracterizá-lo como um capitalismo em transição, ou mais exatamente, como um capitalismo agonizante.” (LÊNIN, Vladmir; 1916, p.125)

Não é possível conciliar interesses de classe antagônicos – é o que a doutrina marxista acerca do Estado compreende. Faz-se possível entender como a tomada revolucionária e popular do poder pode enfrentar diversos empecilhos externos. Ora, somente com a expansão da Revolução, da periferia, do elo mais fraco do sistema internacional de capitalismo dependente, para outras partes em intensas contradições e de condições materiais maduras de revolta e consciência de classe que se poderá formar, concisamente, a formação de um polo de poder socialista e de trabalhadores no mundo a fim de combater a hegemonia capitalista mundial.

O sonho de Lênin, contudo, não sucumbe no vazio, pois esse sempre possuiu base material e dialética. Revoluções já foram irrompidas e tornaram-se vitoriosas. As condições da classe trabalhadora mundial permanecem, sob o jugo do capitalismo imperialista, em estado decadente e calamitoso. Ora, as condições materiais existem e a experiência também. Evidente que, a União Soviética, a experiencia do socialismo em um só país, o Estado burocrático que dissolveu os sovietes e o trabalho autogerido dos operários mostrou-se insustentável e tendeu à volta do capitalismo. Agora, as conquistas históricas da Revolução, as libertações nacionais na Ásia e África, os direitos trabalhistas mundo afora, a derrota dos nazistas na Segunda Guerra e, sobretudo, a possibilidade real de tomada do poder do Estado pelo proletariado – essas vitórias ficam. O Tratado de Brest-Litovsk é apenas uma das peças do complexo quebra-cabeça do ensaio da revolução permanente. Os méritos e deméritos ficam – o que resta, agora, ao proletário mundial, é o sonho necessário, mas material, a luta diária, a revolução: ora, basta construí-la!

Referências

LÊNIN, Vladmir Ilitch; Imperialismo: Fase Superior do Capitalismo. 4. ed. São Paulo: Global, 1987. p. 7-127.
RAUCH, Georg Von; A History of Soviet Russia. 3. ed. Charlottesville: Praeger, 1962. p. 3-524.

 
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