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CULTURA
O poeta na luta de classes
Afonso Machado
Campinas

Uma tempestade vinda do Chile transformou toda paisagem política da América Latina.

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Num único e imenso corpo as massas se movem... São milhares de braços levantados, é uma multidão que caminha em passos acelerados, é um mar de olhos atentos. Uma imensidão de trabalhadores despertos compõe um gigantesco punho cerrado contra o governo burguês, contra a falência do modelo neoliberal. A classe dominante reage... Enquanto a águia imperialista dos EUA pousa sobre a colina mais alta para observar os insurrectos latino americanos e revelar seu verdadeiro bico de corvo, as forças reacionárias da Bolívia descem as ruas armadas com bíblias, fuzis, rosários , pistolas e preces nacionalistas. No Brasil, o traje do AI-5 já está ás vendas nos grandes açougues. Aliás, a caduca e odiosa Lei de Segurança Nacional volta a estar na ponta da língua daqueles brasileiros que possuem a nostalgia do autoritarismo. O que um poeta latino americano poderia fazer neste contexto histórico?

Palavras são usadas para expressar, representar o movimento da realidade. Mas diante da impossibilidade da palavra criar o mundo, existem aqueles que se exilam nos textos para fugir do mundo. Notamos na referida paisagem política perturbadora, intelectuais completamente perdidos. Muitos deles estão sentados num ponto de ônibus que encontra-sedesativado. Outrossim, a história não perdoa aqueles que flutuam enquanto a barra pesa.As balas zumbem por ai. As pichações de muro aparecem como profecias que fazem uso de palavrões. Mendigos amontoam-se em volta de um gigantesco cacho de marimbondos. Trabalhadores começam a acordar de um longo transe, perplexos, com os bolsos vazios, desconfiados de que a onça pintada da nota de 50 reais não passa de um gato que não tomou vacina para Raiva. No Brasil, quem leva a sério a poesia não pode conversar na língua dos invisíveis.

Seria no mínimo pertinente nos perguntarmos se ainda existe a possibilidade de um poeta influenciar a opinião pública. Certamente a poesia não está morta na medida em que o poético vai além do literário. Claro, seria puro quixotismo tentar convencer as pessoas de que a poesia vale mais do que armas e maquiagem; até porque o hábito de ler poemas restringe-se ainda a uma minoria no Brasil. Mas quando o tempo fecha e os relâmpagos tornam-se condutores de energias políticas contestadoras, a poesia quase sempre ganha as ruas com palavras de ordem e atos de rebeldia. Em nossa época a poesia precisa exercer uma participação política contundente e por variados caminhos estéticos. A história nos ensina que da Revolução francesa de 1789 pracá, as fronteiras da poesia e da política são derrubadas pela imaginação subversiva. Na verdade, os efeitos políticos perturbadores da poesia já eram percebidos muito antes disso. Platão, um dos pais da Filosofia e cúmplice do modo de produção escravista, percebeu na Grécia Antiga a natureza subversiva da poesia e expulsou os poetas da sua república.Todavia, quem escreve versos no Brasil de hoje não está diante de grandes filósofos como Platão, mas de fundamentalistas raivosos, de uma direita cuja ignorância excluiinclusive a Antiguidade Clássica do seu horizonte cultural. Para essa gente conservadora toda a história da humanidade estaria contida apenas no Antigo e no Novo Testamento.

Certo, a poesia encontra outros grandes obstáculos. A mercantilização da vida procura minar e castrar a poesia. Há tempos que a lua não compete com os aparelhos eletrônicos. Mesmo as estrelas, com luzes enferrujadas, não escapam da baixeza espiritual quando são usadas para recarregar as baterias dos celulares . Paradoxalmente, a maioria dos poetas de hoje difundem seus versos através das tecnologias digitais: poeta que é poeta saca o papel da dialética. Porém, isto não diminui o tamanho do obstáculo capitalista para o desenvolvimento da poesia. Ser comprado e vendido no mercado sempre foi um pressuposto da civilização capitalista. Mas o desejo de ser coisa, de anular-se enquanto sujeito para tornar-se algo inorgânico, radicalizou recentemente a tal ponto o processos de alienação que a memória e o ato de rememorar referem-se, muitas vezes, a um passadofeito de plástico, a um grande entulho de mercadorias nostalgicamente encalhadas. Será que lembranças hoje só servem para serem expostas nas vitrines das redes sociais? Não, a memória possui sérias implicações políticas.

O proletariado só irá atingir o pleno desenvolvimento da sua consciência de classe se compreender que ele está inserido na longa trama da luta de classes. O proletário encontrará seu caminho emancipador na rememoração das lutas do passado. Assim sendo, a poesia que fala a língua da revolução possibilita um contato crítico com os acontecimentos passados. Quando as massas se agitam a poesia torna-se inflamada. As tradições revolucionárias, inclusive latino americanas, abastecem os poetas. Impossível pensar a trincheira dos movimentos sociais sem poetas.

 
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