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ARÁBIA SAUDITA
Até onde pode chegar Trump para responder o ataque contra o petróleo saudita?
Claudia Cinatti
Buenos Aires | @ClaudiaCinatti

O ataque contra Aramco, o coração petroleiro da Arábia Saudita e por consequência um dos centros de gravidade da economia mundial, marca um ponto de inflexão para a situação no Oriente Médio com consequências globais.

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O possível ataque contra instalações sauditas foi uma das principais hipóteses de alto risco geopolítico durante décadas, notavelmente durante as guerras do Golfo. Existem antecedentes falidos, como a tentativa de atentado suicida da Al Qaeda em 2006. Mas desta vez a tão temida hipótese se concretizou. Ainda não existe uma versão consensuada entre a Arábia Saudita e os Estados Unidos sobre as explosões ainda que tenha todos os ingredientes das guerras assimétricas: obter o maior impacto possível utilizando meios pouco sofisticados e baratos. Por isso, muitos analistas consideram que estes atentados tem o potencial de transformar-se em um “11S do mercado petroleiro”.

Ainda é muito cedo para medir os efeitos na economia, sem dúvida se soma à lista de acontecimentos, como as guerras comerciais, que potencializam as probabilidades dos cenários recessivos. O alcance dependerá de se o impacto econômico e geopolítico possa ser contido por meios mais ou menos rotineiros, ou se, pelo contrário, o incidente conduzirá a uma escalada que poderia resultar em uma nova guerra no Golfo Pérsico.

A monarquia saudita transmitiu uma mensagem tranquilizadora, prometendo restaurar os níveis de produção até o fim de setembro, mas o dano já está feito e tem um aspecto irreversível: ter deixado exposta a insuspeitada vulnerabilidade de uma infraestrutura de valor estratégico.

Ainda mais grave. A vulnerabilidade da Arábia Saudita questiona objetivamente a capacidade policialesca dos Estados Unidos, que é o principal provedor de armamento e sistema anti-mísseis do reino saudita. Por isso vai adquirindo a dimensão de um problema de segurança nacional para o imperialismo norteamericano, para além do próprio Oriente Médio.

A ação foi reivindicada pelos houthis, a fração pró-iraniana, que disputa uma guerra civil sangrenta no Iêmen com milícias apoiadas pela Arábia Saudita e pelos Estados Unidos.

Como costuma acontecer com estas ações, teorias da conspiração abundam. Existem aqueles que dizem que por trás da explosão está a “ala dura” da teocracia iraniana, ou até os que especulam sobre uma conspiração de falcões norteamericanos e israelistas, militantes ativos da mudança de regime, para ter um
fato suficientemente grave para) que justifique uma ofensiva militar contra o Irã.

As grandes mídias empresariais, através das quais se pronunciam as diferentes alas do establishment norteamericano, tem imposto o sentido comum que de uma ou outra forma o regime iraniano estaria por trás dos atentados, ainda que não consigam apresentar nenhuma prova, nem explicar com claridade qual vantagem conquistariam.

O governo dos Estados Unidos está tomando um tempo para dar sua versão dos fatos e pensar estrategicamente como responder. A repressão do impulso twittero de Trump pode ser um indicador da magnitude da crise.

Tanto a Casa Branca, quanto Ryad, estão em busca de “provas” que permitam responsabilizar diretamente o Irã e sirvam para legitimar uma eventual resposta. A viagem do secretário de Estado norteamericano, Mike Pompeo, a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos estão em função deste objetivo. Não casualmente já se definiu que se tratou de um “ato de guerra” por parte do Irã.

No entanto, Washington não falou em uníssono. Pompeo rapidamente acusou o Irã, algo que até agora não foi feito por Trump. As diferenças em torno da polícia frente ao Irã se ouvem publicamente. Sem ir mais longe, o Irã foi uma das razões que fizeram com que o Presidente se desfizese do seu assessor de Segurança Nacional, John Bolton.

Estas diferenças são de estratégia. Trump usa a retórica beligerante e as sanções com o objetivo de conseguir um novo acordo com maiores concessões do regime iraniano. Por isso chegou a flertar com a ideia de se reunir com o presidente Hasan Rohani. Os falcões como Bolton não se contentam com ameaçar, mas impulsionam a linha belicista. E nisto entram em muito boa sintonia com aliados como ele, o até agora, primeiro ministro israelita Benjamin Netanyahu.

Dentro da sua estratégia de pressionar para negociar, Trump tem mantido uma relativa ambiguidade, o que está sujeito a perigosos erros de cálculo. O presidente oscila entre ameaçar com condenar à “última opção” para castigar o Irã e se lamentar do que significaria para os Estados Unidos se ver envolvido em uma nova guerra com o Oriente Médio. A nomeação de Robert C. O’Brien como seu quarto assessor de Segurança Nacional mantém o equilíbrio com os falcões, mas não necessariamente implica que se decidiu por uma ação militar no território iraniano, que segue sendo a opção menos provável.

Pela sua parte, o Irã segue negando enfaticamente que tenha sido o arquiteto destes atentados. Sua posição, como expressou com claridade o ayatola Ali Khamenei, líder supremo da República Islâmica, segue sendo resistir à pressão norteamericana de uma posição que sintetiza na seguiente fórmula: “sem guerra e sem negociação”.

O certo é que para além de quem tenha sido que apertou o detonador, o incidente deixou o governo dos Estados Unidos em uma posição dilemática difícil de resolver. Se Trump não responde estaria deixando passar sem consequências um ataque contra um dos centros de gravidade da economia internacional. Um precedente ruim que poderia convidar a adotar como método este tipo de ataques assimétricos. Mas se o faz com uma resposta por fora da correlação de forças corre risco de iniciar um conflito bélico regional que pode arrastar os Estados Unidos a um novo pesadelo militar quando ainda não pôde concluir as intervenções no Iraque e no Afeganistão. Outra guerra impopular no Oriente Médio é o que menos precisa Trump quando já se lançou a campanha pela sua reeleição.

O cenário que parece mais provável é que os Estados Unidos optem por políticas mais duras, mas alternativas à um ataque militar. Reforçar o afogamento econômico e isolamento diplomático do Irã por exemplo. Ou incrementar a presença militar nas proximidades do Estreito de Ormuz. De fato Trump já anunciou que vai aprofundar as sanções econômicas de maneiras unilateral.

Como parte desta política, Washington poderia utilizar o ataque contra a petroleira saudita para pressionar as potências europeias para que abandonem definitivamente o acordo nuclear com o Irã. Mas é duvidoso que o consiga porque Europa está em outra sintonía e busca ser facilitadora de uma estratégia de saída ainda que não lhe dê localização para se enfrentar abertamente com Trump. Neste sentido caminhava o plano do presidente francês, Emmanuel Macron, que ofereceu uma linha de crédito de 15 bilhões de dólares ao regime iraniano para atenuar os efeitos das sanções e assim desescalar o conflito.

Trump tem um sério problema de credibilidade internacional para qualquer opção, aprofundado pela sua predileção pelo unilateralismo e a hostilidade manifestada contra aliados históricos como a Alemanha. Isso sem mencionar a monarquia saudita encabeçada pelo príncipe Salman que ordenou a execução esquartejamento do jornalista

por uma força-tarefa, um opositor surgido do cerne da coroa que se hava exilado em nada menos que os Estados Unidos e escrevia para o Washington Post.

Para além da conjuntura, o atentado colocou em evidência que o tenso status quo que regeu o último ano e meio, desde que os Estados Unidos se retiraram do acordo nuclear com o Irã.

O que parece estar fracassando é a semiestratégia com a qual Trump substituiu o modelo da pressão imperial “multilateral” de Obama. Essa estratégia intermediária consistiu em recompor um eixo regional com a Arábia Saudita e Israel e exercer "pressão máxima" no Irã com um sistema de sanções econômicas. O objetivo era duplo. Em um plano doméstico apontava apaziguar os falcões pró-israelitas. No plano da política exterior era uma aposta para que o afogamento econômico obrigue a teocracia a renunciar às suas aspirações hegemônicas e limitar o alcance da sua esfera de influência que hoje se estende ao Líbano, Síria, Iraque e Iêmen. Ou seja, resolver o desafio regional que coloca Irã aos Estados Unidos e seus aliados sem pagar o curso de fazer concessões generosas, nem ir à guerra.

A “pressão extrema” não levou até agora à capitulação do regime iraniano, pelo contrário, parece ter redobrado a aposta, começou a romper os limites impostos pelo acordo nuclear, e a responder ofensivamente retendo barco petroleiros no Estreito de Ormuz, considerando-se liberado do compromisso, dado o descumprimento do principal promotor do acordo. O Irã especula com a falta de vontade de Trump para embarcar em uma nova guerra. Até agora a realidade lhes deu razão, ainda que isso possa mudar.

Neste marco de crescentes tensões devem ser lidos os recentes resultados das eleições no Estado de Israel. O cenário de empate catastrófico entre o atual primeiro ministro, o ultradireitista Benjamin Natanyahu, e o militar que agora lidera o partido de direita Azul e Brando, Benni Gantz, se manteve, sem que nenhum tenha votos suficientes para formar um novo governo. O quadro se completa com o avanço do ultradireitista, mas laico, Avigdor Lieberma e o fortalecimento do bloco árabe que desta vez se apresentou unificado e consiguiu a terceira votação. A divisão é profunda e já não é econômica, nem tampouco entre “pombas” e “falcões” já que ambos são profundamente colonialistas e anti-palestinos. Netanyahu deu um giro ao fundir religião e política para consolidar sua aliança com os partidos da direita religiosa. E segundo as contas das maiorias parlamentárias, o que restaria para Gantz como opção para formar governo é tentar o bloco árabe. Lieberman é contrário a ambas alianças e clama por um governo de unidade nacional entre o Likud, o Azul e Branco e seu próprio partido mas sem Netanyahu.

O problema que tem “Bibi” é que não está em jogo apenas suas carreira política, mas também sua liberdade pessoal. Fora do governo poderia terminar preso pelas múltiplas acusações de corrupção que enfrenta.

Netanyahu se apresentou como o único amigo de Trump e o único capaz de negociar uma solução favorável aos interesses do Estado de Israel com os Estados Unidos.

Mas o presidente norteamericano já cheirava sua debilidade e lhe soltou a mão em plena campanha. Não endossou a anexação dos territórios da Cisjordânia, que Netanyahu havia sugerido como parte do plano de Trump para o conflito, e uma vez conhecidos os resultados abriu o guarda-chuva dizendo que o aliado é Israel e não um eventual governo.

Adiante teremos semanas intermináveis de discussão, nas quais não se pode descartar que Netanyahu radicalize suas posições belicistas contra o Irã, colocando mais lenha na fogueira.

Neste contexto fluído, as tensões acumuladas podem alcançar um ponto de ebulição e qualquer acidente ou erro de cálculo desencadear um conflito que excederá em muito as fronteiras do Oriente Médio.

 
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