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IMIGRAÇÃO EUROPA
A elite alemã começa a dar-se conta: a crise migratória é um formidável fator de transformação social
André Barbieri
São Paulo | @AcierAndy

A política dos governos europeus diante do problema migratório é essencialmente xenófoba e racista, como mostram desde David Cameron no Reino Unido, até o ultraconservador Viktor Orban, que permitiu que o Exército abra fogo contra os imigrantes “que não colaborarem”. Mas a forma mais sutil e venenosa da xenofobia sai do gabinete da chanceler alemã, Angela Merkel. A sua tese da “separação” entre refugiados legais e “imigrantes ilegais” (que expulsa da Alemanha a população oriunda dos Bálcãs) é a base da política de repressão e encarceramento de imigrantes na Europa. Então, por que a direita está descontente com ela?

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O Ministro do Interior alemão, Thomas de Maizière, talvez o mais leal membro do gabinete da chanceler, se converteu nesta quinta-feira no protagonista de uma possível revolta no partido de Merkel, a direitista CDU (União Democrata Cristã). Tudo por causa da política de asilo de Merkel. Em um programa político da cadeia televisiva ZDF, De Maizière fez de Merkel a responsável pelo caos que provocou a abertura das fronteiras aos refugiados presos em Budapeste.

Segundo o decreto da Oficina Federal de Migração e Refugiados, estaria suspenso o Protocolo de Dublin, que permitia que um governo enviasse os refugiados de seu território de volta ao país que primeiramente o registrou. Assim, milhares de refugiados sírios, que fogem das guerras promovidas pela ditadura patrocinada pelo imperialismo europeu, de Bashar El-Assad, ou dos bombardeios da OTAN contra o Estado Islâmico, poderiam ficar na Alemanha.

“O caos se produziu pela decisão do governo de trazer à Alemanha todas as pessoas que estavam na Hungria”, disse Maizière, sem mencionar Merkel, mas deixando nas entrelinhas a crítica à chefe de estado. “Ninguém contava com a massiva afluência de refugiados que ocorreu. Temos de trabalhar para ter uma fronteira de facto para a imigração. Do contrário, não poderemos controlar a chegada dos refugiados.”

Essa crítica foi ecoada por diversos jornais. O periódico Bild escreveu que “O ministro do Interior critica publicamente a decisão de Merkel”. O Frankfurter Allgemeine Zeitung escreve que “De Maizière critica indiretamente Merkel pelo caos com os refugiados”. O Die Zeit vai além num artigo intitulado “Já não é nossa Merkel” e diz que “Cresce o nervosismo, não só na direita. Com sua política de asilo Merkel ameaça dividir a CDU,” assinalando que as fileiras conservadoras não estão de acordo com a eliminação do Protocolo de Dublin.

A crise política só não foi maior porque Merkel cedeu à pressão das críticas. Depois de duras críticas do governador da Baviera, Horst Seehofer (da CSU, partido aliado a Merkel), que qualificou o ato de “grave erro que terá conseqüências durante muito tempo no país", e de outros 16 estados regionais, Merkel reintroduziu os controles fronteiriços com a Áustria, pondo a perder a “grande conquista da União Europeia civilizada”, a livre trânsito nas fronteiras. Mais, tirou da tumba o recentemente enterrado Protocolo de Dublin.

O significado por trás de “boa política de asilo” de Merkel é impedir que os refugiados se instalem no país de sua escolha, e segregar os “legais dos ilegais”, opondo imigrantes de diferentes nacionalidades entre si. Mas o incômodo tem raízes que não foram ditas pelo establishment.

O dilema da necessidade de explorar e o temor de convulsões sociais

A retórica pública sobre deter a imigração que enlouquece a Europa esconde uma aspiração de outro tipo: a intenção do imperialismo europeu não é impedir a imigração. Os estados capitalistas não podem dispensar de um certo volume de trabalho imigrante, de trabalhadores temporários hiperflexíveis que, constrangidos pela sua própria situação, sejam obrigados a aceitar qualquer sacrifício e a superexploração do trabalho.

Para diminuir os riscos de convulsões sociais provocadas pelo fortalecimento da internacionalização da classe trabalhadora num Estado através intersecção de trabalhadores nativos e imigrantes, a burguesia se utiliza das divisões entre fronteiras nacionais para acentuar o antagonismo entre trabalhadores nativos e imigrantes, entre trabalhadores imigrantes de diferentes nacionalidades e inclusive entre os de uma mesma nacionalidade.

Mas a preocupação latente é: quais as conseqüências profundas de acrescentar dezenas de milhares de trabalhadores estrangeiros no quadro social europeu? São essas “conseqüências a longo prazo no país” que tiram o sono do governo bávaro.

De fato, no último período a população alemã crescentemente veio se solidarizando com os imigrantes e lutando por seus direitos. As batalhas contra a polícia alemã em Hamburgo, para resguardar o direito de moradia dos imigrantes; o ato de 10.000 pessoas em Dresden contra as bandas neonazistas que atacaram um centro de acolhimento de refugiados, e a grande campanha de diversas torcidas da primeira divisão do futebol alemão “Refugiados, bem-vindos!”, mostra que a burguesia tem dificuldade em popularizar o ataque aos direitos sociais e políticos dos estrangeiros.

Segundo Pietro Basso a Alemanha, um país que nos anos 30 e 40 se embriagava em seu delírio nazista em voltar a ser etnicamente pura, hoje tem 20% de sua população com Migrationshintergrund, ou seja, alguma ascendência imigrante.

Os países capitalistas avançados (Estados Unidos, Canadá, a Europa ocidental) tem uma necessidade vital e inesgotável de trabalhadores imigrantes. As empresas usam essa mão de obra para sustentar competitividade e rebaixar o salário geral dos trabalhadores alemães, além de administrar o envelhecimento da população. Mas essa exploração comum tende a estreitar os laços comuns de trabalhadores de distintas nacionalidades, e para usar um termo de Basso, triturar as diferenças nacionais.

“O ato que destrói é o mesmo que cria”. Este dilema é a razão das preocupações crescentes da burguesia alemã, cujo racismo e xenofobia podem ser a raiz de instabilidades futuras que nem a poderosa burocracia sindical germânica seja capaz de conter.

Os trabalhadores não têm pátria: uma bandeira diante da crise migratória

A burguesia mundial, em meio à crise migratória, está se dando conta de que sua violência brutal de seu militarismo começa a ser um formidável fator de transformação social. “As migrações internacionais, de fato, acumulando seus efeitos no tempo, não deixam nada em seu lugar, nem nos países de partida, muito menos nos de chegada. De um lado, ligam com fios de aço os países de emigração ao mundo inteiro no plano material, cultural e político. De outro, depois dos Estados Unidos (uma nação de imigrantes), estão transformando definitivamente as sociedades europeias, em sociedades ‘pluriraciais, plurinacionais e pluriculturais’”.

Os 60.000 imigrantes que entraram na Alemanha só nesta semana são parte deste fenômeno. À chegada massiva de refugiados, o governo de Munique, Dieter Reiter, enviou um comunicado dizendo “Já não sabemos o que fazer com os refugiados”. Os trabalhadores das ferrovias, contra a advertência do governo austríaco, continuam trazendo refugiados para o país, solidariedade que se mescla a da população, que levou comida e colchões á estação ferroviária de Munique.

Por isso, a unidade dos trabalhadores independente dos países de origem é fundamental para enfrentar o racismo da burguesia europeia. É necessário enfatizar o conteúdo do internacionalismo que ligue indissoluvelmente a defesa de plenos direitos sociais e políticos para os imigrantes à luta anti-imperialista da classe trabalhadora européia contra os estados nacionais capitalistas e suas fronteiras.

 
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