Os realizadores da Mostra, nesta edição sob o tema "Sem revolta jamais haverá justiça", não concordaram com a censura de três dos filmes da programação e em nota, divulgaram o cancelamento do evento
O governo segue aprofundando a censura a conteúdos que considera "inapropriados". Foi publicada ontem nota de cancelamento da 3° edição da Mostra do Filme Marginal no CCJ, que havia sido aprovada via edital aberto no ano passado, para ocupação do Centro Cultural da Justiça Federal que previa a realização da 3° edição este ano, no Rio de Janeiro. Acontece que, após o envio da programação a ser exibida, a equipe de organização da mostra foi comunicada que três dos filmes deveriam ser cortados.
"Não concordamos com o entendimento da instituição e nos posicionamos contrário a postura da mesma", declara a equipe em trecho da nota. Não foram ainda dadas muitas declarações sobre o ocorrido, nem mesmo os selecionados foram amplamente esclarecidos. Moisés Pantolfi, diretor do curta de animação "Interrogação", um dos conteúdos selecionados pelo edital, conversou com o Esquerda Diário e afirma: "Tudo que eu sei é o que está na nota oficial na página da Mostra. Eles não revelaram para nós quais filmes foram censurados".
Ainda segundo informações da nota, "Após diálogo da equipe e contato com os diretores dos filmes, solicitamos uma reunião com a direção do Centro Cultural da Justiça Federal com a participação dos realizadores, por entendemos ser importante garantir o direito aos mesmos, além de tentarmos coletivamente, resolver a questão. Esgotadas as vias institucionais, os realizadores e a Mostra não concordaram com as motivações apresentadas e não aceitaram a solução sugerida pelo CCJF".
A Mostra do Filme Marginal, nesta terceira edição sob o tema "Sem revolta jamais haverá justiça", é uma iniciativa que impulsiona a divulgação de produções independentes, promovendo a difusão dos projetos e assim, organicamente possibilita a formação de público para um cinema popular, sempre trazendo na bagagem temáticas marginalizadas pelo capitalismo e os conteúdos, estéticas e assuntos fora do eixo comercial. Nesta terceira edição, foram 600 filmes inscritos de todas as regiões do país. Não contando nenhum apoio financeiro, foi criada campanha de financiamento coletivo.
Não é preciso divagar muito para entender os motivos da censura: conteúdos contestadores, que evidenciam gritantes absurdos. No curta de Pantolfi, por exemplo, a temática aborda o assassinato de Rodrigo Alexandre da Silva Serrano, em setembro do ano passado, emblemático caso em que para justificar a troca de tiros. A versão da policia foi de que ela atirou e Rodrigo revidou, ou seja, acusando-o de criminoso. Testemunhas afirmaram que o guarda chuvas que Rodrigo portava foi confundido com um fuzil. "Eu já estava me sentindo bem indignado com essas mortes sem sentido, como a do morador com uma furadeira, o caso do Johnata com os sacos de pipoca… O curta é também uma denúncia. Não deixar essa morte virar mais uma nota curta nos telejornais em meio ao futebol e a previsão do tempo. Queria que esse assunto continuasse circulando, porque parece que estamos normalizando essas mortes", comenta Moisés.
Quanto mais avançam os ataques à população, mais Bolsonaro e seus escudeiros silenciam qualquer iniciativa que bata de frente com sua ideologia, que denuncie os absurdos e evidencie o avanço autoritário e devastador do governo. "Acho que o Bolsonaro governa segundo a retórica do gosto. O mundo tem que se encaixar dentro daquela caixinha medieval que ele pensa ser o certo. Ele não sabe o que é construir algo", desabafa Moisés sobre os ataques e censura. E prossegue: "Sozinhos, os setores de arte e cultura não tem força pra bater de frente e vencer essa guerra. Ou a população em massa se insurge para defender seus direitos ou o estrago só vai se agravar. Acho que os setores sozinhos não dão conta de frear nada."
Ainda segundo a nota, a mostra mantém sua programação normal nos demais espaços já agendados e os organizadores fazem questão de ressaltar: "Não é de nossa responsabilidade o conteúdo divulgado pela imprensa corporativa, visto que, desde sua criação, a Mostra do Filme Marginal só mantém diálogo com a mídia independente!"
Compartilhamos aqui o curta "Interrogação", de Moisés Pantolfi:
Para que siga a população calada e servil aos ataques como a reforma da previdência e a MP 881, censuram e tentam a força calar artistas, coletivos, estudantes e toda a população para que a crise seja descarregada nas costas dos trabalhadores e da população sem entraves. Contra isso, sejamos cada vez mais vozes contra essa abjeta investida em censurar e calar as vozes que ecoam contra os absurdos machistas, homofóbicos, racistas e de ódio aos trabalhadores que Bolsonaro e a extrema direita querem nos fazer engolir .