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VIOLÊNCIA POLICIAL
Comunidade São Remo se manifesta contra mais uma absurda prisão de dois jovens negros
Redação

Os jovens atletas Y., 16 anos, e A., 17 anos, foram presos na noite de terça-feira, 16 de julho, no Jaguaré, zona oeste de São Paulo, enquanto aguardavam a volta da namorada de Y. da Igreja. De acordo com a versão dos policiais, porém, eles teriam roubado um carro e rendido à dona do veículo.

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O jovem Y. foi atacante do time 1010 do Rio Pequeno, vice-campeão da Taça das Favelas - campeonato amistoso anual que integra as comunidades da Grande São Paulo promovendo o esporte para a juventude, que ficou amplamente conhecido esse ano pela transmissão ao vivo da final pela Rede Globo de Televisão. O jovem A., também atleta de várzea do time da Cipotânea da São Remo, é reconhecido pelos parentes e familiares dos dois como o melhor amigo de Y. Os dois treinam futebol no Projeto Catumbi, na favela São Remo - ao lado da Universidade de São Paulo (USP) - zona oeste da cidade, onde possuem um acompanhamento criterioso por parte do professor, que vai desde o desempenho escolar dos rapazes até as relações familiares, e são reconhecidos pelo responsável pelo projeto como “meninos bons. Não fumam, não bebem, nada.”

Os familiares confirmam que, na noite de terça-feira, Y. chamou A. para sair e apresentar ao amigo sua nova namorada, que mora no Jaguaré, a quarenta minutos de caminhada da São Remo. Ao chegarem no edifício, a garota ainda não havia retornado da Igreja e os jovens resolveram esperar, foi quando uma viatura da polícia militar passou por eles, os policiais fizeram a abordagem, algemaram e os levaram para a delegacia onde foram informados que estariam sendo presos por assalto a mão armada e tentativa de sequestro.

As conversas de Y. com a namorada que confirmam a versão dos rapazes permanecem gravadas no celular do jovem, mas não foram consideradas. Outro fato que salta aos olhos é que nem Y., nem A. sabem dirigir. De acordo com a reportagem da primeira edição do SPTV da Rede Globo transmitida no dia 22 de julho, com base nas informações de GeoLocalização do celular de Y. é possível acompanhar os passos dos jovens nessa noite. De acordo com o aplicativo, os dois seguiram a pé até o Jaguaré, em uma caminhada de 40 minutos e ficaram parados na Rua Três a espera da namorada do rapaz. Ainda de acordo com o mapeamento de GPS do celular, eles não estiveram na praça onde ocorreu o assalto, que fica a 1,6 Km do local - e totalmente na contramão do caminho dos rapazes -, nem no endereço onde o carro foi encontrado.

De acordo com a versão da polícia militar que consta no Boletim de Ocorrência (B.O.), porém, o assalto teria acontecido por volta das 21h40 na Praça General Pôrto Carreiro e os rapazes teriam ameaçado a mulher, dona do veículo, com uma arma. A polícia ainda relata no B.O. que os jovens foram localizados na região, na Avenida Onófrio Mileno, ao lado do carro roubado, que a chave do veículo estaria com eles e que a dona do veículo teria reconhecido os dois. Porém, a suposta arma do crime não foi localizada e a GeoLocalização do celular de Y. mostra que os jovens estiveram todo o tempo há pelo menos meio quilômetro do local onde o carro foi encontrado, e sequer passaram perto do local onde o roubo foi efetuado.

Na manhã do dia 22 de julho os amigos, parentes e moradores da São Remo organizaram um protesto na Comunidade com o apoio do Coletivo Flores pela Democracia, Quilombação e Rede de Proteção e Resistência ao Genocídio, questionando o Boletim de Ocorrência e as declarações dos policiais militares controversas com a realidade dos fatos. O Delegado do 91º DP (Distrito Policial), Fernando Antonio Terzidis, onde o caso foi registrado, considerou, porém, que, mesmo sem nenhuma prova e com o testemunho dos jovens negando envolvimento com o caso, a versão dos policiais militares seria suficiente para pedir a internação dos dois adolescentes na Fundação Casa, e assim o fez. De acordo com a reportagem da Rede Globo, mesmo com as provas da GeoLocalização do celular dos rapazes e com os álibis que demonstram que os dois não teriam condições de estar no local do crime na hora que ele ocorreu, a Secretaria de Segurança Pública sustentou, em nota, as informações do Boletim de Ocorrência.

Foi colhido um boletim de ocorrência de dois menores de idade, sem acompanhamento de nenhum familiar ou advogado, em que consta a versão dos policiais de que os rapazes ao serem indagados, teriam dito que “haviam roubado o veículo e que ele seria vendido”. Curiosamente não existe no B.O. a versão dos jovens porque, de acordo com a versão do próprio delegado, os garotos teriam optado por ficar em silêncio. No trecho que cita a dona do veículo ela diz reconhecer “sem a menor sombra de dúvidas” que os meninos eram os mesmo que estavam na cena do crime, embora o assalto tenha ocorrido 21h40 e ela tenha dito que foi abordada “pelas costas”.

Há um ditado que diz que, de noite, todo gato é pardo. Em um país racista como o Brasil, dependendo dos olhos que vêem, todo jovem preto e pobre é bandido.

Não à toa, do gigante universo de mais de 800 mil pessoas presas no Brasil, dois terços da população carcerária se reconhece como negra. Destes, 30% tem de 18 a 24 anos e 25 mil são menores de idade, trancafiados hoje nas mal-chamadas “unidades sócio-educativas” (Fundações Casa / Febem). Segundo relatório do Infopen (Sistema Integrado de Informações Penitenciárias) e do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) esses dados ainda estão sub-representados, porque muitos Estados ainda não completaram a implementação do sistema e fornecem informações parciais. Ainda assim, deste montante de jovens negros presos, 41% já permanecem na cadeia há mais de 90 dias sem sequer terem sido julgados!

Por isso é justa e necessária a libertação imediata dos jovens atletas Y. e A., assim como um imediato julgamento, por júri popular, de todos aqueles que permanecem encarcerados sem acesso à justiça!

Diz o texto da Constituição Brasileira de 1988 em seu artigo 5.°, inciso LVII: "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória". Desta forma, o acusado de ato ilícito tem o direito de ser tratado com dignidade enquanto não se solidificam as acusações, já que pode-se chegar a uma conclusão de que o mesmo é inocente. Ser trancado na Fundação Casa sem provas não parece um ato digno. Em uma evidente inversão de valores, são os familiares e advogados das vítimas (os dois jovens) que agora terão que reunir as provas para refutar a versão do boletim de ocorrência. A presunção de inocência nunca foi tão claramente vilipendiada. Os jovens negros são culpados, até que provem a inocência, ainda que a única prova que o Estado tenha da culpa deles seja um depoimento dos policiais militares e a cor de pele e classe social desses rapazes.

Há algumas semanas, a NetFlix lançou uma série de quatro episódios chamada “Olhos que condenam”, que conta a história de cinco jovens negros e latinos dos EUA - quatro menores de idade - que passeavam no Central Park em uma mesma noite em que ocorreu naquela região um estupro. Esses jovens foram abordados pela Polícia de Nova Iorque, levados pra delegacia e forçados pelas forças de segurança a confessar ou alegar terem visto e sido parte desse crime que não cometeram. Esses depoimentos forjados, feitos sem a presença dos familiares ou advogados do jovens, foi desmentido mais de 12 anos depois, com a prisão do verdadeiro e confesso estuprador e a evidência de que a promotora e os delegados forjaram os depoimentos dos rapazes. Essa série não é fictícia, e nunca foi tão necessária de ser assistida quanto na atualidade. Ocorreu nos EUA, mas poderia ter acontecido no Brasil.

O Esquerda Diário registra que não se responsabiliza por qualquer coincidência, semelhança ou diferença entre os casos abordados na nota. Qualquer análise nesse sentido fica a critério unicamente do leitor.

ASSISTA: Reportagem do SPTV da Globo 1ª edição

LEIA: Matéria da Ponte sobre o caso

 
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