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KOLLONTAI E FEMINISMO SOCIALISTA
Kollontai e sua contribuição ao feminismo socialista
Diana Assunção
São Paulo | @dianaassuncaoED

Conhecida pelos camaradas como a “pequena camarada”, Alexandra Mikhaylovna Kollontai foi uma das mais importantes revolucionárias da história, implementando parte das principais reformas, após revolução de 1917, que legislou sobre a mulher e a família. Com um trajetória grandiosa e com algumas contradições, resgatemos esta figura revolucionária importante para pensar: Qual feminismo queremos construir?

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O texto que segue é uma reflexão em desenvolvimento, elaborada e apresentada por Diana Assunção, fundadora do Pão e Rosas, em palestra no CINUSP, na Universidade de São Paulo. Em meio a debates intensos sobre os rumos e possibilidades programáticas e estratégicas do movimento de mulheres, reproduzimos o texto da palestra, assim como o vídeo na íntegra da mesma, ao final dessa página.

Kollontai nasceu na Finlândia no dia 31 de março de 1872, em uma família de ricos latifundiários, o que a permitiu estudar com um instrutor particular numa nação onde somente uma de cada 300 meninas tinha acesso a educação. Casou com seu primo Vladimir Kollontai e teve um filho, se separando posteriormente por conta de “tirana de amor” que ele exercia sobre ela. Quando jovem estudou economia política, onde conheceu os escritos de Rosa Luxemburgo e Kautsky.

Os primeiros passos da “pequena camarada” na militância

Em 1899, se filiou ao Partido Operário Social Democrata Russo (POSDR), onde se aproximou da fração menchevique – o POSDR se dividiu entre duas frações a bolchevique (maioria) e a menchevique (minoria) com divergências sobre temas fundamentais da revolução proletária.

Depois de ter participado do que ficou conhecido como Domingo Sangrento em 1905, Kollontai se envolveu ainda mais no processo revolucionário na Rússia, escrevendo panfletos e organizando as mulheres trabalhadoras. Sem apoio dos mencheviques que não a apoiaram na decisão de construir entre mulheres, foi duramente atacada pela reação da luta que travava. Dirigente fundamental, Kollontai apoiou as greves das operárias em fevereiro de 1917, cumprindo um papel decisivo na organização da primeira greve contra o governo provisório de Kerensky encabeçado pelas trabalhadoras de lavanderias.

Quando publicou o texto “Finlândia e o socialismo” foi exilada. Em sua trajetória pela Europa, Kollontai entrou em contato com os partidos social-democratas de vários países, o que combinado com seu alto nível cultural, lhe permitiu falar fluentemente mais de 10 línguas.

Kollontai: o bolchevismo e a Revolução Russa

As discussões sobre a guerra e a posição bolchevique levada adiante por Lenin de “transformar a guerra em guerra revolucionária” foi o que a fez abandonar o menchevismo e na Conferência de Zimmerwald acompanhou a posição dos bolcheviques.

Em 1917, Kollontai volta pra Rússia e é a primeira mulher eleita para o Comitê Executivo do Soviete de Petrogrado. Quando Stalin propõe apoiar o governo provisório de Kerensky (que tomou o poder a partir de fevereiro) uma minoria de operários metalúrgicos apoiados por Kollontai resistem a esta proposta, defendendo a posição de Lenin quando ele estava bastante isolado. Depois das jornadas de julho quando centenas de milhares levantavam a consigna “todo poder aos sovietes”, Kollontai foi presa com centenas de bolcheviques. Ela foi presa por ser bolchevique e defender que os sovietes eram a única forma possível de governo. Os marinheiros da frota do Báltico soltaram uma carta em defesa de Kollontai.

Ainda presa, ela foi eleita ao Comitê Central do Partido Bolchevique e depois da tomada do poder é nomeada Comissária do Povo para a Assistência Pública, um cargo de nível ministerial. A frente do Ministério de Assistência Pública, foi uma das principais implementadoras das reformas que se introduzem na legislação sobre a mulher e a família. Assim, as mulheres soviéticas podiam escolher livremente suas profissões, com salário igual ao dos homens pelo mesmo trabalho, teriam garantia de empregos no Estado, proibindo demissões das gestantes, garantiram o direito ao divórcio ágil e simplificado, e a educação infantil passou a ser mista. Kollontai foi quem redigiu também o decreto legalizando o aborto em todo o país, e punindo os médicos que se recusassem a implementar este direito.

Assim, construiu parte fundamental do “pensamento bolchevique” sobre a libertação das mulheres que pode ser sintetizado em quatro pontos fundamentais: 1) união livre 2) independência financeira 3) socialização das tarefas domésticas 4) definhamento da família. Todas as medidas eram de “transição” e todas as leis eram consideradas insuficientes, porque a igualdade perante a lei não era a igualdade perante a vida.

O avanço do estalinismo, Kollontai e a condição das mulheres russas

Um pouco antes da morte de Lenin em 1924 Kollontai se integra ao corpo diplomático da União Soviética, sendo a primeira mulher embaixadora da história, o que a afastou do centro das polêmicas mais duras no Partido Bolchevique, mas também a livrou do risco de deportação e morte, que seus companheiros estavam sofrendo como Shliapknov, principal parceiro na Oposição Operária que terminou executado pelo stalinismo. Até a sua morte em 9 de março de 1952, Kollontai permaneceu no exterior, inclusive sendo acusada de certo “aburguesamento” e a maioria dos seus escritos trataram de temas relativos à questão da mulher, da família e da sexualidade.

O estalinismo significou um retrocesso imenso nas principais medidas tomadas por Kollontai. A burocracia estalinista proibiu o aborto e o divórcio, exaltando a “volta ao lar” da mulher soviética, premiando com uma medalha da “mãe heróica” aquelas que tivessem mais de 10 filhos.

Com o avanço do estalinismo, a dúvida acerca da posição de Kollontai sobre a burocratização da União Soviética, bem como atitudes tomadas pela mesma, como negar visto para o Trotsky se exilar enquanto era embaixadora, levantam questionamentos sobre Kollontai e sobre o impacto da desmoralização, ceticismo e cansaço impediram a grande revolucionária de se levantar pelas suas convicções. Ainda assim, não podemos apagar sua importante trajetória e em particular seu pensamento audaz sobre as novas formas de relações humanas liberadas da opressão capitalista, sempre batalhando por novos vínculos igualitários entre os seres humanos.

Feminismo socialista: acabar com o patriarcado e com o capitalismo

Hoje as mulheres são mais da metade da classe trabalhadora mundial e vem demonstrado sua disposição de luta para enfrentar as medidas neoliberais por todo mundo que atacam brutalmente as mulheres e, em particular, as mulheres negras. Grandes levantes de mulheres tomaram as ruas nos últimos tempos: mulheres contra Trump nos EUA, mulheres contra Bolsonaro no Brasil e mulheres pelo direito ao aborto na Argentina.

É necessário nos questionar, mais do que nunca, qual o tipo de feminismo queremos construir e, pensando sob a luz de lutadoras históricas como Kollontai, mas também Rosa Luxemburgo, Clara Zetkin e Rosa Parks, é possível acabar com o patriarcado sem destruir o capitalismo?

A nossa resposta é: não. O capitalismo não é capaz de dar igualdade para as mulheres nem perante a lei nem perante a vida. O Estado burguês pode se ver obrigado a ampliar alguns direitos democráticos em resposta a processos de luta ou pela tentativa de cooptação de alguns setores, mas apenas na medida em que não ameacem a exploração do trabalho e a propriedade privada, que são as bases da dominação burguesa.

Veja também: Nosso feminismo é socialista!

Assim, as mulheres sempre se irão se esbarrar nesses limites, que em tempos de crise capitalista como agora, as mínimas concessões conquistadas à duras penas serão retiradas. A reforma da previdência, aprovada em primeiro turno, irá cair como toneladas nas costas das mulheres: com duplas e até triplas jornadas, terão que trabalhar muito mais para se aposentarem. Paulo Guedes, ministro da Fazenda de Bolsonaro, cogitou abatar tempo de aposentadoria de mulheres de acordo com o número de filhos, para avançar ainda mais na dominação das mulheres e encurrala-las ao lar. Damares, figura reacionária icônica, defende que mulheres fiquem presas ao lar e à família.

Nós, do grupo de mulheres Pão e Rosas, não vemos em separada a luta fundamental das mulheres pela sua emancipação da luta pela derrubada do capitalismo, uma vez que ele se apoia justamente no machismo para aumentar a exploração não apenas das mulheres, mas do conjunto da classe trabalhadora. Assim como as grandes revolucionárias, defendemos que a emancipação feminina está diretamente conectada à sua emancipação material, extirpando das mulheres a obrigação das tarefas domésticas e criação dos filhos através da construção de lavanderias públicas, creches e restaurantes.

Por isso, convidamos todas as mulheres que querem conhecer o feminismo socialista e colocar fim à tamanha crueldade, venham conosco construir o grupo de mulheres Pão e Rosas, por um feminismo socialista, para por abaixo o patriarcado e o capitalismo.

 
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