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50 ANOS DE STONEWALL
Sylvia Rivera: a primeira estrela travesti
Tomás Máscolo

Sylvia Rivera uma das principais ativistas durante todo o processo de Stonewall. Fundou a S.T.A.R., uma casa para todas as drag queens, travestis e transgêneros que não tinham casa ou trabalho.

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"Eu não acreditava em uma revolução, mas vocês estão fazendo isso. Eu acredito no poder gay. Eu acredito em nós alcançarmos nossos direitos, caso contrário, não estaria aqui lutando por eles. Isso é tudo que eu quero dizer para vocês. Se vocês querem saber sobre as pessoas que estão na prisão - e não se esqueçam de Bambi l’Amour, Andorra Marks, Kenny Messner e outros gays que estão na prisão - venha nos ver na Star House "
Discurso de Sylvia Rivera (1951 - 2002) na manifestação do dia da libertação

Muito se sabe sobre o levante de Stonewall em 28 de junho de 1969. Mas pouco se sabe sobre os ativistas que foram protagonistas daquela batida policial, dificultada por gays, lésbicas e trans que estavam fartos de impunidade. Esta nota, trata-se de tirar o pó da história de vida de uma drag que foi pioneira em colocar a luta nas ruas como uma ferramenta para alcançar a conquista da liberdade sexual em todos os planos.

Uma pequena estrela no escuro

A infância de Sylvia não foi muito feliz. Ela mesma diz "minha mãe e seu segundo casamento instável; meu padrasto era viciado em drogas, ele ameaçou nos matar, eu, minha mãe e minha irmã. Eu tinha 3 anos de idade. Aos 22 anos, minha mãe colocou veneno de rato no leite, bebeu e deixou um pouco para mim. Quando meu pai e minha irmã me tiraram dali ao ver meu estômago inchado, foi a última vez que vi minha mãe viva, porque depois de ficar no hospital por três dias, ela morreu".

Criada pela avó que nunca aceitou sua sexualidade, nem tampouco sua identidade, começou a se montar secretamente desde os 8 anos de idade. Ela levava as roupas para a escola e no banheiro de lá se maquiava. "Eu usava maquiagem quando estava na quarta série. Eu fazia isso porque gostava de maquiagem e não achei que estivesse fazendo nada de errado com isso. Lembro-me de que meu professor me perguntou sobre isso e eu lhe disse: ‘Claro, minha avó sabe’”.

Com apenas dez anos, sozinha e com uma mala cheia de sonhos decide ir para Nova York, onde é adotada por várias drag queens que viviam perto do Time Square Garden na rua 42. Também viveu no Brooklyn e se pode dizer que sua moradia ia variando segundo a noite e a disponibilidade de suas amigas.

Uma borboleta endurecida

Durante sua adolescência ela encontra sua parceira de luta Marsha Johnson. Ambas compartilhavam suas vidas e suas noites. "Nós comemos e dormimos nas manifestações”.

“Estávamos fazendo o que achávamos certo. E o que estamos fazendo agora, as poucas dentre nós que estão dispostas a incomodar as pessoas e ferir suas sensibilidades, é o que achamos que deveria ser feito. Temos que fazer isso porque não podemos continuar invisíveis. Nós temos que ser visíveis. Não devemos nos envergonhar de quem somos. Temos que mostrar ao mundo que somos muitas. Há muitas de nós lá fora ", diz Sylvia Rivera.

Sylvia e Marsha moravam em casas diversas, até em caminhões. Naquela época havia estacionamentos abandonados onde a diversidade sexual não só iam experimentar seu desejo - de forma clandestina - mas viviam abarrotadas em caminhões e vans, estacionados ou abandonados.

Nos ataques de Stonewall Sylvia foi uma das protagonistas mais duras e também mais críticas em relação às estratégias do movimento de diversidade sexual. Ela argumentou que, depois de Stonewall organizações de gays e lésbicas estavam perdendo seu caráter subversivo e a luta que foi expressa nas ruas de forma crítica à ordem estabelecida estava se tornando uma estratégia que depositava confiança no lobby parlamentar. "Isto é como o que eu estava dizendo todo este ano durante o mês do orgulho: não é meu orgulho, é o seu orgulho. Ainda não me deram o meu. Eu nunca me orgulhei de nada, exceto quando eu estava libertando gays em todo o mundo. Eu tinha tantas crianças sob meus cuidados, mas ainda continuo sentando no final do ônibus, ainda assim luto acolhendo transexuais em minha própria casa, e dando-lhes uma educação ou tirando-as das drogas”. Relatava Sylvia.

"A noite de Stonewall foi para todos como uma festa ao ar livre. As pessoas lamentaram, inclusive eu. Estávamos chorando a morte de Judy Garland. Alguns autores disseram que os motins surgiram por causa da morte de Judy Garland, mas isso não é verdade. Judy não fez nada sobre os tumultos. Não havia nada planejado. Foi algo que simplesmente aconteceu ".

Frente este problema, em 1971, se funda a S.T.A.R. (Ação Revolucionária de Travestis de Rua). A STAR aparece como uma organização na manifestação de Weinstein Hall da Universidade de Nova York em 1970. A universidade proibiu qualquer evento gay, então vários ativistas da diversidade sexual organizaram um protesto. Um grupo anti-distúrbio obrigou os militantes gays a abandonar a ocupação. A STAR, inicialmente chamada Street Travestites for Gay Power, nasceu em meio à frustração de que o movimento de libertação gay se recusou a se defender e se comprometeu a lutar contra a polícia.

Mas os bailes não eram prioridade. A falta diária de comida, a falta de acesso à saúde e tão pouco de uma casa para dormir fizeram Sylvia tomar essa luta em suas mãos. "A STAR House nasceu depois da manifestação em Weinstein Hall, porque muitos de nós morávamos lá juntas. Marsha e eu alugamos dois quartos e um quarto de hotel, e mesmo assim não havia espaço suficiente para acomodar as pessoas. Com a ajuda da Frente de Libertação Gay (Gay Liberation Front) e da Juventude Gay conseguimos nossa primeira arrecadação e conseguimos dinheiro suficiente para ir atrás da máfia e alugar o nosso primeiro prédio ", lembra Sylvia.

A ideia dessa casa era muito importante porque assegurava um prato diário de comida e uma cama para dormir. Ao mesmo tempo, discutiram muito sobre a necessidade de se defender de ataques policiais e transfóbicos. A ampla troca de táticas se concentrou principalmente em identificar quais situações eram seguras e quais não eram, e proteger umas às outras da polícia. A polícia e o encarceramento eram violentos e elas sofriam com isso toda noite.

O projeto terminou em 1973, no 4º aniversário de Stonewall. Foi quando nos disseram que éramos uma ameaça e uma vergonha para as mulheres porque as lésbicas se ofendiam com nossa roupa e com nossa maquiagem. Tudo isso terminou em uma batalha brutal no Washington Square Park, entre eu e as pessoas que eu havia considerado minhas camaradas e amigas.

A luta de ontem é a luta de hoje

Durante os anos 90, Sylvia continuou a lutar. Apesar de ter tentado se matar em 1995, apesar de perder sua amiga Marsha que morreu de forma tão duvidosa, provavelmente morta pela polícia, sobreviveu ao abuso de drogas e continuou a denunciar a discriminação sistemática contra a população travesti, transgênera e transexual.

Sylvia retomou sua atividade política nos últimos anos de sua vida, fazendo discursos e contando em primeira pessoa a história de Stonewall e a necessidade de união entre as pessoas transexuais e oprimidas para lutar por seu legado histórico. Ela viajou para a Itália para a Marcha do Milênio em 2000, onde foi aclamada como a Mãe de todos os LGBT’s.

Em 2001, Sylvia disse: "Agora moro na Transy House com Julia. Estamos morando lá há quatro anos. É uma casa comunal construída por Rusty (Mae Moore) e Chelsea Goodwin. Elas começaram há quatro anos e se inspiraram pela STAR House. Chelsea era uma das minhas garotas na STAR House. É uma casa segura para meninas que ainda estão trabalhando nas ruas. Elas recebem um teto para ter em suas cabeças sem ter que se prostituir para pagar por um. As pessoas pagam US $ 50 por semana, se puderem contribuir. Se não, elas ajudam na manutenção da casa. Uma garota limpa a casa para retribuir seu alojamento. As únicas regras são não trazer drogas e que as meninas que trabalham não façam seus negócios aqui. E uma das coisas políticas que fazemos é pressionar para legalizar a maconha medicinal para pacientes com câncer e AIDS, junto com as lutas dos direitos das transexuais”. Pode-se dizer que o S.T.A.R foi reaberta naquela ano.

Tristemente, Sylvia morreu em 19 de fevereiro de 2002 no Hospital St. Vincent, em Nova York, de câncer de fígado.

A continuidade da irreverência

A luta que Sylvia deu foi uma parte fundamental da nossa história. Só uma luta radical contra o sistema capitalista que se baseia na exploração e opressão de milhões de seres humanos pode lançar as bases para o desenvolvimento de uma libertação sexual total. Tirar a poeira da história destas figuras também é lutar contra o senso comum e contra aqueles que tem plena confiança de que o lobby parlamentar pode corrigir a desigualdade que passa todos os setores oprimidos.

 
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