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OPINIÃO
Por que Gramsci e Trotsky assombram a direita?
Mateus Castor
Cientista Social (USP), professor e estudante de História

O ex-comandante das Forças Armadas, Villas Boas, recorreu à sua conta do Twitter tão útil no último período para travar uma polêmica com o astrólogo Olavo de Carvalho. O guru ideólogo do governo Bolsonaro foi chamado de “Trotsky da direita”, um adjetivo cujo significado o reacionário proto-monarquista, autoproclamado filósofo, muito provavelmente desconhece.

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Muitos jornalistas entraram no meio do estapeio entre a ala militar e os olavistas para dar suas opiniões sobre a polêmica e até a esdrúxula comparação com o bolchevique. Até mesmo Sakamoto e Reinaldo de Azevedo escreveram artigos tratando do tema. Este portal, Esquerda Diário, impulsionado por organização abertamente trotskista, se coloca na obrigação, diante dessa verdadeira “balbúrdia” e profanação com o nome de Trotsky, de se posicionar e esclarecer os motivos pelos quais a direita retoma o revolucionário.

Para começar com o mais básico. Diferentes frações de um mesmo campo político, quando em disputa, vez ou outra apelam à desmoralização como forma de atacar aos seus adversários, com comparações a figuras ou ideias completamente opostas àquelas com as quais se identificam. A direita é mestre dessa artimanha, e dita de “socialista”, “comunista” ou “esquerdista” a qualquer um que não lhe agrade. Eis então que comparar Olavo a Trotsky foi a tática que Villas Boas encontrou nessa mesma chave.

Além da forma do ataque, levando o contexto do tweet do general, entendemos que o conteúdo se trata da velha campanha aos moldes stalinistas contra Trotsky. Para Villas Boas, Olavo se comporta como um “traidor da causa”, um vira-casaca que não deseja a recuperação e estabilidade do Brasil, mas sim criar intrigas e disputas destrutivas, assim como Trotsky supostamente teria feito, na leitura stalinista, na URSS.

Mas não foi apenas no artigo de Reinaldo Azevedo e nos tweets do general que Trotsky apareceu. Em artigo de César Felício do Valor, foi dito que o próprio Bolsonaro é trotskista e gramsciano. A obsessão com Gramsci já é conhecida na crítica direitista, mas por que anda aparecendo?

Não se trata somente de uma luta fracionária aparentemente alucinada. Recorrem a Gramsci para debater uma nova hegemonia, ou melhor, retomar a velha hegemonia ditatorial pré-regime de 88, de “Deus, propriedade e família”, da “revolução” de 64, dos íntegros e incorruptíveis militares heróicos e poderosos salvadores da pátria, de sua apodrecida moral e bons costumes, da mesma maneira recorrem a Trotsky para debater a estratégia de governo.

Seria apelando ainda mais ao autoritarismo estatal, à perseguição e imposição pela violência dos ataques, aos moldes de um bonapartismo mais clássico com predominância do executivo mais imperial atacando o presidencialismo de coalizão inspirado nas lições da Lava-Jato, indo mais para cima das bases do regime de 88? Ou a predominância do autoritarismo judiciário resguardado pelo STF, articulado com o Legislativo e a casta política, mantendo assim, mais elementos do regime de 88?

Quando se trata de um momento transitório, quando atores e forças sofrem importantes mutações através do movimento das frações em disputa, que ainda disputam seu espaço, como vemos toda semana com novas polêmicas e ataques dentro dos próprios aliados do governo, Trotsky continua a assombrar a direita.

É óbvio que grande parte da extrema-direita não conhece os personagens que protagonizam seus piores pesadelos. Repetem como papagaios o que Olavo ou ideólogos reacionários propagandeiam. Porém, ficar no simples “vocês não entendem nada e são ignorantes” é se abster de compreender a dinâmica imposta pelo movimento dos acontecimentos reais.

De um lado, é pura alucinação o alarmismo que os setores mais reacionários ou proto-fascistas fazem em relação ao “marxismo cultural” e Gramsci. Afinal, a hegemonia do regime de 88 é essencialmente capitalista, defensora da propriedade privada e do capital. Ela foi construída sob os olhos dos militares, dando continuidade a diversos aspectos do regime militar, como as milícias de extermínio, a polícia militar, a anistia e a casta política que perdoou torturadores e assassinos que defendem a exploração capitalista. É desses elementos preservados pela redemocratização que Bolsonaro nutriu-se e cresceu, formou-se no colo dos grupos de extermínio da ditadura que consideram que o governo militar foi insuficiente na repressão e deveria ter assassinado milhares a mais: “o problema foi torturar e não matar”. Não há como um setor assim se fortalecer e ganhar peso político de direção burguesa com um suposto “marxismo cultural” hegemônico.

Por outro lado, vemos que os setores mais reacionários baseiam sua política na eterna preocupação com uma ameaça comunista, mesmo que inventada. Consequentemente, acaba por aparecer comunistas como Gramsci, Trotsky e Lenin como a inspiração maligna desse comunismo que espreita o Brasil. Contudo, se em 64 ocorreu a farsa desse discurso, Bolsonaro, desde o golpe institucional, o retirou dos túmulos enquanto uma tragédia.

Não há mais a ameaça da revolução cubana, ou a influência da URSS para justificar, com um mínimo de respaldo na realidade, a neurose anticomunista. A quem foi entregue a carapaça do comunismo e da revolução foi principalmente o PT. Desde o Foro de SP e seu projeto URSAL ao PT, precisam tratar a “centro-esquerda” (que curiosamente geriu nacionalmente o capitalismo brasileiro por 13 anos!) como subversivos revolucionários. Somente assim formam as bases necessárias e justificativas para o avanço da repressão e exploração, é preciso fazer uma limpa diante da “balbúrdia e profanação” da sociedade. Mas o fato de não haver hoje essa ameaça não significa que a possibilidade do "espectro do comunismo" voltar a "rondar a Europa" não mais existirá. E é precisamente isso o que mais teme a direita.

Não é por acaso que Trotsky e muitos outros revolucionários usavam o termo “contra-revolucionários” para estes setores, afinal, seu principal inimigo são as massas, a revolução e os revolucionários, mesmo que estes sejam imaginários, assim como é ilusório e paralelo à realidade o kit gay e a enciclopédia de fake news que formam ideologicamente o bolsonarismo.

Como Sakamoto colocou, Olavo estaria mais para um Rasputin, mais próximo no perfil intelectual místico e obscurantista, que cumpriu o papel de guru para o czarismo decadente, assim como Olavo cumpre para Bolsonaro. Trotsky foi o verdadeiro anticristo para a monarquia Russa, dirigindo as massas para a Revolução e criando o Exército Vermelho, que derrotou o czarista Exército Branco e deixou a burguesia mundial aterrorizada com a possibilidade do socialismo, dessa vez real. Rasputin teve sorte por morrer em 1916: não viu o velho regime russo ser destruído pela classe trabalhadora e camponeses russos insurretos. Mas até a comparação com Rasputin seria um pouco falha, até porque o ocultista não vivia na Alemanha, vivia na Rússia e serviu ao seu império, diferente de Olavo e seu “nacionalismo” fajuto, serviçal de Trump e dos EUA.

 
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