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COLONIALISMO
A Internacional Comunista, o PCF e a questão colonial na Argélia
Philippe Alcoy

[Da França] O nascimento do Partido Comunista na França foi marcado por várias lutas faccionais e políticas. As disputas sobre a questão da adoção de uma linha em favor da independência das colônias, em particular da Argélia, ocuparam um lugar central neste processo.

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A Seção Francesa da Internacional Comunista (SFIC), mais tarde conhecida como Partido Comunista Francês (PCF), foi fundada em dezembro de 1920 após a Revolução Russa (1917) e da criação da Terceira Internacional de Lenin e Leon Trotsky, principais líderes da Revolução de Outubro.

Apesar de tudo o que afirma (ou, em vez disso, não afirma) uma certa historiografia, entre os primeiros e mais importantes quadros e dirigentes deste partido estavam os trabalhadores que se opuseram à Primeira Guerra Mundial desde o início, sindicalistas próximos do anarquismo ou diretamente anarcosindicalistas, mulheres e povos "indígenas".

Entre esses comunistas, haviam muitos militantes e líderes da socialdemocracia, alguns dos quais haviam defendido as políticas socialchauvinistas de sua organização pouco antes. Em outras palavras, muitos desertores, carreiristas e oportunistas viram a entrada do jovem PCF, coroada pela vitória dos trabalhadores e camponeses do império czarista, como uma forma de construir suas próprias carreiras políticas ou intelectuais.

Precisamente para evitar a chegada desses oportunistas e carreiristas de todo tipo, a Internacional Comunista se desenvolveu em julho de 1920, durante o seu II Congresso as famosas "21 condições para a admissão de partidos na Internacional Comunista". No Congresso de Tours, em dezembro de 1920, a maioria dos delegados da SFIO (Seção Francesa da Internacional dos Trabalhadores) votou pela adesão à Internacional Comunista e, portanto, pelas "21 condições".

Entre as “21 condições” estava a oitava, que dizia: “Todo partido pertencente a Terceira Internacional tem o dever de revelar impiedosamente os "feitos" de "seus" imperialistas às colônias, para apoiar, não em palavras, mas de fato, qualquer movimento de emancipação nas colônias, para exigir a expulsão das colônias dos imperialistas da metrópole, para alimentar os corações dos trabalhadores do país de sentimentos verdadeiramente fraternos para com a população trabalhadora das colônias e nacionalidades oprimidas e de manter entre as tropas da metrópole um mal-estar contínuo contra qualquer opressão dos povos coloniais”.

Esta oitava condição era fundamental, especialmente nos países imperialistas, onde poucos anos antes os partidos socialdemocratas da Segunda Internacional haviam apoiado, não em palavras, mas na prática, suas burguesias nacionais na carnificina da Primeira Guerra Mundial, onde milhões de trabalhadores e camponeses mataram uns aos outros em nome dos interesses de seus exploradores e opressores.

Na França, essa oitava condição era particularmente importante, porque a SFIO socialdemocrata já havia apoiado previamente posições políticas contrárias à autodeterminação das colônias francesas. De fato, era comum que os preconceitos colonialistas, impregnados por um discurso pseudo-marxista, louvassem os "benefícios civilizatórios" da colonização e considerassem que era melhor para o colonizado ser "assimilado" à sociedade francesa e não ter independência ou autonomia.

Embora essas ideias tivessem uma influência muito forte na França metropolitana, elas foram ainda mais significativas nas colônias, especialmente na Argélia, onde vivia um número relativamente grande de europeus. Se isso fosse verdade para a sociedade em geral, também era verdade para as organizações de trabalhadores. De fato, na Argélia, as seções da SFIO eram compostas essencialmente por europeus, pequenos funcionários da administração colonial. Além disso, o Código Indígena proibiu os "indígenas" de participar de qualquer atividade política ou sindical.

Assim, apenas alguns meses após o Congresso de Tours, em abril de 1921, a seção de Sidi Bel Abbès votou uma moção cheia de racismo e preconceitos colonialistas, desafiando a oitava condição imposta pela Internacional Comunista. Dizia assim:

"Há povos sob tutela que já são capazes de governar a si mesmos, e outros que ainda não são, e se o dever comunista ordena a liberdade do primeiro, ordena ainda mais imperativamente que eles não abandonem o último ao seu miserável destino, os comanda fortemente para que sirvam como tutores humanos desinteressados. Se a soberania egípcia é necessária, a soberania antropofágica não é desejável; se um Gandhi pode se tornar chefe de estado, um Bantuala não”

Como Alain Ruscio afirma em seu livro Les communistes et l’Algérie sobre esta moção: "A opinião subjacente, aqui, surge: opor-se a um Gandhi (um nacionalista que luta contra os britânicos não poderia ser tão ruim) a um Bantuala (referência ao título do romance de René Maran, que havia tomado como herói um líder tribal africano) [...] foi uma eleição abertamente depreciativa: Obviamente, para esses "neocomunistas", um índio era cem vezes melhor do que um "negro", possivelmente um "antropófago", tão próximo de um "muçulmano nativo". Outras declarações desse tipo ocorreriam em 1921 e 1922, especialmente no Congresso dos Comunistas do Norte da África."

As primeiras respostas vieram do próprio partido, de dirigentes como Abdelkader Ali-Hadj, uma das principais figuras do PCF no início da década de 1920, que mais tarde fundou e dirigiu, junto com outros militantes comunistas nos territórios colonizados, a Estrela Norteafricana, que inspiraria os movimentos de libertação nacional, incluindo os movimentos em favor da independência da Argélia.

Mas a principal resposta virá do IV Congresso da Internacional Comunista, em dezembro de 1922, no qual Leon Trotsky desempenhou um papel central ao assumir o informe sobre a crise na seção francesa. O documento, intitulado "Resolução sobre a questão francesa", afirma que a "extrema lentidão" do partido francês de passar do "socialismo parlamentar" para o "comunismo revolucionário" não pode ser explicada por "condições que são apenas objetivas, por tradição, pela psicologia nacional da classe trabalhadora, etc., [...] mas, acima de tudo, pela resistência direta, e às vezes excepcionalmente obstinada, dos elementos não-comunistas que permanecem muito fortes nas cúpulas do Partido ".

Este mesmo documento revisa vários aspectos críticos sobre a direção do partido, onde toda uma seção é dedicada à política a ser seguida para e nas colônias francesas, que reproduzimos em sua totalidade como segue:

A ação comunista nas colônias

O IV Congresso chama mais uma vez a atenção sobre a importância excepcional de uma atividade justa e sistemática do Partido Comunista nas colônias. O Partido condena categoricamente a posição da seção comunista de Sidi-Bel-Abbès, que cobre uma posição puramente escravagista com palavras pseudo-marxistas, apoiando no fundo a dominação imperialista do capitalismo francês sobre seus escravos coloniais. O Congresso acredita que nossa atividade nas colônias não deve se basear em elementos cheios de preconceitos capitalistas e nacionalistas, mas nos melhores elementos dos próprios povos indígenas e, em primeiro lugar, na juventude indígena proletária.

Somente uma luta inflexível do Partido Comunista na metrópole contra a escravidão colonial e uma luta sistemática nas próprias colônias pode enfraquecer a influência dos elementos ultranacionalistas dos povos coloniais oprimidos sobre as massas trabalhadoras, atrair a simpatia dos últimos à causa do proletariado francês e, portanto, não dar à capital francesa, na era do levante revolucionário do proletariado, a oportunidade de usar os índios coloniais como a última reserva da contrarrevolução.

O Congresso Internacional convida o partido francês e seu Comitê de Direção a prestar infinitamente mais atenção, força e recursos do que nunca à questão colonial e a propaganda nas colônias e, entre outras coisas, para criar um gabinete permanente da ação colonial no seio do Comité de Direção, incluindo representantes de organizações comunistas indígenas.

O mesmo congresso insiste na questão colonial e na obrigação dos comunistas de lutar contra seu próprio imperialismo, apoiando as demandas nacionais dos povos oprimidos, em outro documento intitulado "Programa de trabalho e ação do Partido Comunista Francês". O ponto 9 deste último afirma:

"O Partido deve assumir a causa das populações coloniais exploradas e oprimidas pelo imperialismo francês, apoiar suas reivindicações nacionais como medidas para sua libertação do jugo capitalista estrangeiro, defender seu direito à autonomia ou à independência sem reservas. Lutar por suas liberdades políticas e sindicais sem restrições, contra o recrutamento de indígenas, pelas demandas dos soldados indígenas, essa é a tarefa imediata do Partido. Deve combater sem misericórdia as tendências reacionárias que existem, mesmo entre certos elementos operários, e que consistem em limitar os direitos dos povos indígenas. Criará um organismo especial dedicado ao trabalho comunista nas colônias sob seu Comitê Diretivo".

Depois que essas moções foram votadas no IV Congresso da Internacional Comunista, as seções do PCF na Argélia deram uma guinada de 180 graus em sua política em relação à questão colonial e independência. No entanto, isso não aconteceu sem a debandada de ativistas, executivos e líderes, alguns dos quais retornaram às fileiras da socialdemocracia. Apesar disso, isso não marcou completamente o fim das ambiguidades de alguns militantes em relação às colônias francesas.

Pelo contrário, os problemas se tornariam mais complexos com a stalinização da URSS e da Internacional Comunista. Como Ian Birchall explica em um artigo na revista Contretemps:

"A estratégia do PCF em relação ao norte da África foi grandemente influenciada pelas posições adotadas pela Internacional Comunista na China, o incipiente Partido Comunista Chinês foi instruído pela Internacional a se subordinar ao nacionalista Kuomintang. Essa aliança durou até os comunistas de Xangai serem massacrados pelas forças do Kuomintang, em abril de 1927. Durante 1925, houveram discussões dentro do PCF sobre o estabelecimento de um Kuomintang Norteafricano, o que levou à formação da Estrela Norteafricana. Isso implicava, em particular, a cooperação com o emir Khaled, que era nacionalista puro e duro, mas que havia formado um grupo de partidários na Argélia trabalhando dentro das instituições eleitorais fornecidas pelo Estado francês à população muçulmana".

Posteriormente, o PCF caiu completamente nas mãos dos representantes franceses da burocracia contrarrevolucionária stalinista no poder na União Soviética após a morte de Lenin. Ele seguirá todos os "erros" ideológicos e estratégicos do stalinismo, passando de uma posição catastrófica de "ultraesquerda" a um giro não menos catastrófico em direção ao reformismo da frente populista desde os anos trinta, todos marcados pela adesão à "teoria do socialismo em um só país" e à "revolução em etapas" nos países colonizados.

O resto da história vai além dos limites deste artigo, que procurou acima de tudo expor as contradições políticas do jovem PCF e suas lutas internas para adotar uma linha comunista e revolucionária contra as influências reformistas e social-chauvinistas herdadas notavelmente da socialdemocracia. Nessas lutas políticas, pelo menos até sua stalinização, o papel da Internacional Comunista foi decisivo e demonstra a importância do internacionalismo orgânico na construção de organizações revolucionárias.

A Terceira Internacional e o poder soviético atribuíram desde o início uma importância central à luta pela autodeterminação dos povos e à luta contra o imperialismo, como o Congresso dos Povos do Oriente demonstrou em Baku em 1920. Foi essa mesma determinação o que lhe permitiu lutar pela "correção" da linha política do jovem PCF na Argélia e frente às colônias do império francês.

 
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