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REFORMA DA PREVIDÊNCIA
A quem interessa a reforma da previdência?
Lauro Jardins

Nesse último dia 20, Bolsonaro entregou em mãos o projeto de reforma da previdência para o Congresso Nacional. A "mãe das reformas", que em realidade é um enorme ataque aos direitos dos trabalhadores, foi ponto-chave para possibilitar a própria existência de um governo Bolsonaro, fundamental para que este conseguisse o apoio de distintas alas da classe dominante: dos industriais aos banqueiros nacionais e estrangeiros.

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Para justificar a necessidade da reforma da previdência, a grande mídia bombardeia dia e noite que o país está endividado e em crise, que o governo precisa cortar gastos porque o orçamento está estourando e o maior dos gastos públicos é o da previdência social. O sensacionalismo é tamanho que chegam ao absurdo de afirmar que a reforma da previdência irá tirar o país da crise, uma afirmação absolutamente infundada no atual cenário nacional e internacional. Esse discurso da mídia burguesa, em realidade, significa dizer que os trabalhadores são quem devem pagar pela crise. Mas porque a classe dominante diz que é tão urgente uma reforma da previdência no Brasil? A serviço de quem está este enorme ataque à classe trabalhadora?

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Estamos indo para o décimo primeiro ano da crise que estourou com a queda do Lehman Brothers e os economistas burgueses como Larry Summers, Nouriel Roubini, Paul Krugman e Joseph Stiglitz prognosticam uma a possível recessão internacional em 2019 e 2020, neutralizando os efeitos de qualquer mínima recuperação que pudesse ocorrer no Brasil desde então. Aqui, a crise foi suficiente para afundar no desemprego uma geração inteira de jovens no Brasil, onde a expectativa é que o nível de emprego pré-crise só se recupere em 2028.

Para entender a urgência da reforma da previdência no Brasil é necessário ter em conta que a saída coordenada das grandes potências em 2008, com enorme injeção monetária, alimentou uma contradição: as baixas expectativas de rentabilidade do capital nos investimentos produtivos, combinada com baixa demanda e, com cada vez menores ganhos de produtividade por parte das inovações tecnológicas, direcionaram essas enormes quantias de dinheiro injetadas para as bolsas de valores e para outros ativos como, por exemplo, os títulos da dívida pública de países como o Brasil.

A divida pública brasileira é um mecanismo seguro e altamente lucrativo - pelas taxas de juros do país que são uma das maiores do mundo- para os capitalistas investirem. Sendo assim, a reforma da previdência vem como uma reivindicação feroz dos banqueiros nacionais e internacionais -que são os maiores detentores de títulos públicos brasileiros. Este ataque aos nossos direitos tem o objetivo de, por um lado, rebaixar o nível salarial de toda classe trabalhadora. E, por outro, garantir que o estado brasileiro tenha dinheiro para pagar os juros e amortização dos seus títulos que nada mais são do que contratos que concedem a estes banqueiros o direito sobre os impostos futuros, ou então, o direito sobre a mais valia transmitida ao estado futuramente. Uma economia organizada com o objetivo de maximizar a extração de mais-valia para gerar mega-superávits fiscais para os credores da dívida.

Não há déficit na Previdência

O discurso da falta de dinheiro do governo para sustentar o regime da previdência tomou as mídias. O regime previdenciário atual é previsto pela Constituição de 1988. Esta foi a consolidação de uma transição pactuada para a democracia burguesa, como um desvio do grande ascenso dos trabalhadores, no entanto, há nela concessões que a burguesia teve que fazer aos trabalhadores como o SUS, a previdência, entre outras que, até hoje, nem sequer chegaram perto de serem cumpridas. Na Constituição é instituído a seguridade social como um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinado a assegurar o direito relativo à saúde, à previdência e à assistência social.

O financiamento da seguridade social é previsto pelo Orçamento de Seguridade Social (OSS), um orçamento específico cujo objetivo no papel era fazer com que saúde, previdência e assistência social não fossem afetadas em períodos de crise. Contudo, o que vimos nos anos de "avanço da democracia" foi justamente que estas determinações hoje não passam de letra morta na Constituição e a realidade é que descarregam a crise com toda força nos trabalhadores e na juventude.
A crise da dívida da década de 1980, o ajuste fiscal da década de 1990 e o pacote neoliberal de FHC, que se manteve nos governos do PT, é fruto da pressão do capital financeiro para extrair e intervir em fatias crescentes da economia brasileira. Isso se dá essencialmente através de mecanismos legais que transferem o dinheiro público para os grandes capitalistas, que compram títulos da dívida pública, com o objetivo que o Estado seja uma mantenedor das altas taxas de lucro que a dívida proporciona aos seus detentores.

Entre esses mecanismos estão a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) assinada em 2000 por FHC, que impõe controles de gastos à União, estados e municípios, condicionado à capacidade de arrecadação desses entes, impõe contingenciamentos e sanções de gastos -quando a meta não é cumprida- e ataca diretamente os trabalhadores, com o parcelamento de salários, por exemplo. As metas tem como objetivo que o orçamento dos entes atinja o superávit fiscal (ou seja, lucro antes do pagamento dos juros da dívida).

Outra medida é a Desvinculação das receitas da União (DRU) também criado em 2000, permite o governo federal usar livremente 20% de todos os tributos federais vinculados por lei a fundos ou despesas. [1] A DRU representa um mecanismo legal de transferência de recursos do OSS para o Orçamento Fiscal, em outras palavras, retira das políticas de saúde, previdência, assistência social e (até 2011) da educação recursos que são destinados ao cumprimento da meta de superávit primário, e, portanto, para pagamento aos credores da dívida pública. Na prática, esse saque de 20% das receitas do OSS também contribui para fortalecer o discurso de instabilidade do sistema e déficit da previdência.

Nesse gráfico [2] vemos o impacto no orçamento de seguridade social após a incidência da DRU:

Nele vemos claramente a grande parcela do orçamento que é tirado da saúde, educação e previdência social e vão para o orçamento fiscal, ou seja, para aumentar o superávit primários e assim a garantia do pagamento da dívida pública.

Assim, vemos que é uma falácia quando dizem que a previdência atual (que, apesar de todos os seus limites, ainda poderia abranger mais e mais brasileiros, e com um benefício melhor) está em déficit. Em todos estes anos, podemos ver que não só NÃO está em déficit, como também ainda com o desconto da DRU seu superávit se mantém.

Dois mecanismos legalizados pelo Estado que retira qualquer conteúdo prático de uma ideia de “direitos universais” presente na constituição de 1988. Um problema estrutural de um país atravessado pelo imperialismo, em particular o norte-americano, que condiciona nossa economia e mesmo em períodos de crescimento das commodities não possibilita nenhum tipo de avanço estrutural por dentro do capitalismo.

Durante os governos do PT, o grande capital se aproveitou da alta do ciclo econômico para investir em títulos de renda fixa que davam juros a 14%, enquanto, com outra parte do dinheiro, compravam ações das empresas nacionais (global players) especializadas, com certa tecnologia no setor primário. Ao mesmo tempo que apostavam em novas empresas, no país, as altas taxas de juros com títulos públicos asseguravam um ótimo negócio, sem riscos. Não à toa Roberto Setubal, presidente do Itaú, declarou que Lula foi o melhor presidente da história do país.

Longe de mudar tais mecanismos de transferência de renda da Seguridade Social, o PT jogou no mesmo terreno das águias carecas do imperialismo e, enquanto pôde, deu muito aos bancos e para o pagamento da dívida pública e um pouco para os mais pobres, o que fez com que uma parcela saísse da miséria, mas que não representava uma reforma estrutural, e nem poderia sê-lo. Hoje, vários novos contingentes de pobres voltam para a miséria e serão ainda mais com a reforma da previdência de Bolsonaro.

O golpismo, governo Bolsonaro e a previdência social

A burguesia nacional e internacional cansou-se de usar somente essas manobras contábeis, que o PT assegurava fielmente, para tirar recursos da seguridade social por meio da DRU. Agora, se utiliza do discurso do déficit na previdência para impor mais duros ataques. Todos os economistas burgueses vociferam na mídia que a previdência está quebrando o país.

Após o golpe institucional que depôs Dilma Rousseff, Temer começa aplicando uma reforma trabalhista e, logo em seguida, a PEC 55, que congela os gastos públicos por 20 anos, com reajuste apenas até o máximo da inflação daquele ano. O corte foi justamente para sobrar mais dinheiro para o pagamento da dívida pública.

Pegando a proposta de Temer e deixando-a mais dura ainda, Bolsonaro lança a tão prometida reforma da previdência. A reforma promete economizar R$ 1 trilhão em 10 anos, através de um aumento enorme da exploração que pesa nas costas dos trabalhadores. As agências burguesas como a Moody’s preveem que uma boa reforma é a que economize R$ 600 milhões, ou seja, há bastante espaço para retirar alguns pontos e ainda assim atacar enormemente o trabalhador.

A reforma prevê uma aposentadoria com 65 anos para homens e 62 para mulheres e 20 anos de contribuição. Além disso, prevê um gatilho automático do aumento da idade mínima a partir do aumento da expectativa de vida (um cálculo abstrato que não reflete a realidade). O aposentado por invalidez recebe agora apenas 60% da média salarial, enquanto hoje ele recebe 100%.

Mais do que atacar somente a destinação de recursos como faz a DRU e a Lei de Responsabilidade fiscal, a reforma da previdência de Bolsonaro é a garantia futura do pagamento dos títulos da dívida pública. É o que unifica a burguesia pois é a certeza da rentabilidade dos investimentos atuais no futuro, num momento em que a economia internacional sinaliza uma piora. O capital financeiro busca os elos mais fracos da cadeia internacional. Nem precisou se esforçar muito, pois os setores do golpismo, gestados durante o PT, abriam uma avenida para sua entrada.

Não queremos uma economia que se organize para atender à necessidade dos grandes banqueiros e imperialistas internacionais. Queremos uma economia que se organize para atender aos objetivos e necessidade da classe trabalhadora e da população pobre. Por isso defendemos o não pagamento da dívida pública. Algo que só pode ser feito a partir de uma mobilização independente dos trabalhadores. Junto a isso, é preciso defender que sejam os trabalhadores que controlem a entrada e saída de capitais, para impedir que os lucros feitos aqui saiam para favorecer os países imperialistas, e impedir uma imediata fuga de capitais que aconteceria com o não pagamento da dívida pública. Para romper com o monopólio dos 12 que controlam a dívida pública, é necessário a estatização do sistema bancário sob gestão dos trabalhadores. Só assim poderíamos organizar a economia a partir dos interesses da classe trabalhadora e da maioria da população no Brasil.

[1] https://www12.senado.leg.br/noticias/entenda-o-assunto/dru
[2] SANTO, Marcos Henrique do Espírito. Fundos público e capital portador de juros: os dilemas do financiamento da seguridade social no Brasil. (Cap 3)

 
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