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POLÍTICA
A fratura da toga
Vanessa Dias

Um dia após Dias Toffoli vetar liminar de Marco Aurélio Mello que poderia libertar Lula, os maiores jornais do país amanheceram ensandecidos com uma das alas do Judiciário que tentou, mesmo antes da posse, opor alguns obstáculos ao governo Bolsonaro. As fissuras internas no STF estão expostas e os novos episódios escancaram a decadência das instituições do regime.

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A mando da presidente da Procuradoria Geral da República, Raquel Dodge, Toffoli vetou liminar de Marco Aurélio, que suspendia a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância. Por abrir a possibilidade de soltura de Lula antes mesmo da posse de Bolsonaro, a Lava Jato e setores internos do próprio STF se apoiaram na grande mídia com um discurso enraivecido de que a liminar significaria a soltura de milhares de presos.

A decisão liminar de Marco Aurélio e a resposta de Toffoli explicitam a enorme divisão dentro do STF. No interior dessa fratura atua, por um lado, uma ala composta por Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski - ocasionalmente ajudados por Celso de Mello e Gilmar Mendes - tentando impor alguns limites à Lava Jato, contendo o protagonismo da tropa de procuradores de Curitiba e de seu chefe, Sérgio Moro, atual Ministro da Justiça de Bolsonaro (recompensando pelos serviços prestados no golpe); por outro lado, ministros que, desde 2016, estiveram mais agressivamente à frente das ações autoritárias e decisões monocráticas que configuraram cada passo de aprofundamento do golpismo institucional - Carmen Lúcia, Alexandre de Moraes, Luiz Fux, Edson Fachin, Luis Roberto Barroso, Rosa Weber.

Dias Toffoli, atual presidente do STF, havia figurado no interior de alguns movimentos de contenção da Lava Jato em conjunturas anteriores, o que não elimina o fato de que foi um dos principais violinos na continuidade do golpe institucional com a prisão de Lula, o veto a sua candidatura e o novo veto monocrático à liminar de soltura do líder petista.

Distinguir e ordenar as coisas é essencial para entender os distintos interesses em jogo. Há diferentes forças em choque no interior do Judiciário, que se expressam de forma concentrada no STF, revelando linhas de falha e divisões que agregam e desagregam os ministros segundo o tema em pauta.

Quanto mais avança o autoritarismo judiciário de conjunto, mais polarizadas serão as divisões no STF.

Seria um erro, entretanto, concluir daí que "há forças progressistas no STF": a Suprema Corte foi a base do golpe institucional e do avanço dos principais ataques neoliberais de Temer (como a reforma trabalhista) e agora de Bolsonaro (com a reforma da previdência, que ganha em Dias Toffoli um novo porta-voz de campanha). Considerar possível combater o golpe se apoiando em uma das alas do judiciário é a mais pura ilusão.

As indisposições sistemáticas entre ministros do STF e a força-tarefa da Lava Jato revela uma ala minoritária da Suprema Corte que discorda das operações oriundas de Curitiba (agora alojadas na Esplanada dos Ministérios). Ao mesmo tempo, mostram o redesenho do regime político desde 2016, dando primazia ao bonapartismo judiciário como principal traço do regime político burguês no Brasil (sempre tutelado pelas Forças Armadas).

A alegada "luta contra a corrupção" - o oposto do que faz a Lava Jato, que simplesmente substitui um esquema de corrupção com a cara do PT por um com o rosto da direita, sendo a corrupção um traço inerente ao sistema capitalista - serviu desde 2014 para aumentar o autoritarismo judiciário sobre todas as esferas da política, com alvo claro: a classe trabalhadora, suas organizações político-sindicais, seus direitos democráticos e trabalhistas.

Foram 3 medidas vindas da mesma ala do STF, nesta quarta-feira: Marco Aurélio, além da liminar que beneficiaria Lula (soltando-o antes da posse de Bolsonaro, o que deixou em polvorosa a equipe de transição), também suspendeu os efeitos da decisão de venda de áreas da Petrobras, um dos principais alvos do Ministro da Economia Paulo Guedes; Lewandowski antecipou o reajuste ao funcionalismo federal, de 2020 para 2019, o que obrigará o primeiro ano da gestão Bolsonaro a desembolsar R$4,7 bilhões. Não ficam claros os interesses de fundo dessa ala do STF, mas demonstra que as divisões anteriores também podem dar dores de cabeça ao Planalto.

Para Lula, os efeitos da liminar fulminada são quase nulos; para Bolsonaro, por outro lado, a medida de Marco Aurélio, com aposentadoria próxima, é uma advertência de que não há "recolhimento político" do Judiciário, como anunciado por Toffoli. A politização do Judiciário também inclui o disciplinamento de Bolsonaro aos ajustes - que Jair quer aplicar, sem dúvida, mas que custarão perda de prestígio em sua base eleitoral - e nas negociações com os "fatores reais de poder".

O ultimato de Toffoli visou “acalmar os ânimos”, com papel não secundário da pressão da Alta Cúpula das Forças Armadas, que se reuniu após a liminar de Marco Aurélio para discutir e ditar o caminho das ações do STF. Eduardo Villas Boas, comandante do Exército, já havia em abril intervido publicamente contra o habeas corpus de Lula, que seria julgado na Suprema Corte, que decidiu virtualmente pela prisão de Lula naquele momento. Em setembro, novamente Villas Boas saiu em entrevista pressionando o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a vetar a candidatura de Lula, o que terminou se dando. No cair do pano de 2018, a terceira interferência política do Alto Comando - sustentado por personalidades saídas dos grotões da caserna, como os militares bolsonaristas Girão Monteiro e Roberto Peternelli - é sinal indisputado da tutela auxiliar das Forças Armadas a autoritarismo judiciário.

A imprensa oficial foi unânime em buscar disciplinar esta ala do STF, criticando a "insegurança jurídica" que emana da Suprema Corte (segundo Vera Magalhães do Estadão, "toda a insegurança jurídica e política do país emana do STF"). O resultado disso é que raras vezes se viu a Suprema Corte sair tão chamuscada de um episódio, com consequências em seu baixo prestígio na opinião pública.

Anedota à parte é que o episódio de fim de ano no STF tirou os holofotes da maior crise até então no governo Bolsonaro: o caso Coaf. Fabrício Queiroz, assessor de Flávio Bolsonaro e amigo íntimo de todo o clã de Jair, e que repassou R$24 mil à conta da primeira dama Michelle Bolsonaro numa movimentação total de R$1,2 milhão, iria depor ao MPF na mesma quarta-feira. Não foi. O depoimento foi reagendado para 24/12, uma data segura para não atrair as atenções. Isso, sem mencionar o escândalo com Gilberto Kassab e a condenação de Ricardo Salles, atual Ministro do Meio Ambiente de Bolsonaro, por improbidade administrativa.

Neste novo cenário de maior alcance das fissuras internas ao regime e de maior desgaste por parte de ampla campanha da imprensa, se colocam novas possibilidades abertamente mais reacionárias, com o Executivo possuindo o maior número de militares desde a redemocratização e sendo o Exército até o momento a instituição de maior prestígio. A grotesca busca da PF no escritório do advogado do agressor de Bolsonaro é mais um item nessa trama.

Por outro lado, os imensos ataques propostos no programa ultraneoliberal de Bolsonaro, como a reforma da previdência e a destruição de todos os direitos trabalhistas, coloca no horizonte político a luta de classes dos trabalhadores como um fator incontornável. Não está excluído que a gravidade dos ataques, ou mesmo alguma recuperação parcial e restrita da economia, possa abrir caminho a conflitos de classe duros, ainda mais tendo em vista os métodos de luta de classes com que os franceses arrancaram concessões do governo imperialista de Macron. Além disso, não se podem eliminar os efeitos turbulentos na economia nacional com a continuidade da guerra comercial entre Estados Unidos e China (principal consumidora da soja brasileira, e que voltou a comprar milhões de toneladas de commodities dos fazendeiros norte-americanos). As atuais crises no governo Bolsonaro aumentam as dificuldades de contenção pelo consenso, e os cenários ficam abertos para saídas "fora do script".

Uma resposta anticapitalista contra Bolsonaro, os golpistas e o autoritarismo judiciário

A luta contra o golpe e seu aprofundamento foi centro da política pela qual lutou o Esquerda Diário e o MRT ao longo dos últimos anos, bem como a luta contra o autoritarismo judiciário e o avanço da extrema-direita. A prisão de Lula foi o ponto alto do golpismo para impedir que as eleições pudessem ocorrer sob a vontade da maioria da população. Todos os ataques do Judiciário - esse velho inimigo das massas negras, grande maioria dos 36% de toda a população carcerária presos sem qualquer julgamento - contra os direitos democráticos da população possuíram o objetivo central de fragilizar as posições dos trabalhadores no interior de um regime político mais endurecido e autoritário, dificultando a organização sindical e as greves a fim de descarregar a crise capitalista nas costas dos trabalhadores, começando com reformas como a trabalhista e que agora tem como norte a reforma da previdência.

Por isso, defendemos veementemente a liberdade imediata de Lula como parte de combater esse autoritarismo, sem que isso signifique apoiar o PT, que já demonstrou sua falência estratégia e papel de traidor ao conciliar com setores da direita mais suja.

O autoritarismo judiciário só pode ser combatido por um programa profundamente anticapitalista, que esteja contra a democracia manipulada por juízes interessados e com políticos envolvidos até o pescoço em toneladas de sujeira. O combate à corrupção não tem condições de ser efetivo se relegado às costas de uma casta bilionária e poderosa. Para dar um primeiro passo sério, é preciso impor que todo juiz seja eleito e revogável, recebendo o mesmo salário de uma professora, ou seja, sem privilégios sociais. É preciso abolir os tribunais superiores e acabar com a farra de empresários e políticos corruptos através de júris populares. É preciso exigir também a soltura de todos aqueles presos sem julgamento e em segunda instância, exigindo a implementação do direito à presunção de inocência. Esta luta deve estar ligada ao não pagamento da dívida pública e à nacionalização dos bancos, do comércio exterior e dos recursos estratégicos da economia sob controle dos trabalhadores, assim como a estatização sob gestão dos trabalhadores de todas as grandes empresas de infraestrutura, para que os capitalistas paguem pela crise. Somente um programa anticapitalista e socialista pode dar essa resposta.

 
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