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EDUCAÇÃO - ELEIÇÕES
O “mal menor” e a educação (capítulo 2: Ciro Gomes)
Mauro Sala
Campinas
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Depois de publicarmos um artigo criticando o “projeto” de educação de Jair Bolsonaro, mostrando que trata-se de um ajuste neoliberal no interior do conservadorismo, iniciamos uma série sobre o "mal menor" e a educação, onde discutimos o significado da candidatura de Fernando Haddad para a educação e, agora, de Ciro Gomes.

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Assim como o candidato Fernando Haddad, Ciro Gomes tem dividido parte do eleitorado de esquerda diante da perspectiva reacionária que se apresenta. Todos podemos perceber um certo confronto entre os que defendem Haddad e os que defendem Ciro Gomes como candidato com melhores chances de se enfrentar e derrotar Bolsonaro num segundo turno. No campo da esquerda, muitos dos que tem defendido voto em Ciro Gomes veem nele uma perspectiva do “mal menor”.

É fundamental derrotar Bolsonaro e seu projeto. Entretanto, assim como acontece com diversos eleitores de esquerda e de última hora de Fernando Haddad, tenho visto um movimento entre os neociristas de partir de uma justificação da sua escolha como forma de impedir um eventual governo da extrema direita e logo em seguida estar discutindo seu programa como uma saída coerente para a crise em que estamos metidos: ele seria, simultaneamente, aquele que teria condições de superar as polarizações entre o PT e a extrema direita e aquele que seria o mais preparado para governar o país. Dorme-se defendendo o Ciro como “mal menor” e acorda-se simplesmente defendendo o Ciro e sua política.

No campo da educação, tenho visto cada vez mais pessoas impressionadas com os números que o candidato levanta: “das 100 melhores escolas no IDEB, 70 estão no Ceará”. A afirmação do candidato não é mentirosa. De fato, as escolas cearenses têm tido uma boa pontuação das avaliações e índices nacionais. Entretanto, devemos nos questionar: o que o resultado do IDEB nos mostra? O que as políticas implementadas no Ceará esconde? Será que essa experiência deve ser reivindicada pela esquerda como um acerto nas condução das políticas educacionais no país?

Primeiro, é necessário destacar que o próprio Ciro Gomes não foi o promotor direto dessas políticas que, em seus resultados, ele reivindica. Ele foi prefeito de Fortaleza no fim dos anos 1980 e governador do Ceará até 1994, ambos pelo PSDB. Após esses mandatos, Ciro Gomes ocupou ministérios e secretarias, entre outros altos cargos, e foi Deputado Federal. Mesmo assim, Ciro Gomes reivindica esses resultados como “coisa sua”.

Embora a paternidade seja controversa, é certo que Ciro Gomes adotou a política educacional de seu estado e seus resultados e segue propagandeando-os. É certo também que parte dessas políticas embora não tenha o DNA de Ciro, tem o DNA dos Gomes, já que seus irmãos-políticos estiveram à frente tanto da mítica cidade de Sobral quanto frente ao governo de estado, implementando elementos das reformas nas políticas educacionais.

Primeiro, temos que ter claro que uma pontuação elevada no IDEB pouco prova em relação à qualidade da educação. Ela apenas prova aquilo que se propõe: o resultado em uma avaliação de português e matemática e os números relativos ao fluxo escolar, como reprovação e evasão. O IDEB, criado durante a passagem de Haddad pelo ministério da educação, que busca medir a “qualidade objetiva da educação”, de fato mede apenas as variáveis que o compõe, sendo incapaz de apreender a qualidade da educação em seu conjunto.

Como vimos no primeiro capítulo sobre o “mal menor” e as políticas educacionais, o IDEB se inspirou na cultura de metas e avaliações dos EUA e faz parte do ideário dos reformadores empresariais da educação. O IDEB, e as metas a ele vinculado, apenas estabelece uma pressão por resultado naquilo que o índice mede.

Como o IDEB centra-se em português e matemática e no fluxo escolar, como variáveis para medir a qualidade da educação, acaba por gerar certa pressão para o estreitamento curricular. Para melhorar os resultados nas avaliações padronizadas, essa busca acaba levando a uma padronização curricular, centrando-o, sobretudo, nos elementos que serão mensurados. Como certa vez disse um prefeito de Sobral, Veveu Arruda (PT), "nossa preocupação é com o arroz com feijão bem feito, sem pedagogês que não dá resultado”. Como a escola é medida pelo “arroz com feijão”, cada vez mais a educação se restringe a eles.

Como nos mostra Luiz Carlos de Freitas: 

"Todo o esforço das escolas imersas nestas politicas não é no sentido de construir uma educação de qualidade que desenvolva as várias dimensões da formação dos estudantes e lhes dê autonomia intelectual, mas sim, vão na direção de treinar o aluno para melhorar o índice, reduzindo educação a instrução, ao “feijão com arroz” simplificado. É claro que se você simplificar e “ensinar para a prova”, a nota vai subir. Educar, no entanto, é diferente de treinar. E nota alta em testes estreitos não é sinônimo de boa educação”.

Os professores e professoras tem clareza disso que levanta o professor Freitas. Eles sabem que seus objetivos vão muito além da preparação para essas avaliações. Então, como fazer os professores aderirem a esse processo de estreitamento curricular e de centralização nos testes?

A avaliação em larga escala é apenas o primeiro passo das reformas empresariais na educação. Para induzir o processo e dar centralidade às avaliações externas, essa política precisa seguir com um processo de responsabilização de seus agentes, punindo e/ou premiando os professores que atingirem ou não as metas estabelecidas. Baseado na meritocracia, professores que apresentarem bons resultados passam a ser valorizados financeiramente, recebendo um bônus. Os que não apresentarem, não ganham nada.

Mas como são medidos esses “bons resultados”? Eles são simplesmente medidos pelos índices de desempenho federal e/ou um índice próprio criado pelo estado, a partir das avaliações de desempenho dos estudantes. A política de bônus gera simultaneamente pressão e desmoralização dos professores. Como essas avaliações centram-se em português e matemática, acaba recaindo sobre esses professores maior pressão e responsabilização.

Mas a política do estado de Ceará vai além. Essa política de responsabilização não se centra apenas nos professores e nas escolas, ela age sobre redes inteiras. Como nos mostra, novamente, Luiz Carlos de Freitas:

"O Ceará colocou o desenvolvimento educacional dos municípios como parte das condições de partilha do ICMS estadual. Isso certamente está gerando competição e um controle intenso no interior das redes e escolas, via avaliação. Pelas regras de distribuição, 25% do ICMS é repassado aos municípios em função de resultados em educação, saúde e meio ambiente. No caso da educação, cabe a ela 18% deste valor, assim dividido: 12% baseado na avaliação da alfabetização dos alunos na 2a. série do EF e 6% baseados no índice de qualidade educacional dos alunos da 5a. série do EF. Conforme a própria Secretaria diz: “são penalizados os municípios que apresentam alta desigualdade no desempenho de seus alunos”. A avaliação do fundamental I, anos iniciais, portanto, define parte do ICMS recebido pelo município. Além disso, distribui-se 25 milhões de reais em meritocracia.”

Embora essa política de repartição do ICMS não tenha o DNA de Ciro, tem o DNA dos Gomes, já que foi seu irmão, Cid Gomes, quem a implementou.

Assim, o governo do estado, para induzir nos municípios essa “cultura de metas”, criou um mecanismo de responsabilização de rede inteiras e que acaba retirando verbas justamente das redes municipais que se encontram, segundo seu próprio metro, com maiores dificuldades.

As avaliações em larga escala ligadas à meritocracia e à responsabilização induzem processos de privatização nas redes, com a profusão de materiais didáticos, sistemas de ensino e apostilamento que visa o treinamento para a obtenção das metas estipuladas.

Ao reivindicar a experiência de Sobral e do Ceará, Ciro Gomes se coloca junto com os reformadores empresariais da educação como Fundação Lemann e o "Todos pela Educação”. Ao reivindicar as políticas do Ceará para a educação, Ciro Gomes se coloca junto com os tucanos paulista e seu receituário de gestão. Certamente não é com a política dos empresários e da direita que venceremos a extrema direita no campo das políticas educacionais. A saída para os trabalhadores precisa ser distinta da experiência reivindicada pelo candidato.

Diante a extrema direita, Ciro Gomes pode até parecer um “mal menor”. Mas só não ache que Ciro Gomes não governará junto com os empresários que disputam os rumos das políticas educacionais (assim como não governará sem o agronegócio da sua vice, Kátia Abreu). Mesmo que para alguns Ciro Gomes possa parecer um “mal menor" diante de um Bolsonaro e suas ideias, cada professor e estudante, e todos aqueles comprometidos com a educação pública, precisam ter clareza que a experiência de reforma educacional que Ciro reivindica, a partir dos resultados do Ceará, faz parte do mesmo ideário de reforma educacional que cada um de nós combate em cada estado e em cada município do país. O Ceará é a vitrine dos reformadores empresariais da educação. O projeto deles não pode ser o nosso.

Foto: André Carvalho/CNI

 
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