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PÉROLAS DA ESQUERDA
Grupo brasileiro defende a ruptura da Frente de Esquerda na Argentina
Daniel Pereira
São Paulo

“A avareza é um nó corredio que aperta cada dia mais o coração e acaba por sufocar a razão.” (HONORÉ DE BALZAC)

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A esquerda é repleta dessas coisas meio curiosas que muitas vezes despertam até mesmo interesses alheios à política. Aqueles que defendem uma revolução no sentido “russo” do termo, ou seja, com direito à greve geral insurrecional e coisas desse tipo, via de regra é considerada como algo separado da realidade. Não necessariamente gente louca – já que muitas vezes reconhece-se sua boa intenção –, mas sobretudo marginal. Dize-se: “sectária”.

Por mais que esse estereótipo seja utilizado pela burguesia para desacreditar qualquer alternativa à miséria do possível dentro dos marcos do capitalismo, a parte de verdade em que se apoia essa marginalidade dos grupos que defendem a revolução muitas vezes faz com que companheiros de batalha percam as esperanças em transformar suas ideias em força material e comecem a ver a realidade de uma forma (para dizer de algum modo) particular. É algo compreensível, pois as dificuldades estendidas por muito tempo geram ceticismo, e o comunismo desprovido de uma mínima dose de esperança na classe trabalhadora é impossível de se justificar.

Pois bem. Acontece que na Argentina recentemente essas “máximas” vêm sendo uma e outra vez questionadas. Entre 5% e 10% dos eleitores das principais cidades do país começam a enxergar a possibilidade de que a esquerda que defende a independência política dos trabalhadores em relação à burguesia deixe de ser meramente “denunciadora” e “testemunhal” e passe a ser uma força social importante no cenário político nacional. Essa simples possibilidade está provocando certo transtorno em algumas correntes de esquerda. Especialmente o grupo brasileiro chamado “Partido da Causa Operária” (PCO) escreveu um artigo de balanço da primeira etapa das eleições argentinas concluída no dia 9 de agosto, no qual coloca argumentos dignos de estudo, senão por parte de uma análise política rigorosa, pelo menos como interessante matéria das ciências psicológicas.

A Frente de Esquerda e dos Trabalhadores na Argentina (FIT, pelas siglas em espanhol), atualmente encabeçada pela candidatura presidencial de Nicolás Del Caño (mais conhecido como Nico), é a expressão de uma nova força social incipiente que começa a emergir como um sujeito político. Uma força social e política que parece incomodar ao PCO porque se expressa no enraizamento do Partido dos Trabalhadores Socialistas (PTS) em fábricas e serviços estratégicos, em centenas de candidatos operários e operárias independentes que estiveram na linha de frente dos principais processos de luta que atravessaram o país nos últimos anos, numa juventude que coloca seu corpo junto às lutas da classe trabalhadora, e na identificação de Nicolás Del Caño e os milhares de apoiadores de sua candidatura com tudo isso.

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Essa Frente de Esquerda, que se propõe a ampliar numa escala muito superior, organizando mais e mais operários e operárias como sujeitos que façam valer sua força política através dos métodos da luta de classe para resistir aos ataques que buscam descarregar os custos da crise sobre as costas da classe trabalhadora, o PCO propõe que se rompa e deixe de existir.

Esse grupo considera um enorme oportunismo “renovar” a esquerda com centenas de trabalhadores e trabalhadoras independentes que pela primeira vez ultrapassaram os limites da luta sindical e se propuseram a defender um programa anticapitalista em suas fábricas, nos seus bairros proletários, nas escolas de seus filhos etc. Um oportunismo especialmente “pequeno-burguês” porque Nico se fez conhecido no país como o deputado federal que tomou 9 tiros de bala de borracha da polícia enquanto estava num piquete operário junto aos trabalhadores de uma multinacional que haviam sofrido demissões em massa; e que se recusa a receber os salários exorbitantes pagos a todos os parlamentares, ficando apenas com o equivalente ao salário de um professor e destinando todo o restante às lutas dos trabalhadores.

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É interessante notar particularmente como o PCO lamenta como “incomum” e “pouco provável” as cifras ineditamente altas que a FIT vem obtendo no importante estado de Mendoza, onde Nicolás Del Caño tem sua principal base social. Aí, Nico já havia recebido 14% dos votos quando foi eleito como deputado federal em 2013, recentemente recebeu 17% nas eleições para prefeito na capital, ganhando do candidato de Cristina Kirchner; e Noelia Barbeito, também do Partido de Trabalhadores Socialistas, recebeu 10% de votos como candidata a governadora. Para Rui Costa Pimenta, líder espiritual do PCO, não somente é “estanho” que a esquerda obtenha índices de votos dessa magnitude, como também é “artificial” fazer pesar essa “estranheza” em todo o país para permitir que a esquerda deixe de ser meramente testemunhal.

O “Partido da Causa Operária” gostaria que nas eleições de 9 de agosto tivesse triunfado Jorge Altamira do Partido Obrero (PO), que qualificam como “ala revolucionária” da FIT em oposição à “ala oportunista” do PTS. Defendem o “histórico” de Altamira, já se apresentou inúmeras vezes às eleições desde 1989 apesar de nunca ter conseguido superar a barreira da marginalidade nem tampouco fundir-se com os setores avançados da vanguarda operária.

O que não fica claro no balanço do PCO é porque não fazem qualquer referência à política do PO de ampliar a Frente de Esquerda através de alianças eleitorais com pequenos grupos populistas e sindicalistas de esquerda que não lutam pela independência política dos trabalhadores. Subentende-se que consideram uma obviedade indigna de menção o fato de que os aliados de Altamira defendam o governo capitalista de Evo Morales na Bolívia. Uma conclusão que se desprende das íntimas relações que o próprio PCO estabelece com Lula e o PT atualmente no Brasil.

Em seu balanço, o brasileiro Rui Pimenta repreende o argentino Altamira por não ter seguido seus conselhos e ter feito uma frente eleitoral com o PTS, ressaltando que a realidade lhe deu razão na medida em que agora a FIT é hegemonizada por Nicolás Del Caño. Particular interesse sociológico se desprende do fato de que o PCO alguns anos atrás era parte de uma mesma organização internacional que o PO, mas foi expulso da mesma por não pagar as cotizações.

O “Partido da Causa Operária”, apesar de se reivindicar como a continuidade de uma corrente nascida em 1979, nas últimas eleições no Brasil obteve 0,01% dos votos. Claro que, para os revolucionários, as eleições são apenas uma expressão distorcida da realidade, já que não necessariamente expressam o peso real de uma organização operária na luta de classes. Entretanto, na medida em que o PCO praticamente inexistiu nas jornadas de junho de 2013 no Brasil e nem tampouco teve existência relevante na onda de greves que sacudiram o país nos últimos anos, como mínimo é de se perguntar se seu critério de “verdade” está correto.

O próprio Altamira, a quem Rui Costa Pimenta aconselha romper a FIT, disse que “quem rompe a FIT se suicida”. Estaria Altamira pensando que o PO poderia terminar como o PCO e ele mesmo poderia ter o mesmo triste destino de Rui Costa Pimenta.

 
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