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GÊNERO E SEXUALIDADE
Assexualidade: olhando para o invisível
Heitor Carneiro

Estudos preliminares apontam que ao menos 1 em cada 100 pessoas se considera assexual. Isso quer dizer que você provavelmente conhece alguns deles. Mas você sabe o que significa ser assexual e como eles se sentem? Continue lendo para conhecer um pouco mais.

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Do começo: o que é a assexualidade?

De forma simples e direta: assexuais são pessoas que não sentem atração sexual. Claro que essa simplificação deixa de lado um fator importante, que é que a assexualidade se dá em uma escala variável, não em um simples sim/não. Normalmente se usam termos relacionados a cores para se definir a escala assexual: branco é a cor das pessoas 100% sexuais, preto das 100% assexuais. E entre o preto e o branco há uma grande variação de tons de cinza. Isso quer dizer que muitas pessoas que se colocam na área cinza do espectro assexual podem sentir atração sexual por alguém, em situações específicas.

O discurso científico, no entanto, não aceita a assexualidade. Assim como foi feito com homossexuais durante muito tempo, e ainda se faz com pessoas trans, argumentos médicos são usados para deslegitimar a existência da assexualidade, afirmando que é algum tipo de distúrbio psicológico ou neurológico, uma doença a ser tratada e eventualmente curada. No entanto, não podemos nos deixar enganar por aqueles que se apoiam em teorias como essas, pois querem apenas medicar as diferenças em nome de uma sociedade lobotomizada, eugênica, homogênea, e no fundo muito sem graça.

É importante notar que sexualidade não é sinônimo de gênero. Assim como pode haver pessoas trans que são homossexuais ou heterossexuais, essas pessoas podem também ser assexuais (apesar de a assexualidade não ser uma orientação, do mesmo tipo que a homossexualidade ou a heterossexualidade, sendo possível que alguns assexuais “cinza” sejam gay ou hétero). Outra distinção importante é entre sexualidade e romantismo. É perfeitamente possível que alguns assexuais se apaixonem, queiram ter relacionamentos, até casar e ter filhos. Também não são necessariamente avessos ao toque, podendo trocar carícias, beijos, abraços... A regra é que não há regra, varia muito de pessoa para pessoa.

A metáfora do tênis: aprofundando um pouco

Imagine que você não jogue tênis, mas praticamente tudo à sua volta seja relacionado a esse esporte, todo mundo que você conhece seja um fanático pelo jogo da bolinha-pra-lá-bolinha-pra-cá, tenha seu atleta preferido, discuta o melhor momento de se dar um slice, um lob, um topspin. Você ficaria isolado, não? Então, aos olhos de um assexual, há poucas diferenças concretas entre fazer sexo e praticar um esporte (como jogar tênis). Se retirarmos as construções culturais e ideológicas e olharmos apenas para as coisas em si, veremos que se tratam de atividades físicas, que estimulam certas glândulas, que por sua vez produzem substâncias que agem no cérebro, que interpreta a presença de tais substâncias como algo prazeroso.

Mas se praticar esportes e fazer sexo são a mesma coisa, por que não há a-tenistas, a-nadadores, a-“qualquer-coisa”? Por que categorizar alguém por uma das coisas que ela não faz, se muito provavelmente essa não é a única? Muito simples, porque a sociedade não olha com os mesmos olhos para todas as atividades, e nossa visão sobre cada uma delas é moldada pela construção ideológica a qual fomos submetidos desde pequenos. E nossa cultura trata o sexo como algo muito diferente e muito mais importante do que qualquer outra ação humana.

Às vezes parece que a Terra não gira em torno do Sol, mas ao redor de um grande luminoso néon que pisca: SEXO, sexo, SEXO, sexo. Você liga a televisão, e a maioria dos programas é direta ou subliminarmente sobre sexo. Filmes? Sexo. As conversas no bar são sobre sexo. Na verdade até o motivo que leva muitos homens a saírem de casa de manhã todos os dias (principalmente aqueles que não trabalham exclusivamente para pôr comida na mesa) é a chance de ter sexo ou de obter uma “moeda de troca” que um dia vai virar sexo. Querem um cargo melhor e um salário mais alto não porque a vida ficará mais fácil, mas porque estarão em uma posição social superior, que se traduzirá em mais sexo. Sexo é poder, sexo é status. Com sexo por todos os lados, mas sem serem parte desse universo, muitos dos assexuais se sentem estrangeiros em sua terra, alienígenas em um espaço que deveria ser seu, sofrem para aceitar sua identidade, se sentem impostores no mundo, enfim, são oprimidos.

Patriarcado: o pai das opressões

Desde muitos séculos atrás, apoiando-se na ideia desembasada de que certas características e comportamentos seriam naturalmente masculinos e outros seriam femininos, e utilizando-se da noção arbitrária de que os homens seriam superiores às mulheres, a cultura patriarcal vem se desenvolvendo. Essa cultura é responsável por uma gama de opressões que se apresenta de diferentes maneiras, entre elas o machismo e a LGBTfobia, que hoje se expressam de maneira mais violenta e escancarada, com os estupros e assassinatos diários, o que as torna mais conhecidas e combatidas. Mas é também responsável pela opressão silenciosa e subjetiva que sofrem os assexuais.

Uma das ideias absurdas pregadas pelo patriarcado é a que homens são cheios de tesão, que devem estar sempre prontos para o sexo, e que as mulheres não gostam de transar e só o fazem por favor ou interesse (ideia cristalizada na velha frase “quem gosta de pau é viado, mulher gosta é de dinheiro”). Assim, da mesma forma que ocorre com outros tipos de opressão, é diferente para homens e mulheres o modo de sofrerem as pressões da normatividade, quer dizer, o modo como se dá a representação subjetiva e psicológica da opressão. Dos homens é esperada uma sexualidade constante, o que faz com que a todo momento os assexuais estejam em desvio do comportamento padrão. Serem vistos e se sentirem como estando sempre “errados” acaba sendo um golpe fortíssimo para suas autoestimas, o que os leva a diferentes reações, desde a autodestruição à autoafirmação em excesso. Já para as mulheres assexuais, um dos maiores pontos de dificuldade está em admitir que, embora por motivos que divergem dos pressupostos, as preconcepções do senso comum se aplicam a elas, e elas não são apenas “frígidas” ou “recalcadas” (usando termos freudianos). Ou seja, na busca por quebrar a ideia de que são passivas sexualmente, muitas mulheres em seu processo de emancipação acabam caindo, por uma outra direção, na mesma lógica determinista que as oprime, ao universalizarem e naturalizarem a sexualidade, dessa forma se tornando cúmplices do aprofundamento da invisibilização a que estão acometidas as assexuais.

A existência da assexualidade coloca em xeque premissas fundamentais em muitas argumentações, talvez isso explique o porquê de ser deixada tão de lado, mesmo por setores que se organizam para combater opressões, e talvez por isso também seja tão difícil para muitas pessoas se reconhecerem e se assumirem assexuais. É um duro processo de desconstrução das regras do mundo, quase como se dissesse que não existe a gravidade ou o magnetismo. Ainda assim, é um processo importante, pois só abraçando a diversidade e questionando as bases do nosso pensamento poderemos construir uma sociedade justa e livre de opressões.

A sociedade capitalista se perpetua não apenas pelo controle que a burguesia tem sobre os aspectos materiais da vida, mas também por meio do processo contínuo de reconstrução e reprodução da ideologia da classe dominante, que é espelhada pelo senso comum que se difunde por todas as classes. Para garantir seu frágil controle sobre a população, essa ideologia divide os indivíduos em grupos incontáveis, de acordo com sua adequação ou não a padrões variáveis, nos colocando obstáculos reais que precisam ser superados dialeticamente: lutar contra as opressões para fortalecer a luta contra o sistema; lutar contra o sistema para acabar com as opressões.

 
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