Foi o inesquecível Atahualpa Yupanqui, também autor de milongas, quem proclamou: “Zitarrosa canta a Milonga del solitário melhor do que eu mesmo”; e foi o cantor Juan Manuel Serrat quem, também se dirigindo a Zitarrosa, afirmou que ele era “o mais importante poeta da América Latina”.
Quanto a Zitarrosa, é dele a reiterada afirmação: “Não sou folclorista, sou cantor popular uruguaio e meu canto é fundamentalmente de raiz camponesa; tudo é milonga, milonga mãe, mãe inclusive do tanto e do candomblé”.
E assim, a música camponesa do seu país foi transformada, e tomou muitas vezes a forma de um grito de protesto e de luta e, finalmente se imortalizou, se universalizou: dessa forma nos foi legada a milonga universal de Zitarrosa [e de Yupanki e vários outros].
[De origem pobre, camponesa, Zitarrosa viveu com pais adotivos até os 18, quando, com a morte destes, foi viver com sua mãe natural. Precocemente desenvolveu uma carreira artística riquíssima, com autodidatismo impressionante e na condição de leitor voraz. Muito inspirado pelas lutas do seu tempo, por uma América Latina em chamas, Cuba funcionando como um farol, depois o Chile dos cordões proletários industriais, a Argentina das coordenadoras operárias, o Brasil com seu auge estudantil em 1968, o maio francês, e um mundo onde durante mais de 15 anos pipocavam revoluções, mas também derrotas e golpes, esse foi o universo de inspiração de Zitarrosa, também de Viglietti, de Victor Jara].
O fato é que naqueles anos 1968, Zitarrosa era um dos nossos companheiros de luta, por assim dizer, porque sua canção – frequentemente pungente – estava entre as que mais ouvíamos.
No início dos 1970, com o golpe militar no Uruguai, mais adiante na Argentina, e com os milicos também dando as ordens por aqui, Zitarrosa terminou proibido.
Proibido no seu país, na Argentina, o nosso cantor teve que partir para o exílio, primeiro na Espanha, depois no México, sempre compondo canções. Em 1984, uma multidão vibrante o recebeu de volta no seu país, onde ele veio a falecer, aos 53 anos, em 1989.
A censura não tinha como funcionar: mais censurado e no entanto, cada vez mais ouvido, Zitarrosa – por assim dizer, e junto a tantos outros – embalava nossos mais altos sonhos, de uma transformação de fundo na América Latina e no mundo.
Os golpes militares gorilas se sucediam. Mas um dia os gorilas se foram, a partir das mobilizações operárias e de massas, e Zitarrosa ficou. Ficou e ficará.
E certamente estará de volta, lado a lado com novos poetas e outras vozes que cantarão a revolução contemporânea, pela qual também ele lutava [foi perseguido no Uruguai por ter apoiado uma frente ampla, que fazia oposição ao regime] e sonhou.
Guitarra negra, Adagio em mi país, El violón de Becho, El candombe del olvido, Canto de nadie, Milonga del alma, Milonga para uma niña, Doña Soledad e dezenas de outros cantos ficaram na nossa memória de época e certamente possuem o poder de evocar nossos sonhos.
Sonhos que estarão nas mãos da juventude que, ao contrário daquela nossa geração de esquerda, dos 1960, aprenderá a levantar a estratégia para vencer, construirão um partido dos trabalhadores com independência de classe [ao contrário do PT] e levantarão bem alto a bandeira do socialismo, da emancipação da mulher, e em defesa de todas as formas de amor.
Zitarrosa representa – com outros poetas do seu tempo -, um belo prenúncio da força criativa, também musical, dos tempos revolucionários que nos esperam pela frente.
Pode lhe interessar escutar duas das músicas de Zitarrosa: Doña Soledad e Violín de Becho [1969]. A letra da primeira está disponível ao fim da nota.
Observe, na segunda música, Violín, a sensibilidade do verso:
Vida y muerte, violín, padre y madre
Canta el violín y Becho es el aire
Ya no puede tocar en la orquestra
Porque amar e cantar eso cuesta
Mas também observe a extrema sensibilidade de:
Cuando Becho lo toca y se calma
Queda el violín sonando en su alma
Canções de Zitarrosa:
Violín de Becho 1969:
Doña Soledad:
Letra de Doña Soledad:
Alfredo Zitarrosa
mire, doña soledad
póngase un poco a pensar
doña soledad
cuántas personas habrá
que la conozcan de verdad
yo la vi en el almacén
peleando por un vintén
doña soledad
y otros dicen, haga el bien
hágalo sin mirar a quién
cuántos vintenes tendrá
sin la generosidad
doña soledad
con los que pueda comprar
el pan y el vino nada más
la carne y la sangre son
de propiedad del patrón
doña soledad
cuando cristo dijo no
usted sabe bien lo que pasó
mire, doña soledad
yo le converso de más
doña soledad
y usted para conversar
hubiera querido estudiar
cierto que quiso querer
pero no pudo poder
doña soledad
porque antes de ser mujer
ya tuvo que ir a trabajar
mire, doña soledad
póngase un…
Você também pode se interessar em ouvir o El violín de Becho, agora cantado por Mercedes Soza e em performance de uma bailarina: