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CRÔNICA
Um café para refletir sobre o sarau anticapitalista
Afonso Machado
Campinas
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Passe a xicara pra cá e prove este café... Sempre quando começamos um papo solto, em que as ideias saltam por entre as orelhas como peixes fritos em época de piracema elétrica, ideias e sensações, prosa e poesia, podem se misturar livremente. O que eu quero dizer é que quando trocamos ideias, as questões políticas/sociais banhadas pelo nosso interior podem ser expressas artisticamente. A maneira como relembramos o que rolou e a forma como nos referimos a uma questão coletiva, também podem ser transformadas pela nossa imaginação, podem fazer parte de uma totalidade estética, podem ser manifestação artística.

Se você me entendeu, se você sacou do que se trata, então seria o maior barato tomar parte do Sarau Anticapitalista promovido pelo MRT na Casa Marx, em São Paulo. Não tem erro pra chegar: fica em frente a saída do metrô da Vila Madalena. Basta abrir os dois olhos para se deparar com uma placa em que está escrito primeiramente a palavra CASA e em seguida as quatro letras que ainda fazem a burguesia pedir penico: MARX. Gostaria de relatar brevemente neste segundo café, o que eu vivenciei na mais recente edição deste sarau, no último sábado(dia 11 de agosto).

Já tive a oportunidade de estar na Casa Marx anteriormente. É um verdadeiro oásis vermelho em que funciona livraria, espaço para exposição de obras de arte, espaço para palestras, debates, leituras, manifestações artísticas... Definitivamente um local de vanguarda em que o jornal Esquerda Diário e a editora ISKRA acabam por desenhar uma aconchegante trincheira anticapitalista. Na edição do Sarau do dia 11, rolaram reflexões e manifestações que tocaram com todos os dedos na raiz dos problemas materiais e políticos da cultura contemporânea. A programação do evento começou com um debate sobre arte e revolução. Enquanto que algumas pessoas de “ esquerda “ no nosso país ainda falam de arte segundo os parâmetros bigodudos do Realismo Socialista(algumas delas inclusive nem sabem que estão reproduzindo o stalinismo cultural), colocamos em pauta os 80 anos do Manifesto Por uma Arte Revolucionária Independente, redigido por André Breton e Leon Trotski(sim, é um documento carimbado neste coluna).

O texto de Breton e Trotski( que funcionava como base para a Federação Internacional da Arte Revolucionária Independente) tem cheiro de coisa nova para reivindicarmos/praticarmos uma arte livre que não é simplesmente questão de “ gosto pessoal “ mas sim um conjunto de manifestações que trabalham( de acordo com suas especificidades) pelas exigências do movimento da história: a Revolução socialista. Partindo do aparente paradoxo da arte livre ser ao mesmo tempo a arte que é serva da história( ou seja, o condicionamento histórico e a utilidade social das manifestações artísticas não contradizem o fato da arte consistir necessariamente num processo interior em que o artista necessita de independência, repelindo assim interferências externas), ocorreram ao longo do debate importantes saltos dialéticos entre 1938 e 2018.

Para a dialética materialista o artista é um produtor que lida com as técnicas enraizadas no desenvolvimento dos meios de produção e com a herança artística do passado. A atividade artística só pode ser entendida à luz do desenvolvimento histórico de uma sociedade. Em 1938 o artista de esquerda tinha sob a sua cabeça os bombardeios da Luftwaffe, tinha ao seu lado os sons da morte nos campos de concentração, à sua frente a boca totalitária e cheia de dentes do fascismo, que faria a Europa engasgar-se com muito sangue durante a Segunda guerra mundial(1939-45); sem contar que por esta mesma época a burocracia soviética manipulava através da arte de encomenda as imagens da luta de classes, distorcia com mentiras deslavadas a história da Revolução russa de 1917 para realizar o culto à figura de Stálin. Já em 2018 o artista de esquerda, especificamente no Brasil, se vê às voltas com uma conjuntura política altamente conservadora, na qual ocorrem constantes ataques dos capitalistas contra a arte de combate.

Ao colocarmos em questão a necessidade da arte revolucionária hoje, o debate abordou a dramática situação que grupos de teatro político da cidade de São Paulo se encontram(para se ter a dimensão exata do problema é preciso ler o bombástico artigo “ Artistas mobilizados contra os ataques à lei de fomento “, que a camarada Débora Torres assina). As condições materiais de produção artística foram vistas e pensadas no evento a partir de uma evidência histórica: não existindo arte revolucionária fora do movimento operário, se faz necessário pensar a produção artística a partir dos meios organicamente ligados à classe trabalhadora. Os sindicatos, por exemplo, precisam fornecer espaço/suporte para sustentar as iniciativas dos trabalhadores no tocante à produção cultural. Ficou obvio que para isto ser realidade, se faz necessário tanto uma direção política revolucionária que assuma o controle das instituições e organizações operárias quanto a formação política e cultural de trabalhadores e artistas militantes.

Defendeu-se portanto a ideia de que o movimento operário deve procurar oferecer os meios de luta cultural, abrindo-se para um contexto artístico libertário no qual diferentes tendências que procuram sinceramente aproximar-se do preparo e da realização da Revolução socialista, tenham espaço para existir de forma independente(sem a intervenção burocrática). A estas questões somaram-se outras durante a discussão, tais como o complexo problema do Estado capitalista financiar ou não formas de arte revolucionária. Corpos inquietos, línguas ansiosas e olhares atentos jogaram um maravilhoso ping pong intelectual em que a cada jogada pronunciava-se palavras como “ marxismo, surrealismo, gênero, capital, cultura, indústria cultural, arte de agitação e propaganda, Diego Rivera, Piscator, Revolução russa de 1917, Proletkult, CPC, a depressão econômica da década de 1930, as periferias hoje, Maiakóvski, teatro de esquerda, totalitarismo, as particularidades históricas e culturais do Brasil “ etc.

A arte revolucionária independente existiu por inteiro na Casa Marx, durante o último sábado. Além da teorização das questões estéticas e políticas, artísticas e históricas, o público teve a oportunidade de conhecer a extraordinária pintura de Filipe Amorim e pensar a realidade social através da violenta gargalhada do Show do Pimpão; e talvez nada seja mais eficaz hoje do que pinceladas livres e o riso debochado que provoca sérias reflexões sobre a situação do artista popular no Brasil.
Infelizmente não pude ficar até o fim do sarau, tive que me mandar para Campinas.

Pegando o trem e depois o ônibus, senti que cada Estação do metrô e posteriormente cada palmo de paisagem que se desmanchava pela janela, não diluíam o mundo, não eram uma sequência fantasmagórica e sem sentido. Assim como este café que já estamos terminando, as atividades culturais militantes ajudam a compreender que tudo o que se passa no nosso dia a dia, que inclusive experimentamos sozinhos, são apenas uma pequena parte de um enredo muito maior, de um drama muito mais profundo, ou seja, os fatos da luta de classes. O artista que se posiciona ao lado do proletariado, que assegura os direitos da imaginação( preservando sua verdade interior) e luta para produzir a arte relevante do nosso tempo, é um revolucionário independente a serviço da história.

 
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