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DOSSIÊ DIA DA MULHER NEGRA, LATINA E CARIBENHA
A luta pela legalização do aborto é fundamental para não criminalizar as mulheres negras
Letícia Parks
Iaci Maria

A luta pela legalização do aborto é uma pauta histórica das mulheres em todo o mundo. É uma luta pelo direito das mulheres decidirem pelos próprios corpos, mas também para acabar com o enorme número de mortes de mulheres devido aos abortos clandestinos. E quando se trata de mortes, as mulheres negras estão no topo das estatísticas e, quando não morrem, são também as que mais sofrem com a criminalização do aborto.

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Sabe-se que o aborto clandestino é a 5ª causa de morte materna no Brasil, sendo milhares de mulheres praticando o procedimento todos os anos em nosso país. De acordo com dados estatísticos, cerca de meio milhão de mulheres fazem aborto por ano. São 1300 mulheres por dia, sendo 57 por hora. Todas as mulheres fazem o aborto na clandestinidade, porém o fato de ser proibido leva a que seja feito de forma precária, sem condições de higiene e segurança, mesmo sendo um procedimento cirúrgico simples. Por isso são milhares de mulheres que morrem na tentativa de abortar, chegando a aproximadamente 4 mulheres por dia que morrem em nosso país, vítimas de aborto clandestino.

As mulheres que abortam somos todas nós. Ricas, pobres, jovens, adultas, casadas, solteiras, religiosas ou não, com filhos ou sem. Todas fazemos na ilegalidade. Agora, quem são as mulheres que morrem? Essa pergunta não é difícil de responder, já que a resposta é sempre a mesma para a maioria as estatísticas de mortes provocadas: são as mulheres trabalhadoras, pobres, em sua maioria negras, que são aquelas que não possuem condições financeiras de arcar com os caríssimos abortos nas clínicas clandestinas seguras, que chegam a cobra um valor próximo a 5 mil reais. Ou seja, as mulheres ricas pagam o preço, as pobres e negras pagam com a vida.

Mas quando se trata de mulheres negras, as estatísticas são ainda mais assustadoras. Segundo dados do IBGE, o índice de aborto provocado entre as mulheres negras é de 3,5%, e para as brancas é de 1,7%. Ou seja, as mulheres negras abortam o dobro do que as mulheres brancas, o que se explica pelo fato de que a maioria das mulheres pobres e trabalhadoras precárias são negras, tem pouco acesso aos métodos de prevenção como consequência da precariedade do SUS, e menos ainda tem acesso a educação sexual nas escolas públicas, cada vez mais desmontadas. Além disso, não bastasse serem as que mais abortam, são também as que mais morrem, sendo o risco de aborte em decorrência de aborto para uma mulher negra 2,5 vezes maior do que para uma mulher branca. Isso porque são as negras também que possuem mais dificuldades de acesso a serviços de saúde, além do racismo institucional que leva a que essas mulheres sejam mais negligenciadas nos tratamentos de saúde. Por exemplo, segundo um estudo da Fundação Oswaldo Cruz, quase um terço das mulheres negras conseguem atendimento no primeiro hospital ou maternidade que procuram, sendo obrigadas a procurar outros atendimentos, o que aumenta o risco de morte. São também cerca de 22% das mulheres negras grávidas não recebem anestesia, contra 16% das brancas, devido à ideia racista de que as mulheres negras são mais fortes e aguentam mais dor.

A maior dificuldade que as mulheres negras possuem para garantir um aborto seguro também é parte de um racismo que se apoia na ideologia de que as mulheres tem a obrigação de serem mães e, para as mulheres negras e pobres, a geração de filhos é fundamental à burguesia para que se gere mais e mais mão de obra barata para assumir os trabalhos mais precários, formando assim um enorme contingente de jovens negros que servirão como exército industrial de reserva.

Quando não morrem, qual o destino das mulheres negras que abortam na clandestinidade?

Assim como negras e negros são maioria entre a população pobre e trabalhadora, são também maioria no cárcere. O aborto sendo criminalizado tem como consequência que, se uma mulher aborta na clandestinidade e seu ato ilegal é descoberto, essa mulher pode ser presa. Ao saber-se que as mulheres negras são maioria entre as que abortam de maneira mais insegura, as que mais morrem em decorrência do aborto e as que mais são negligenciadas nos serviços de saúde, é notável que também são essas mulheres as que mais são criminalizadas e levadas ao cárcere apenas pelo fato de terem tomado uma decisão sobre sua própria vida e seu corpo.

Lutar pela legalização do aborto, essa histórica e tão importante pauta das mulheres, é fundamental para acabar com o escandaloso índice de mortes de mulheres, mas também para acabar com a criminalização das mulheres, principalmente as mulheres negras. A descriminalização do aborto já seria um importante passo para evitar a prisão de mulheres, mas é ainda muito pouco, pois não garante às mulheres o direito de decidir sobre suas vidas e levará com que apenas as que podem pagar ou se endividar, continuem abortando em segurança, enquanto as pobres e negras seguirão morrendo na clandestinidade.

Por isso que nesse marco é fundamental que a esquerda coloque no centro do debate a pauta pela legalização do aborto. O PSOL trata essa batalha de maneira formal, sem se apoiar na enorme conquista das mulheres argentinas, que arrancaram nas ruas a aprovação da legalização do aborto na Câmara, e sem organizar buscar organizar uma forte mobilização no Brasil pela legalização do aborto. No último período, o partido vem substituindo a bandeira da legalização pela da descriminalização do aborto, luta essa que estão levando a frente apenas pela via institucional através de uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) que apresentaram no último ano ao STF pedindo a retirada dos artigos 124 e 126 do Código Penal que criminalizam as mulheres que fazem aborto.

Apostar apenas na ADPF mostra como a luta não apenas é secundária para o partido, como eles demonstram mais confiança no judiciário golpista do que na força das mulheres e da classe trabalhadora para arrancar seus direitos através da luta e mobilização massiva. Como já apontado, a descriminalização não é suficiente, é preciso travar uma luta até o fim pela legalização, para que o aborto seja seguro e garantido pelo SUS, para que as mulheres não mais morram. Já a trilha traçada pelo PT, abandonou a luta pelo direito ao aborto, rifando os direitos das mulheres quando era governo em nome de uma “governabilidade” e “diálogo” com os setores conservadores e a bancada religiosa. Nenhuma estratégia que passe por fora de fortalecer a organização independente das trabalhadoras e das mulheres pode ser uma saída à altura da enorme batalha que deve ser dada contra a direita e as bancadas religiosas, que já mostraram de diversas formas que estão dispostas a arrancar cada um dos nossos direitos e aplaudir a morte da juventude negra e das mulheres que abortam.

Como apontado por Diana Assunção “O PSOL deveria retomar a luta pela legalização do aborto convocando junto aos movimentos feministas, aos movimentos sociais, de direitos humanos, as Católicas pelo Direito de Decidir, e exigindo às centrais sindicais uma Coordenação Nacional de Luta pela legalização do aborto no Brasil em cada local de trabalho e estudo para expandir a batalha no Senado argentino e garantir que no Brasil também seja lei.

Somente com uma forte mobilização, tal como veio se dando na Argentina, que é possível arrancar que o aborto seja lei, e somente sua legalização poderá garantir que as mulheres, principalmente as mulheres negras, não apenas não sejam mais criminalizadas e encarceradas, mas que sigam vivas, decidindo pelos seus corpos e suas vidas.

 
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