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ELEIÇÕES NO MÉXICO
López Obrador, nova esperança para a esquerda latino-americana?
Bárbara Funes, México D.F.

Em meio à crise dos governos do progressismo latino-americano, alguns analistas veem em López Obrador uma esperança para a "esquerda latino-americana". Ilusão e realidade.

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Praticamente às vésperas das eleições, dez líderes políticos de países como Argentina, Colômbia, Chile, Equador, Espanha e França expressaram seu apoio via Twitter. Entre eles, a ex-presidente argentina Cristina Fernández, o ex-presidente equatoriano Rafael Correa e o ex-presidente colombiano Ernesto Samper.

Por sua parte, a imprensa internacional e a Mexicana se referem a Lopez Obrador, candidato presidencial da coligação Juntos faremos história — integrada pelos partidos Movimento de Regeneração Nacional (Morena), Encontro Social (PES, direita cristã) e do Trabalho (PT) —, e com possibilidades de chegar à presidência, como "esquerda".

Eles apresentam como um renascimento da "esquerda latino-americana" após o declínio e a crise dos governos progressistas: um triunfo depois de anos de Mauricio Macri na Argentina, depois do governo de Cristina Fernández de Kirchner, golpe institucional contra Dilma Rousseff no Brasil, encabeçado por Michel Temer, o distanciamento entre Correa e Moreno no Equador, e a vitória de Iván Duque nas eleições presidenciais na Colômbia. Observe a profundidade da crise venezuelana com Nicolás Maduro no poder, e omissão da menção de Daniel Ortega, líder histórico sandinista que governa a Nicarágua e busca afogar em sangue os protestos que exigem sua renúncia e o fim da repressão.

Por sua vez, Gustavo Petro, ex-militante do M-19 e candidato à presidência do Colômbia Humana, que perdeu para Ivan Duque no segundo turno, em uma entrevista com o semanário mexicano Proceso referiu a si mesmo e a López Obrador como representantes do progressismo na América Latina.

"Essa corrente progressista", declarou ele, "está aumentando no México, com López Obrador; na Colômbia, com o movimento Colômbia Humana (que o indicou à presidência), e em países como Peru, com Veronika Mendoza (ex-candidata presidencial e líder do Nova Peru) e Brasil (onde o ex-presidente Lula da Silva está liderando as pesquisas, apesar ser detido acusado de corrupção)".

No entanto, claramente é outro o contexto internacional em que López Obrador se fortaleceu. Hoje, a crise da globalização — a grande empreitada neoliberal — evidencia os limites do atual modelo de acumulação capitalista, e não foram recuperados os preços das matérias-primas impulsionadoras de algum crescimento econômico no período anterior, os principais produtos de exportação de grande parte da América Latina.

O período de surgimento dos chamados governos pós-neoliberais baseou-se naquele momento econômico para conceder certas concessões; seu esgotamento impulsionou esses governos — que nunca colocaram em questão nem a base capitalista nem a dominação imperialista sobre os setores fundamentais das economias nacionais — a atacar certas conquistas do movimento de massas, antecipando, assim, as políticas atuais de vários governos de direita nesses países.

O atual momento econômico internacional aberto pela crise de 2008 se caracteriza pela contradição entre o livre comércio promovido pelas transnacionais e as tendências protecionistas, cuja expressão máxima é a administração Trump nos Estados Unidos, que com o estabelecimento de tarifas e demandas severas nas renegociações do Acordo de Livre Comércio das Américas causaram tensões e incertezas tanto nos governos do México e do Canadá como da China e da União Europeia.

Nesse contexto, as condições usadas pelos governos pós-neoliberais não estão mais presentes; As margens econômicas e sociais que uma possível administração lopezobradorista são muito mais limitadas.

Os limites do progressismo de López Obrador

Nesse contexto, é preciso considerar o programa econômico e político de AMLO que — e nisso sim, cabe a comparação com os "progressismos" da região — não busca atacar as bases estruturais sobre as quais se apoiam a exploração e opressão das grandes maiorias.

A ascensão eleitoral do Morena é baseada em atrair o apoio de milhões de trabalhadores e jovens que viraram as costas para os partidos burgueses tradicionais, especialmente desde os eventos de Ayotzinapa e mobilizações de massa que surgiram depois.

No entanto, as promessas de Andrés Manuel López Obrador concentram-se na luta contra a corrupção, a qual opõe uma gestão honesta, e políticas assistencialistas, como bolsas de estudo para estudantes e duplicação da ajuda para os idosos.

O ponto crítico em seu discurso anti-corrupção é que o seu partido, o Movimento de Regeneração Nacional (Morena) tornou-se o barco da salvação de inúmeras figuras dos partidos patronais tradicionais, o Partido Revolucionário Institucional (PRI) e do Partido de Ação Nacional (PAN ), bem como o Partido da Revolução Democrática (PRD), que ocupou o espaço do centro até 2014, e entrou em uma crise sem fim com o massacre de Iguala e o desaparecimento dos 43, no sul do estado de Guerrero, que foi governado por Ángel Aguirre, um homem do PRD.

Por sua vez, López Obrador afirma que com o que será poupado impedindo práticas corruptas e o corte parcial nos salários, bônus e seguro de saúde dos altos funcionários terá o dinheiro para estas bolsas de estudo e pensões, mas não há medidas concretas para conseguir efetivamente um maior nível de recursos fiscais, tais como o não pagamento da dívida externa ou impostos progressivos para as grandes fortunas como a de Carlos Slim.

Em relação à reforma educacional, concebida por organizações internacionais como a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) — que incidiu sobre o trabalho precário de professoras e professores a partir da imposição de uma avaliação punitiva que não tem nada a ver com pedagogia, enquanto no campo educacional tem como objetivo a redução dos programas de estudo já pobres, para treinar as novas gerações como uma força de trabalho dócil — afirmou que a revogará.

Embora o candidato não questione a subordinação das políticas educacionais a organizações internacionais, este ponto de seu programa eleitoral atraiu a simpatia dos professores, cuja vanguarda tem enfrentado a implementação desta reforma nas ruas, em 2013 e 2016.

Quanto à reforma energética — criada nos escritórios de Hillary Clinton quando era secretária de Estado do governo Obama — o candidato da coalizão Juntos Faremos História afirmou que os contratos serão revistos e aqueles em que detectarem irregularidades serão revogados. Mas está longe de questionar a entrega de um recurso estratégico como o petróleo para as multinacionais.

A questão da imigração e o relacionamento com os Estados Unidos merecem um parágrafo separado. No contexto da atual crise migratória — com a separação de famílias e a detenção de crianças migrantes — ele continua afirmando que "não desrespeitaremos o governo dos Estados Unidos porque não queremos que ninguém ofenda nosso povo ou a nação mexicana", como ele afirmou no discurso de encerramento de sua campanha eleitoral.

"No relacionamento com os EUA, haverá uma disposição para dialogar e chegar a um acordo. Na ocasião, proporemos a Trump um tratado abrangente com o Canadá, que também inclua os países da América Central ", insistiu. E depois afirmou: "O México nunca será um pinhata [saco de pancadas] de qualquer governo estrangeiro". Um discurso contraditório, mas bastante moderado, especialmente considerando que não se pronunciou sobre a política de imigração dura do México — ditada desde Washington — contra os imigrantes da América Central, que são barrados e perseguidos pelo território nacional, sendo que fogem da pobreza e da violência que reina nos seus países de origem.

Também vale destacar sua aproximação dos empresários, bem como sua posição em favor da manutenção do Acordo de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA, na sigla em inglês) nos termos que foram propostos, o que implicou uma profunda degradação das condições de trabalho para a classe trabalhadora dos três países parceiros para garantir lucros multimilionários às transnacionais. Nada surpreendente, porque em várias ocasiões ele disse que procura governar "os ricos e os pobres", uma afirmação simples para fazer uma política de conciliação entre classes cujos interesses são opostos.

Outro elemento crítico é a sua posição conservadora sobre os direitos democráticos, como a legalização das drogas, o casamento igualitário e o direito ao aborto legal, seguro e gratuito, contra o qual afirma que eles deveriam ir à consulta popular. E este conservadorismo não é coincidência: para ganhar influência eleitoral nos estados do norte se aliou com o Partido Encontro Social (PES), da direita cristã, que impulsionou a Frente Nacional pela Família, que tem realizado manifestações contra o casamento gay e contra os direitos das mulheres.

López Obrador no contexto internacional

É uma leitura errada e ao mesmo tempo interessada afirmar que López Obrador representa a "esquerda" mexicana. Se baseia no apoio eleitoral de amplos setores populares que o veem como uma alternativa, mas representa um novo partido burguês, que agora ocupa o espaço da centro-esquerda moderada e pretende chegar ao governo com uma retórica de tons reformistas incentivado pelos ataques brutais de Trump.

É difícil imaginar que o possível triunfo de López Obrador contribuirá para o agrupamento do que a imprensa internacional erroneamente chama de "esquerda latino-americana".

No momento, a moderação da AMLO levou-o a evitar qualquer referência a experiências anteriores (em particular, para evitar ser "estigmatizado" como um novo Chávez), e ao contrário, seu discurso e o de seus intelectuais se concentraram em questões políticas internas, e fala dos Estados Unidos apenas forçado pelas circunstâncias. Dos líderes internacionais "progressistas", o único com que teve uma certa aproximação foi com o líder trabalhista Jeremy Corbyn.

No entanto, de acordo com a dinâmica dos acontecimentos na região, pode ser um ponto de referência político e ideológico, diante do qual é fundamental considerar a verdadeira natureza de seu programa econômico, político e social.

O fato inegável é que a ascensão de López Obrador se deve em grande parte à revolta das maiorias com os tradicionais partidos patronais que dominaram o cenário político mexicano durante décadas. E, ao mesmo tempo, o candidato favorito atua como uma contenção dessa revolta dentro dos limites do atual status quo, e desviou as tendências a que o descontentamento se expresse nas ruas.

 
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