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A educação na construção do socialismo na Rússia
Mauro Sala
Campinas

Texto publicado originalmente na Revista Ideias de Esquerda n. 3, especial 100 anos da Revolução Russa.

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Os revolucionários bolcheviques tinham total clareza do papel que a educação teria para a construção do socialismo. No plano educacional, eles tinham imediatamente um duplo desafio: superar o atraso relegado pelo antigo regime tsarista e educar as novas gerações para a nova sociedade que então se formava. Por isso, Lenin dizia que a educação tinha que estar relacionada com as tarefas da luta de classes, da construção do Estado operário e com o projeto comunista.

Para Lenin, as tarefas da educação eram impensáveis se afastadas das tarefas da polí-tica. O velho ponto de vista burguês que separava a instrução das tarefas políticas da luta de classes e da construção do socialismo deveria ser radicalmente abandonado.

Entretanto, não podemos pensar que a ligação da escola com a política se dá por ser a escola um lugar apenas para discursos políticos e politizadores acerca do comunismo. Para Lenin, não basta assimilar as máximas comunistas ou as conclusões da ciência comunista, e cometerá um erro crasso quem pensar que se pode ser um comunista sem haver assimilado os conhecimentos acumulados pela humanidade e dos quais o próprio comunismo é conse-quência.

No Estado operário, esse conhecimento acumulado pela humanidade não poderia se-guir sendo monopólio da classe dominante. E mais: para os objetivos da revolução não bas-tava apreender esse conhecimento da forma memorialista e adestradora como na escola bur-guesa. Assim, além da democratização do conhecimento e da universalização do acesso à escola, os comunistas defendiam que ele não poderia seguir simplesmente encerrado nas es-colas, permanecendo separado da vida agitada que corria na sociedade. Lenin dizia que “nosso trabalho no domínio escolar consiste em derrubar a burguesia, e declaramos aberta-mente que a escola fora da vida, fora da política é uma mentira e uma hipocrisia”. O conhe-cimento deveria se ligar profundamente com a vida plena que a revolução ambicionava construir.

Para isso, buscou-se apropriar do mais avançado que a escola burguesa produziu e fazê-la avançar para que pudesse cumprir as tarefas imediatas da revolução e das tarefas mediadas de construção do comunismo, construindo um novo sistema educativo: a Escola Única do Trabalho.

Já em 1917, ao elaborar o projeto de programa do partido bolchevique, Lenin formu-lou um ponto sobre a escola que dizia ser necessária uma “educação gratuita, obrigatória, geral e politécnica (que familiariza tanto na teoria como na prática com todos os principais ramos da produção) para todas as crianças de ambos os sexos até 16 anos, uma estreita liga-ção do ensino com o trabalho social produtivo das crianças”.

O governo revolucionário, ainda em outubro de 1917, constituiu um Comissariado do Povo para a Educação (Narkompros), que teve Lunacharsky como comissário e presença de Krupskaya, que assumiu como primeira vice-comissária e depois liderou a Seção Pedagógica da Comissão Científica Estatal, responsável pela criação dos currículos e dos programas escolares. A participação de duas figuras como Lunacharsky e Krupskaya, bem como a pronta criação do Comissariado, reforçam a centralidade que a educação ocupava no projeto da construção socialista.

Um ano depois, o Narkompros lançou um documento que declarava os “princípios da Escola Única do Trabalho” e dizia que “a reforma da escola, depois da Revolução de Ou-tubro, tem obviamente o caráter de um ato de luta das massas pelo conhecimento, pela edu-cação. O Comissariado da Educação deve, o mais rápido possível, destruir os privilégios de classe também nesse campo, que talvez seja o mais importante. A questão não está apenas em torná-la acessível para todos na forma como ela é, pois que assim como ela foi feita pelo regime passado, ela não serve às massas trabalhadoras. Trata-se de uma reconstrução radical no espírito de uma escola verdadeiramente popular” (Declaração sobre os Princípios Fun-damentais da Escola Única do Trabalho - 1918).

Esse novo sistema, a Escola Única do Trabalho, deveria se guiar pelo princípio de que “na base da vida escolar deve estar o trabalho produtivo, não como meio de pagamento dos gastos de manutenção das crianças e não só como método de ensino, mas especialmente como trabalho produtivo socialmente necessário”, fazendo da escola “uma comuna forte e organicamente ligada com os processos de trabalho, com a vida circundante” (Deliberação do Comitê Central de Toda a Rússia sobre a Escola Única do Trabalho - 1918).

Assim, desde 1918 o governo revolucionário começa a pôr em prática esse programa, criando escolas experimentais que voltavam-se para a tarefa de resolver as questões práticas de elaborar uma nova pedagogia para a Escola Única do Trabalho, ou seja, o sistema escolar da Rússia Soviética.

Krupskaya defendia que apenas na base da experiência coletiva do magistério é que se poderia concretamente constituir a nova escola socialista, buscando e testando as inova-ções que depois seriam generalizadas para todas as escolas regulares, mas sempre guiando-se pelas tarefas impostas pela revolução e pela teoria marxista. Apenas em 1924 essas expe-riências foram levadas às escolas de massa e generalizadas para todo o sistema escolar sovi-ético.

Mas em que consistiu essa experiência?

Afinadas com os ideais da revolução, da superação das divisões de classes e do con-trole democrático dos trabalhadores sobre a produção e a vida social, as escolas soviéticas deveriam se organizar com tal finalidade. Essas escolas buscaram se organizar tendo o traba-lho socialmente útil como seu guia central, como forma de criar a autodisciplina e a iniciativa, individual e coletiva, necessárias para a construção do socialismo, que só pode constituir sua economia, sua política e sua cultura com base na iniciativa criadora das massas.

A escola torna-se única, ou seja, não apresenta caminhos distintos constrangidos pelas origens sociais e de classe dos estudantes, buscando romper com os privilégios de classe e os destinos que a velha sociedade guardava para os indivíduos, segundo sua origem. Todos - meninos e meninas - teriam a mesma educação baseada na auto-organização dos estudantes e na articulação entre as dimensões intelectuais, manuais e técnicas do trabalho, buscando assim romper com a forma capitalista da divisão social e hierárquica do trabalho e favo-recendo o autogoverno.

Assim, pelo trabalho social e produtivo e a auto-organização, queria-se retirar do co-nhecimento seu caráter livresco, ligando-o à vida social e às tarefas da revolução, que iam da manutenção de pontes e vias públicas, de programas e organização para a agricultura, que ainda era muito rudimentar, à tarefa de alfabetização da população adulta e à participação na produção fabril onde era possível. Com isso, buscava-se formar a autonomia necessária para a formação do sujeito histórico que fosse ao mesmo tempo um intelectual, um técnico e um político: que se apropria da cultura, que saiba trabalhar produtivamente e que possa ser um sujeito ativo na construção da nova sociedade.

Essa formação técnica dos trabalhadores especializados não era profissionalizante, no sentido de uma formação específica e, mais ou menos, estável. Pelo contrário, essa formação deveria estar sempre subordinada às exigências da cultura geral e dos fundamentos científicos e sociais que movem a moderna produção. Não se tratava de proporcionar aos es-tudantes apenas uma profissão determinada que poderia se tornar inútil num futuro próximo, mas sim uma vasta instrução politécnica e hábitos gerais que lhes permitiriam chegar às fá-bricas como operários conscientes, hábeis, que só necessitem de uma curta aprendizagem especial. A formação especializada para uma determinada área é adiada até os últimos anos da escolarização, depois de ser ensinada toda uma base tecnológica, científica e social geral.

A tarefa da escola politécnica não era preparar um especialista estreito, mas uma pessoa capaz de entender as relações dos diferentes ramos da produção, o papel de cada um desses ramos, suas tendências de desenvolvimento, mas que também saiba o que e por que algo deve ser feito em cada momento, ou seja, deve fornecer ao jovem a perspectiva neces-sária para a construção do socialismo. A escola única do trabalho deveria não somente pre-parar a habilidade de trabalhar individualmente, mas deveria desenvolver também a capaci-dade para o trabalho coletivo e a capacidade de organizar-se para o trabalho.

Com a libertação do proletariado do jugo do capital e do domínio burguês, colocava-se a tarefa para os próprios operários de organizarem a produção para a sociedade, não so-mente em cada fábrica específica, mas também para toda a sociedade soviética. A incapaci-dade de auto-organização dos trabalhadores para uma organização racional da produção le-varia fatalmente à reposição das hierarquias na divisão do trabalho.

Por isso o conteúdo da escola politécnica não poderia ser desprendido da forma da auto-organização dos estudantes. A própria forma é um ensaio do conteúdo que queria se criar.

Mas essa nova escola não se ligava apenas à perspectiva do futuro. As condições ob-jetivas da Rússia Soviética, que ainda carregavam muitas das heranças do antigo regime com seu baixo desenvolvimento econômico e cultural, exigiam que todas as forças da escola se empenhassem na superação desse atraso. A planificação da economia para a superação do atraso exigia que cada operário pudesse se tornar um agente criativo nessa empreitada, afinal, a base do comunismo é uma eficiente organização racional do trabalho social visando o inte-resse de todo o coletivo. E para isso era necessário desenvolver racionalmente as forças pro-dutivas e, consequentemente, as forças espirituais da população, evitando todo e qualquer desperdício.

Assim, a Escola Única do Trabalho, centrada no ensino politécnico, deveria ao mes-mo tempo formar os estudantes para o trabalho e educá-los nas habilidades de organização. Para isso, o ensino na escola soviética deveria propiciar as mais amplas condições de liber-dade para a iniciativa organizacional dos trabalhadores, dando a todos eles, não apenas as capacidades de um bom operário, mas também de um construtor ativo da sociedade.

Para que a Revolução pudesse colher os frutos da transformação socialista que alme-java, era necessário mais do que modificar as bases sociais, econômicas e políticas da socie-dade, era preciso que cada um se revolucionasse a si mesmo nesse projeto, já que o que se queria construir era uma sociedade onde o livre desenvolvimento de cada um fosse a condi-ção para o livre desenvolvimento de todos.

Em 1931, a primeira reforma educacional promovida por Stalin fez remarcar a ideia de profissionalização e fez regredir muitos dos ensaios mais frutíferos dos primeiros anos da revolução, tendo, inclusive, afastado, prendido e assassinado vários pedagogos importantes do primeiro período, que segue sendo referência fundamental para pensarmos uma educação afinada com o socialismo e com os ideais da revolução social.

 
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