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POLÍTICA EDUCACIONAL
Os limites das políticas de Lula e Dilma no Ensino Superior e na Educação Profissional
Mauro Sala
Campinas
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Às vésperas do julgamento do Lula, num grupo de professores, foi postada essa imagem e fiquei me perguntando: “será que são esses os motivos para absolver o Lula?”

Mas antes de comentar alguns aspectos do seu conteúdo, é melhor deixar claro que também sou daqueles que se opõem à condenação do Lula por esse judiciário formado por privilegiados e tenho os dois pés atrás com a judicialização da política. Penso que o impeachment foi um golpe e que a condenação do Lula, e o impedimento de ele concorrer às eleições, é outro golpe. Mas não sou daqueles que apoia o Lula politicamente... inclusive por vários motivos apontados no cartaz.

É compreensível que, com a virulências das medidas que o governo Temer tomou após assumir o poder - uma Emenda Constitucional que congelou os investimentos na educação e outros serviços sociais, a Reforma do Ensino Médio, a flexibilização das leis trabalhistas, a ampliação legal da terceirização, o avanço do staff tucano no MEC, o recrudescimento dos reacionários do “Escola sem Partido”, a promessa de uma terrível reforma da previdência -, muitos trabalhadores e pessoas comprometidas com a educação passassem a ver as políticas do PT como uma espécie de “mal menor”, sentindo até um pouco de nostalgia de suas políticas de inclusão dos “de baixo”.

Entretanto, não é pelo fato de o que se seguiu ser terrível que faz do precedente algo desejável. Não é por contraste com o acento negativo das políticas do golpismo que as políticas do PT devem receber um acento positivo. Os efeitos do golpe são terríveis, mas eles não podem fazer com que vejamos os erros do PT como aceitáveis, e, muito menos, como desejáveis. Precisamos analisar essas políticas criticamente.

Assim, duas coisas me parecem muito claras: 1) que a narrativa de que o golpe solapou de forma abrupta um caminho glorioso das políticas educacionais do lulismo é falsa. As políticas e programas para a educação de Lula e Dilma já estavam em crise antes do golpe; 2) que as formas de inclusão que Lula e Dilma promoveram, via privatização, não foram capazes de criar uma estrutura sustentável e, por isso, regrediram também antes do golpe.

***
Ensino Superior

Como um governo de conciliação de classes, as políticas para educação do lulismo sempre mantiveram um olho no peixe e outro no gato. Entretanto, não parece que era para manter o peixe salvo, mas para garantir a engorda do predador. Na educação isso significou ter um olho na educação pública mas sempre enchendo o cofre da iniciativa privada.

Se pensarmos nas políticas para expansão do Ensino Superior listadas no cartaz, podemos perceber isso claramente. Juntar PROUNI, REUNI e FIES numa mesma defesa, sem dar os pesos e balaços dos impactos de cada um desses programas, é desprezar o saldo final que eles tiveram para o Ensino Superior Público no país.

É verdade que o acesso ao Ensino Superior cresceu acentuadamente nos governos PTistas, chegando a mais 8 milhões de matrículas. Mas também é certo que houve uma acentuada privatização do Ensino Superior no Brasil. Para se ter uma ideia, das pouco mais de 8 milhões de matrículas no Ensino Superior do último ano de governo PTista, mais de 6 milhões eram na rede privada. Houve, durante os governo Lula e Dilma um aumento relativo da participação do Ensino Superior privado no país, que cresceu consideravelmente mais rápido que o público, tudo devidamente impulsionado por programas como PROUNI e FIES. Não foi fortuito que durante os governos do PT se criou o maior monopólio da educação privada do mundo.

Mesmo o REUNI, que promoveu a expansão da Rede Federal não foi capaz de contrabalancear a privatização do Ensino Superior no país. Apesar de, entre 2003 e 2014, o governo ter mais que dobrado o número de campi das Universidades Federais e ter quase dobrado o número de matrículas (chegando a mais de 1,1 milhão de estudantes), o rápido crescimento das Instituições de Ensino Superior privadas foi muito mais acentuado, impulsionado também pela maior participação do ensino a distância.

Para se ter uma ideia, desde a publicação do marco regulatório do ensino a distância, em 2005, houve um imenso incremento dessa modalidade, que em 2014 chegou a mais de 23% das matrículas no Ensino Superior, sendo que mais de 830 mil vagas foram oferecidas nas instituições privadas, representando 90% das vagas em EaD no país. No ensino superior presencial, a participação das instituições privadas representaram cerca de 72% das matrículas do mesmo ano. A rede Federal participa com 17% das matrículas em cursos presenciais e 7% nos cursos em EaD. [1]

Assim, mesmo políticas importantes, como o estabelecimento das cotas nas Universidades e Instituições de Ensino Superior Federais, ficaram constrangidas pela participação dessa rede no total das vagas oferecidas no país, cerca de 1,18 milhão de estudantes, frente os quase 6 milhões da rede privada. Isso significa que os mais de 6 milhões de jovens inscritos no último ENEM terão que disputar uma das 347 mil vagas disponíveis para ingresso na Rede Federal. [2]

O PROUNI, uma das bandeiras dos governos PTistas para a Educação Superior atingiu o seu ápice em 2014, quando distribui mais de 205 mil bolsas integrais e mais de 100 mil bolsas parciais. Entretanto, já no fim do mandato de Dilma, os números do PROUNI mostravam que havia uma mudança em curso na composição do programa. Embora o número total de bolsas tenha aumentado entre 2014 e 2015 (passando de 269.376 para 329.117 - tendo uma queda importante em 2016, quando Dilma já não governava), a relação entre bolsas parciais e integrais pendeu fortemente em favor das primeiras. Se em 2014, 70% das bolsas do PROUNI eram integrais, das bolsas distribuídas em 2015, 62,1% eram desse tipo, baixando para 50,6% em 2016. Durante esse período também houve uma queda no número absoluto de estudantes contemplados com bolsas integrais pelo PROUNI, caindo de 205.237, em 2014, para 204.587, em 2015, e, finalmente, para 166.603 estudantes contemplados com bolsas integrais em 2016. [3]

A queda no número de bolsistas integrais mostra uma certa constrição do acesso ao Ensino Superior, via PROUNI, da população mais pobre. As regras do programa estabelecem que as bolsas integrais serão destinadas para estudantes com renda familiar de até um salário mínimo e meio e as bolsas parciais para estudantes com renda familiar de até três salários mínimos, o que mostra uma mudança no perfil sócio-econômico dos estudantes atendidos pelo programa.

Quando comparamos os números do REUNI, do PROUNI e do FIES, começamos a perceber a verdadeira cara das políticas dos governos do PT para o acesso ao Ensino Superior. De 2010 à 2014, o número de novos contratos do FIES aumentou mais de 9,5 vezes, chegando a mais de 732 mil novos contratos e um orçamento de mais de R$ 12 bilhões. Em 2015, apesar de o orçamento do Financiamento Estudantil seguir em expansão, devido aos contratos já firmados, o número de novos contratos recuou para pouco mais de 287 mil, o que mostra a instabilidade dessa forma de acesso ao Ensino Superior. [4]

Assim, em 2015, também passou a vigorar novas regras para o FIES, com aumento da taxa de juros, de 3,4% para 6,5% ao ano, "com vistas a contribuir para a sustentabilidade do programa, possibilitando sua continuidade enquanto política pública perene de inclusão social e de democratização do ensino superior. O intuito é de também realizar um realinhamento da taxa de juros às condições existentes no cenário econômico e à necessidade de ajuste fiscal.” [5]

Além das novas regras referentes aos juros pagos pelos estudantes, o FIES passou a sofrer com cortes e atrasos, o que criou certa incerteza quanto à manutenção dessa política e do prosseguimento dos estudos dos que dependem do financiamento estudantil. É verdade que dentre essas novas regras também estava prevista um limite nos reajustes das mensalidades para que as Instituições de Ensino Superior (IES) pudessem participar do programa de financiamento estudantil. Entretanto, na briga com os grandes monopólios do ensino, o governo “jogou a toalha” e garantiu maiores taxas de lucro aos empresários do ensino às custas de um endividamento ainda maior dos estudantes que utilizam o programa. [6] Apesar da queda no número de novos contratos, ainda há cerca de 2,3 milhões de estudantes com o financiamento estudantil. [7]

Com a queda no número de novos contratos e as mudanças propostas no financiamento estudantil, o conflito em torno do FIES irrompeu entre os estudantes. O ano de 2015 conheceu manifestações motivadas por cancelamentos, mudanças e incertezas quanto ao financiamento estudantil em diversas IES privadas no país. [8]

Se tomarmos por base o ano de 2014, vemos claramente a forma de acesso ao Ensino Superior promovido pelos governos Lula e Dilma: 347 mil ingressantes na Rede Federal, 204 mil estudantes com bolsa integral pelo PROUNI (mais 101 mil com bolsas parciais) e 732 mil estudantes se endividando com o financiamento estudantil. Em 2015, dos 2,5 milhões de ingressantes no Ensino Superior, 2,1 milhões foram em instituições privadas.

A importância que o PROUNI e o FIES assumiram frente à expansão das matrículas no Ensino Superior privado fez com que as mudanças nesses programas cobrassem um preço imediato. Assim, entre 2014 e 2015, houve uma queda no número de ingressantes no Ensino Superior no país, acentuadamente em instituições privadas, que teve uma queda de 6,9% no número de novas matrículas. As instituições públicas tiveram uma redução de 2,6%. [9]

Além da privatização do Ensino Superior promovido com dinheiro público via PROUNI e FIES, esses programas não foram capazes de criar uma expansão consistente, sendo solapados duramente pela crise econômica, em 2015. A expansão do PROUNI e do FIES tem tendido, desde o último ano do governo Dilma, para redução das bolsas integrais e maior endividamento e inadimplência. Não é a toa que, ainda em 2015, houve uma queda no número de matrículas no Ensino Superior no país, queda essa mais acentuada nas instituições privadas do que nas públicas. Também foi registrado um aumento na inadimplência nas instituições privadas no país [10] e em relação ao pagamento do FIES.

***
Ensino Técnico e Profissionalizante

É verdade que, desde 2008, o governo Lula promoveu uma grande expansão da rede federal de educação técnica e profissionalizante, com a instituição dos Institutos Federais. Essa iniciativa, bem como o retorno da possibilidade do Ensino Integrado, foi uma política acertada do governo.

Em 2005, o Governo Federal, com a Lei 11.195/2005 [11], alterou um artigo da Lei 8.948/1994 [12] para permitir a expansão da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica. De fato, desde 2008, o governo Lula promoveu uma grande expansão da rede federal de educação técnica e profissionalizante, com a instituição dos Institutos Federais. A expansão de Rede Federal foi bastante significativa, passando de 143 unidades, em 2005, para 517 unidades, em 2016. [13] Essa iniciativa, bem como o retorno da possibilidade do Ensino Integrado, foi uma política acertada do governo.

Apesar da grande expansão da Rede Federal de Educação Profissional, Técnica e Tecnológica, a participação da Rede Federal na oferta de Ensino em Nível Médio permanece baixa, sendo apenas 1,8% das instituições que oferecem esse nível de ensino, e representando pouco mais de 171 mil das mais de 8,1 milhões de matrículas no Ensino Médio, ou 2,1% das matrículas, segundo os dados do Censo Escolar 2016, do INEP. [14]

Mas, como esse governo de conciliação sempre mantêm o cuidado com o gato, em 2011, Dilma lançou o PRONATEC [15], que incorporou à ação de expansão da Rede Federal o acesso às vagas na educação profissional para estudantes e trabalhadores, por meio de uma pesada política de subsídio estatal, em instituições privadas.

Diferentemente do PROUNI, que trocava vagas em instituições privadas por incentivos e isenções fiscais, o PRONATEC significa investimento direto de dinheiro público nessas instituições. Dessa forma, o PRONATEC foi um grande impulsionador do número de matrículas na educação profissional privada nesse período.

Assim, de 2011 até 2014, houve uma expansão significativa das matrículas na educação profissional privada no país, passando de 591.522 matrículas para 972.434, um crescimento de 64,4% nesse período, enquanto as vagas em instituições pública passaram de 890.096 para 971.313, ou seja, tiveram um crescimento de apenas 9,1% no mesmo período. [16]

Entre 2011, ano que se iniciou o programa, até maio de 2014, foram repassados R$ 6,5 bilhões ao programa bolsa-formação, e desse total, 73% ao setor privado (ficando o Sistema ’S’ com 70 % do total de recursos) e 27% ao sistema público, ficando a rede federal com 20,4%, a rede estadual com 6,3% e a municipal com 0,3%. [17]

Isso sem falar a chave precária dessa formação. Das matrículas realizadas via PRONATEC, apenas 38% são em cursos técnicos (com cerca de 55% de participação das redes federais e estaduais). Os outros 62% das matrículas são em cursos de qualificação profissional de curta duração, onde a participação das instituições privadas ultrapassa 85% das matrículas. [18]

Mas vão me dizer que mesmo assim o PRONATEC - assim como o PROUNI e o FIES - deu acesso à formação a uma parcela da juventude trabalhadora que não a teria de outra maneira e que o jovem trabalhador, antes de se preocupar se é em uma instituição pública ou privada, o que ele quer é ter acesso à educação “gratuita”. Pode ser. O problema é que esses programas não são sustentáveis, e assim como o PROUNI e o FIES (que tiveram uma redução significativa desde 2015), o PRONATEC também vive sua crise.

De fato, a chegada da crise no Brasil também trouxe sérias consequências para o programa, o que impactou tanto nos investimentos da Rede Federal quanto nos recursos destinados a financiar vagas em instituições privadas. Em 2015, o programa já havia sofrido um corte no seu orçamento de cerca de R$ 600 milhões, reduzindo sua verba de R$ 5,3 bilhões para R$ 4,7 bilhões. As previsões orçamentárias do último ano do mandato de Dilma, antes dela ser afastada pelo processo de impeachment, propunha um corte ainda mais drástico, prevendo apenas R$ 1,6 bilhão para o exercício seguinte. [19] Isso teve um impacto imediato na expansão das matrículas no Ensino Profissional, sobretudo na oferta em instituições privadas.

De 2014 a 2016, o número absoluto de matrículas no Ensino Profissional em instituições privadas recuou de 972.434 para 761.531, segundo o Censo Educacional 2016, do INEP, ou seja, uma queda de 21,6% das matrículas. As matrículas na rede pública seguiram em expansão a uma taxa de cerca de 5% ao ano, apesar dos menores investimentos. [20]

Assim, podemos ver que os rumos privatistas dos programas de formação profissional seguem o mesmo destino dos programas para o Ensino Superior, serem enterrados pela crise econômica e pelas políticas regressivas que se seguiram.

***

O problema dessas políticas e desses programas não é apenas a privatização das vagas e do recurso público. O problema maior é que com a privatização das vagas e dos recursos públicos não conseguimos construir uma política consistente, o que excluirá novamente a juventude trabalhadora do acesso ao Ensino Superior e à educação profissional.

Nos últimos anos de seu governo, Dilma Rousseff também tinha tomado medidas de ajustes na educação. Só em 2015, ano em que Dilma escolheu o lema “Brasil, pátria educadora” para o seu governo, o Ministério da Educação (MEC) teve um corte de R$ 9,42 bilhões em seu orçamento, tendo sofrido novo corte no ano seguinte, totalizando mais de R$ 18 bilhões.

Em seu conjunto, essas políticas e programas instituídos durante os governos de Lula e Dilma significaram mais privatização da educação no país e a não criação de uma estrutura sólida de acesso e permanência da juventude trabalhadora a seus diversos níveis e modalidades. Na verdade, por apostar na expansão do acesso via privatização, as políticas educacionais do PTismo encontraram seus limites ainda durante o último governo de Dilma Rousseff. Elas não precisaram esperar o golpe para entrarem em declínio. Foram os limites ditados pela crise do capitalismo e os rumos escolhidos pelos governos Lula e Dilma para a educação que fizeram que esses cortes significassem, imediatamente, recuo em seus programas e, consequentemente, em sua tão propalada inclusão.

É claro que as novas regras e cortes no FIES, o recuo do PROUNI e no PRONATEC empreendido pelo governo golpista de Michel Temer não devem ser comemorados. Pois no quadro instituído pela Emenda Constitucional 95, que congelou os investimentos na educação, eles significam a exclusão imediata de grande parcela da juventude e dos trabalhadores a níveis e modalidades de educação que antes eram inalcançáveis. Entretanto, pensar que a partir de programas e políticas como essas podemos criar um sistema de educação para todos de forma sólida e sustentável também é um erro que não podemos insistir. As políticas de inclusão no Ensino Superior e no Ensino Profissional dos governos Lula e Dilma apontaram para um beco sem saída. Não é pelas mãos da iniciativa privada e com a sangria da verba pública que construiremos um sistema educacional capaz de incluir permanentemente a juventude e os trabalhadores. O investimento público na escola pública ainda é o caminho mais claro para isso.

 
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