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Estamos vivendo a 4ª Revolução Industrial?
Gabriel Fardin

Big Data, internet das coisas, Machine Learning, robótica e automatização aplicados na produção, estão nos levando a uma quarta revolução industrial?

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Big Data, internet das coisas, Machine Learning, robótica e automatização aplicados na produção, estão nos levando a uma quarta revolução industrial? Para muitos pode parecer uma polêmica distante e puramente ufanista, mas dentro do meio econômico-empresarial trata-se de um tema real e que, independente do tamanho de entusiasmo, tem consequências práticas no dia a dia do trabalho, tanto das cadeias produtivas quanto no setor de serviços.

A idealização de um novo conceito de organização e tecnologia industrial tem como expoente a Alemanha, que vem buscando liderar as inovações neste sentido desde 2011, com forte participação das universidades e centros de pequisas junto ao meio empresarial. O entusiasmo empresarial em torno do conceito da Quarta Revolução industrial vem acompanhado de um forte discurso ideológico, inflado pelos super otimistas da tecnologia, que chegam cogitar a possibilidade próxima do "fim do trabalho". Mas esta não é uma propaganda nova, assim como muitos dos elementos tecnológicos inseridos na ideia da "Indústria 4.0". Ao contrário, seja no mundo imaginário da ficção científica, seja no discurso econômico da automatização total do trabalho, a ideia de que o desenvolvimento da tecnologia proporcionada pelo capitalismo seria capaz de libertar a humanidade do trabalho manual, já existe desde a década de 80. Para isso é comum utilizarem alguns exemplos excepcionais, que são exceções no modo de produção capitalista, onde uma ou outra fábrica, localizadas em países imperialistas, atingiram um alto grau de automatização eliminando a presença da intervenção humana no processo produtivo e que normalmente, tratam-se de fábricas modelos de grande empresas multinacionais.

O objetivo de eliminar o trabalho humano do ramo industrial é antes de mais nada uma mera propaganda ideológica, estando muito longe de ser uma hipótese científica, pois desconsidera por completo a própria dinâmica de competição no capitalismo que necessita da exploração do trabalho humano para sua perpetuação. Além disto, ignora o fato de que enquanto a tecnologia elimina postos de trabalho em alguns países centrais, ao mesmo tempo, o trabalho assalariado se alastra pelo mundo, crescendo vertiginosamente nas últimas décadas nos países periféricos, como por exemplo, a China. A tendência demonstrada pela realidade das últimas décadas aponta o aumento significativo da classe trabalhadora ao redor do mundo, e não o contrário.

Por outro lado, o argumento de que as novas tecnologias aliadas a robotização da produção estão revolucionando a produtividade no mundo e o próprio modo de produção capitalista, a ponto de produzir uma quarta revolução industrial, é no mínimo questionável. Embora as recentes inovações tecnológicas estejam sim aumentando a produtividade, na prática seu papel histórico por hora tem sido apenas de recompor parcialmente a produtividade em escala mundial, como explica Paula Bach em seu artigo ¿Revolución de la robótica o estancamiento de la productividad?

Não a toa os recentes artigos e propagandas do relativamente novo conceito de quarta revolução industrial são marcados muitas vezes por ideias abstratas e vagas. Porém, seria no mínimo ingenuidade acreditarmos que uma campanha desta magnitude não irá afetar o dia a dia da classe trabalhadora e a dinâmica de competição entre os grandes monopólios imperialistas.

Por isso, este artigo não tem a pretensão de desmistificar a embalagem ideológica da automatização total e o suposto fim do trabalho humano, pois para tal objetivo existe o excelente artigo de Paula Bach ¿Fin del trabajo o fetichismo de la robótica? . Nosso objetivo aqui é tentar especular, a partir de algumas experiências práticas no meio industrial, como realmente tais tecnologias poderiam ser e vêem sendo aplicadas, e em que medida podem impactar o cotidiano da exploração do trabalho dentro das fábricas.

Mas afinal, o que seria a "Quarta Revolução Industrial", ou também chamada de "Industria 4.0"?

Apesar da grande quantidade de artigos vagos e abstratos, um ponto é recorrente entre todos eles, a suposta quarta revolução industrial em questão não será fruto de uma nova tecnologia ou ciência revolucionária, como foi a eletricidade, o vapor ou a eletrônica, mas sim a soma e combinação de inúmeras tecnologias, que já estão presentes e já vem sendo utilizadas ao longo dos últimos anos. Abusar de tais tecnologias de forma integrada e generalizada seria possível, e necessário, neste momento devido o seu barateamento e a maior facilidade manipulação. Dentre tais tecnologias se destacam a robótica e a automatização eletrônica, que já vêem sendo amplamente aplicada nos processos produtivos há pelo menos uma década; o "BigData", ou seja, enorme quantidade de informações coletadas, centralizadas e armazenadas na nuvem em tempo real; a "Internet das Coisas", sendo essa talvez a mais comum e cotidiana na vida das pessoas, como Bluetooth, Wi-fi e a comunicação entre dispositivos eletrônicos em geral; e por último os logaritmos de processamentos de dados inteligentes, ou ainda, o Machine Learning, que são softwares capazes de processar dados para tomar decisões automáticas e aprender no processo.

A Industria 4.0 seria então, de forma vaga, como normalmente é apresentada, uma fábrica capaz de coletar automaticamente informações precisas sobre si mesma. Informações tais como quanto foi produzido, onde, em quanto tempo, para quem e por quem. Ou então, quantidade de estoque de matéria prima, quanto é necessário produzir, quantos novos pedidos haverão no futuro, em quanto tempo é preciso produzir e qual é o preço dos insumos no mercado. Ou ainda, quanto tempo determinada máquina ficou parada, por qual motivo, quem estava operando, quantas peças defeituosas ela produziu, em que turno, em que hora, etc. Tais informações são armazenadas, cruzadas e automaticamente processadas para que uma decisão seja tomada, e apresentadas para algum gestor. Automaticamente pode-se alterar a velocidade de uma esteira ou de um robô, criar novas metas, lançar novas ordens de serviço, etc. Isto tudo no plano ideal, claro, pois, aplicar tudo isto com exatidão depende de inúmeros fatores práticos, econômicos e até mesmo políticos.

Mas como a Industria 4.0 está sendo implantada na prática?

Na teoria, os conceitos da Industria 4.0 podem ser aplicados em todos os ramos econômicos, seja na loja modelo sem vendedores da Amazon, no call center que atende os clientes com gravações e menus discados, nas fábricas de produtos seriados de larga escala com linhas automatizadas e até mesmo na promessa de caminhões sem motoristas nos Estados Unidos. Porém, a aplicação destas tecnologias é completamente desigual entre os distintos setores da economia capitalista, e até mesmo dentro de um mesmo ramo de produção. Os ritmos também variam drasticamente, principalmente geograficamente ao redor do mundo. Mas podemos dizer com certeza que a aplicação total destas tecnologias de forma generalizada, a ponto de se tornarem tão comuns como a própria internet, por exemplo, está longe de ser para amanhã. Existem processos mais difíceis e complexos de se controlar. Existem ramos em que as mudanças no processo produtivo são mais custosas e necessitam de investimentos muito mais elevados do que em outros. Assim como também existem empresas melhores preparadas para aplicar estas tecnologias do que outras, dependendo do seu tamanho, origem nacional e quantidade de capital de giro disponível. Existem também situações onde simplesmente não é economicamente interessante a aplicação. Porém, a força com que o discurso vem sendo reproduzido aponta uma tendência clara de competição entre grandes monopólios capitalistas, como uma espécie de corrida para ver quem consegue se reestruturar mais rápido e de forma mais eficiente, para ganhar vantagens sobre seus competidores.

Para utilizarmos de um exemplo concreto, referente a robotização, que já vêem sendo aplicada na última década, nos últimos 10 anos o número de robôs industriais (como "robôs" entende-se máquinas articuladas de movimento programável) cresceu 72% em todo o mundo, totalizando 69 robôs industriais para cada 10 mil trabalhadores. Entretanto a distribuição destes números globalmente é extremamente desigual. De acordo com dados de 2012 do Banco Merrill Lynch, o Japão está no topo do ranking com 310,508 robôs operacionais, os Estados Unidos estão em segundo lugar com 168,623 robôs, e a Alemanha em terceiro, com 161.988. Enquanto isso o Brasil possuía apenas 7512.

Na prática, além de máquinas automatizadas e robôs, controlados por computadores, o principal e mais importante aspecto da Industria 4.0, que vem ganhando forma, é o controle preciso e científico sobre a produção para aumentar a produtividade. Utilizando sensores, câmeras, dados informatizados, etc, em cada uma das etapas de um processo de fabricação, informatizando o acesso dos operadores das máquinas, com perfis de usuário por exemplo, e centralizando as informações coletadas, é possível saber tudo que esta acontecendo em tempo real em uma fábrica através da internet e ao mesmo tempo resumir em um painel eletrônico, com gráficos e estatísticas da produção. Ou então pode-se instalar um alarme visual caso a linha esteja parada, que também informa automaticamente um gestor em seu celular. Outra funcionalidade é a informatização processada de dados referente a estoque, pedido, estimativas de tempo, controle de entradas e saídas de materiais, etc. Estes são recursos relativamente simples e já disponíveis em muitas fábricas de empresas multinacionais. Ou seja, as possibilidades são realmente vastas. Um verdadeiro cardápio para todos os gostos da gestão da patronal.

Na Industria 4.0, onde esta o real aumento do lucro?

Este é com certeza o ponto mais mascarado e mais importante de todo o conceito da Quarta Revolução Industrial. Longe de buscar o fim do trabalho humano, toda nova tecnologia aplicada no capitalismo tem como finalidade aumentar a produtividade, ou seja, intensificar e otimizar a exploração do trabalho.

A primeira vantagem que a Indústria 4.0 oferece, e que é a mais visível, é otimizar a produção, ou seja, diminuir perdas e excessos, planejar entrada e saída de material, calcular os tempos de forma precisa e automática. Ou seja, ajustar a produção e aparar as rebarbas. Mas esta, nem de longe, é a finalidade mais lucrativa.

A outra finalidade do controle do processo produtivo é controlar o trabalho em si. Ou seja, controlar o trabalho humano. Não apenas o seu ritmo, criando uma fábrica vigilante de coerção automatizada, com metas e supervisão eletrônicas com câmeras e sensores, mas também para poder dizer quando o trabalho é "essencial" e quando ele é "desnecessário", dependendo da demanda de produção, tornando o trabalhador ainda mais descartável e vulnerável as necessidades efêmeras do lucro. Esta é a principal fonte de lucro da chamada Quarta Revolução Industrial. Este é o sonho almejado

Ou seja, se utilizarmos da comparação histórica para entendermos o papel da Industria 4.0 do ponto de vista da renovação das forças produtivas para obtenção de lucro, este novo conceito de industria esta mais próximo do fordismo e o taylorismo, do que da máquina a vapor e da eletricidade. Isso significa que a suposta quarta revolução industrial tem suas vantagens na reorganização da produção e não por carregar uma tecnologia de fato revolucionária.

Industria 4.0, a "Fábrica Inteligente" ou a fábrica vigilante?

Ao longo da história inúmeras tecnologias foram aplicadas na economia capitalista afim de aumentar a produtividade e, consequentemente, a extração do lucro. Introduzir uma nova máquina, capaz de produzir o dobro no mesmo tempo que a anterior duplica ao mesmo também o trabalho do seu operador no mesmo tempo. Porém, existem outra formas de aumentar a exploração do trabalho, sem necessariamente mudar o maquinário, ou combinando com novos maquinários. Alterando a organização de um processo produtivo e a disposição dos trabalhadores nas linhas e até mesmo utilizando de apelos subjetivos. Metas progressivas, assédio moral, ameaça de desemprego e competição entre os próprios trabalhadores, também são métodos científicos do capitalismo aumentar a exploração do trabalho. Um dos grandes exemplos históricos é o fordismo, que dispôs os trabalhadores de tal forma que fosse possível controlar a intensidade da exploração do trabalho simplesmente controlando a velocidade de uma esteira, retirando também, ainda mais, a autonomia dos trabalhadores do seu próprio trabalho. A Industria 4.0, ainda que não cumpra o mesmo papel histórico que o fordismo, pode funcionar de forma muito semelhante.

Resumindo, na Fábrica Inteligente, os robôs e computadores não apenas ditam o ritmo do trabalho, mas passam também a vigiar o trabalhador, e talvez em breve passarão a usar jaleco branco e carregarão cronômetros nas mãos.

O que a Fábrica Inteligente irá mudar nas relações de trabalho?

Além da eliminação de postos de trabalho por robôs, barateamento da mão de obra e maior competição no mercado de trabalho, algo que já viemos experimentando nas últimas décadas, uma nova implicação seria ameaçar uma camada de trabalhadores do setor administrativo e de auxiliares da gestão, como a própria supervisão, por exemplo. Com automatização da coleta e processamento de dados, a informatização e programas inteligentes de computador, seria possível enxugar e ou, no mínimo, modificar o trabalho atribuído a este setor médio das empresas, tornando uma mão de obra menos exigida e mais descartável.

Outra implicação está relacionada a otimização máxima do controle da produção e do trabalho, pois, depende também de tornar as relações trabalho mais flexíveis. Ou seja, decidir que determinada quantia de trabalho não é necessária por determinado período de tempo só é eficiente se o capitalista em questão tem a capacidade de descartar esta quantia de trabalho excedente, ou seja, dispensar trabalhadores. Por outro lado, se em determinado período é necessário mais trabalho do que o habitual, também é igualmente necessário que jornadas mais longas, com horas extras por exemplo, possam ser exigidas irrestritamente.

O jargão em voga de "modernizar" as relações trabalho e as próprias leis trabalhistas está também associado a essa necessidade de flexibilizar o trabalho. Ou seja, tornar o trabalho flexível é sinônimo de torná-lo mais rotativo, efêmero, volátil e descartável. O que os políticos capitalistas chamam de "moderno" nada mais é do que retroceder nos direitos trabalhistas, diminuindo a estabilidade e os direitos da classe trabalhadora.

Vale lembrar aqui que recentemente foi aprovada no Brasil a nova reforma trabalhista que legaliza o trabalho intermitente e facilita as negociações de demissões em favor da patronal, além de facilitar a prática de horas extras. Ou seja, o retrocesso das leis trabalhistas cabe como uma luva no que há de mais "moderno" no modo de produção capitalista.

Por que fazer a Quarta Revolução Industrial agora?

Investir em tecnologia para aumentar produtividade é uma necessidade inerente dos capitalistas para sobreviverem e se sobressaírem na competitividade que existe entre si. Nenhum centavo seria gasto por nenhum empresário para tornar sua produção mais eficaz se não houvesse o risco de ser devorado por um monopólio competidor.

Por este motivo, em momentos de crise na economia capitalista, momentos em que a competição torna-se mais aguda, tornando-se questão de vida ou morte, onde grandes empresas vão a falência e empresas ainda maiores compram suas rivais menores, investir em tecnologia, ou seja, formas alternativas de recompor suas taxas de lucro, aumentando a exploração do trabalho, torna-se especialmente importante.

A largada da corrida pela "Fábrica Inteligente" é antes de mais nada uma competição para definir o futuro das grandes multinacionais imperialistas em meio a estagnação econômica que assola o mundo desde a a crise de 2008.

A Industria 4.0 é o futuro?

Ao longo de todo este artigo ficou óbvio o cuidado em mostrar que as, nem tão revolucionárias, tecnologias que envolvem o conceito da entusiasticamente chamada Quarta Revolução Industrial não estão a serviço de criar um futuro melhor. Mas sim, um futuro com jornadas de trabalhos mais extenuantes, maior adoecimento devido ao trabalho, maior opressão por parte da patronal. Este pode ser um futuro possível, mas nem de longe é o melhor futuro para os trabalhadores, e tão pouco é o único possível.

A tecnologia é uma ferramenta, capaz de curar doenças e ao mesmo tempo produzir armas bélicas, pode ser usada para escravizar tanto quanto para libertar. O futuro não é determinado apenas pela vontade dos capitalistas e suas empresas transnacionais. Os trabalhadores podem se rebelar contra a escravidão nas fábricas, contra seus capatazes escondidos atrás dos controles dos robôs. A classe trabalhadora pode impedir o plano de qualquer burguês e traçar seu próprio futuro, assim como redefinir o uso de todo tipo de técnica e conhecimento, pode controlar e mudar o funcionamento de qualquer fábrica, a depender de sua luta e sua organização.

A implantação das fábricas vigilantes dependerá antes de tudo da correlação de forças entre a burguesia e a classe operária. A Industria 4.0 pode ser o futuro do capitalismo. Mas está na mãos dos trabalhadores permitir que o capitalismo se quer tenha um futuro.

 
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