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GREVE ALEMANHA
Greves operárias e críticas à grande coalizão: “Algo está se movendo na Alemanha"
KlasseGegenKlasse

O Congresso do SPD (Partido Socialdemocrata Alemão) ratifica a grande coalizão com Merkel em meio a fortes críticas internas. As importantes greves do metal e as greves estudantis mostram que algo está mudando na Alemanha. Sobre todos estes temas, entrevistamos Stefan Schneider, diretor do jornal Klasse Geden Klasse.

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O Congresso do SPD (Partido Socialdemocrata Alemão) ratificou o acordo para uma “grande coalizão” com o partido conservador de Merkel. Foi um Congresso acirrado, em que as juventudes rechaçavam o pacto de governo e declaravam se manter na oposição. Isto se produz no marco de uma forte crise da social-democracia alemã.

Quais são as causas mais profundas?

O grande problema que a social-democracia alemã tem é que depois de anos e anos no governo com Merkel, perdeu toda sua diferenciação com a União Cristã. A base da social-democracia vê que o projeto do SPD não tem futuro, se o partido quer sobreviver. Mas a cúpula do partido não vê desta forma, porque sua raiz está nos aparatos sindicais, nos grandes burocratas e nos cargos ministeriais.

A crise do partido provém de que não pode oferecer um projeto diferente a Merkel, e então as seções juvenis se opõem a nova grande coalizão, porque assim é impossível uma renovação do partido. Mas, de forma distinta a Corbyn, que no Reino Unido declara uma renovação mais drástica do Partido Laborista, estes setores por agora também oferecem um projeto alternativo. Querem estar na oposição para voltar para o governo mais adiante com um programa ligeiramente diferente e com um pouco mais de legitimidade, mas não muito mais.

No fim das contas, qual renovação pode realmente ter a social-democracia alemã sem questionar claramente todas as reformas trabalhistas e todas as medidas neoliberais que geraram as bases do “modelo alemão”? Todas essas medidas foram aplicadas sob o governo da social-democracia, começando com Schroeder.

A social-democracia alemã está muito ligada com o projeto da União Europeia e é um apoio ao modelo de acumulação, baseado em uma forte colaboração social dos sindicatos das grandes indústrias exportadoras. Os dirigentes destes grandes aparatos sindicais falaram no Congresso do SPD e estavam a favor de manter a grande coalizão.

A deslegitimação da social-democracia e a procura de um novo projeto já teve sua expressão prematura com a fundação do partido Die Linke, em 2007. Uma “remudança” na chave reformista que até o dia de hoje não teve grandes resultados, e onde governa Die Linke, faz o mesmo que a social-democracia.

A perspectiva para o SPD no governo é que pode seguir perdendo eleitoralmente. Por exemplo, algumas pesquisas desta semana já mostraram uma nova queda a 18%, quase 3% abaixo do que conseguiram nas eleições de setembro, que foi seu resultado mais baixo desde a pós-guerra. Ao mesmo tempo, as pesquisas marcam uma nova subida para a extrema direita de Alternativa pela Alemanha, que chegaria a 13%.

Alguns analistas falam do “fim da era Merkel”, ainda quando a chanceler possa conseguir sua reeleição. Quão profunda é a crise do regime alemão?

Se a base do SPD vota contra o acordo (algo improvável, mas que não pode ser descartado), a crise se abre novamente, porque Merkel então teria que liderar um governo em minoria, terminando em novas eleições. Entretanto, mais além da pessoa, o que está em crise é o projeto de uma hegemonia alemã indiscutida na União Europeia. O imperialismo alemão busca fortalecer o núcleo de liderança da UE junto com a França, ao mesmo tempo que fortalece suas posições frente ao imperialismo dos Estados Unidos e da Rússia, mas isto tem muitas contradições. Um grande problema para o imperialismo alemão, nada mais, nada menos, é que ainda não tem suficiente poder militar. Nos últimos anos apareceu com um discurso mais agressivo no plano militar, sustentando que a Alemanha tem que “assumir sua responsabilidade no mundo”, mas a Alemanha hoje não destina 2% de seu PIB ao pressuposto militar – como é recomendado pela OTAN –, e sim ronda 1%. O que está chegando ao seu fim é este projeto de um imperialismo quase puramente “econômico” ligado ao projeto europeísta. A própria UE acumula várias crises (o brexit, o aumento do euroceticismo e a extrema direita, o bloco conservador e antirusso do Leste Europeu, a crise migratória), e isso afeta a Alemanha diretamente.

Também se mantêm fortes contradições internas.

Sim, internamente as contradições vão crescendo. Com a formação da grande coalizão, a extrema direita da Alternativa pela Alemanha se transforma no principal partido de oposição, o que lhe outorga uma grande visibilidade, financiamento e posições para seguir capitalizando o descontento com o governo, e dizendo que são a única alternativa aos partidos tradicionais. Isto então gera uma pressão a direita na CDU, nos sócios conservadores do partido de Merkel em Baviera. Isso não diminui, e sim pode crescer com um novo governo de grande coalizão.

As mudanças na Alemanha não só vêm “de cima”. A greve metalúrgica pela jornada de 28 horas teve uma grande repercussão mundial. Qual significado tem isso?

O sindicato IG Metal representa 3.9 milhões de trabalhadores em indústrias chaves. É o maior sindicato alemão e um dos maiores do mundo. Todo o processo começou em novembro, no marco das negociações que existem cada ano no setor metalúrgico, por um novo convênio coletivo. Cada ano demandavam cerca de 6% de aumento, e por meio das negociações chegavam a 3%, e ai ficava tudo. Mas esta vez algo mudou, as negociações estão sendo mais difíceis, porque se incorporou a questão da jornada laboral.

O que tem que se levar em consideração é que, ainda que o convênio coletivo metalúrgico atualmente estipule uma jornada de 35 horas para a maioria dos trabalhadores do ramo, isto não é o normal, porque em geral trabalham mais de 40 horas. Em geral na Alemanha há um promédio de 43 horas, entre as horas de convênio e as extras.

O sindicato não está propondo uma redução da jornada laboral em geral. O que propõe é aumentar um direito que já existe no setor metalúrgico: os trabalhadores e trabalhadoras podem, a pedido individual, reduzir sua jornada laboral até as 28 horas durante um período de dois anos, com uma correspondente redução salarial. O que sucede agora, é que depois desses dois anos, não têm assegurado voltar a sua jornada normal.

Por exemplo, se uma trabalhadora quer cuidar de seus filhos durante dois anos, e reduzir sua jornada laboral a 28 horas, quando volte a pedir para aumenta-las, o empresário pode dizer que não, e não têm nenhuma possibilidade de lutar por isso.
O que agora querem conseguir desde o sindicato do metal é o direito a voltar às horas normais depois de ter estado dois anos com a jornada reduzida. E além disso, querem introduzir um novo direito: em determinadas condições, se é para cuidar de um familiar ou de uma criança, que se outorgue, uma compensação salarial. Deste modo se conseguiria uma redução da jornada laboral com uma compensação parcial (se reduz o salário, mas se compensa parcialmente).

Evidentemente, se trata de uma demanda altamente progressiva, que não tem a ver com a realidade da grande maioria dos trabalhadores, que trabalham 42 ou 43 horas. Ainda assim, o mais interessante é que se introduziu uma discussão muito boa, que se expressa na imprensa massiva: que é necessário discutir novamente sobre a jornada laboral.

É uma luta que abre um imaginário e um debate novo: é possível lutar pela redução da jornada laboral

Sim, e é por isso que a patronal não quer aceitar. Mais de 900.000 trabalhadores participaram de greves parciais desde que se começou o conflito. Em novembro e dezembro só houve negociações e as greves começaram em janeiro. São greves parciais, de um par de horas, ainda não há greve de 24 horas, e menos ainda greve indefinida, mas isso pode ocorrer proximamente. Pela primeira vez está se rompendo a rotina das negociações de todos os anos anteriores.

E que repercussão teve em outros setores em luta?

Esta semana tivemos dois jornadas de greve na universidade, depois de uma grande jornada de greve na semana anterior. A luta é pelos estudantes que trabalham na universidade e querem um aumento salarial e pelo reconhecimento de um convênio próprio.

Nós estamos intervindo junto com estudantes independentes na Universidade Livre de Berlim, organizando a greve, os piquetes e as ações, com o objetivo de ampliar o apoio a mesma. Nossos companheiros declaram a necessidade de lutar contra a precarização laboral, concretizar a solidariedade e a unidade com outras lutas como os metalúrgicos, e também discutir que tipo de sociedade os jovens e os trabalhadores querem.

Esta semana fomos uma delegação desde a greve da universidade para nos solidarizarmos com a greve do metal, e ali nos encontramos com o fato de que o dirigente sindical da burocracia falava sobre as greves dos anos 1950 e 1960, em que os operários metalúrgicos lutaram durante mais de 100 dias para reduzir a jornada laboral e para introduzir novos direitos. Ou seja, têm um discurso bastante radical, ainda que se esteja por ver se isto se traduz em uma verdadeira greve de massas.

As greves do sindicato metalúrgico mostram algo novo. Nos anos anteriores vimos lutas de setores precários, parciais. A greve dos metalúrgicos é uma combinação. Por um lado, é uma luta contra alguns efeitos da precarização geral, porque já não há tantas possibilidades de que os serviços sociais cuidem das crianças ou dos enfermos, e então os trabalhadores necessitam poder reduzir sua jornada para se encarregar dessas tarefas. Neste sentido é uma greve para se adaptar às novas condições geradas pela precarização. Mas, ao mesmo tempo, introduz um novo objetivo progressivo que não é só defender os direitos que nos sobram, e sim conquistar novos e discutir sobre um futuro diferente para os trabalhadores. Em conclusão, parece que algo está se movendo na Alemanha.

 
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