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ECONOMIA
Um diagnóstico para a economia mundial e o contrário do reformismo
Paula Bach
Buenos Aires

A reforma da previdência e o projeto de reforma trabalhista do governo Macri - tanto no que tange a suas conquistas imediatas como a seus objetivos estratégicos - devem ser observados através do prisma da sua dimensão internacional.

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A reforma da previdência e o projeto de reforma trabalhista do governo Macri - tanto no que tange a suas conquistas imediatas como a seus objetivos estratégicos - devem ser observados através do prisma da sua dimensão internacional. Como é bastante transparente, ambos fazem parte de um universo amplo que inclui tanto o desejo mancomunado "global" de elevar a idade de aposentadoria - contemplando a ainda estancada lei brasileira- como a lei da reforma trabalhista de Temer ou de Macron na França. Mas não se trata somente de buscar coincidências bastante evidentes, mas sim -fundamentalmente- de aprofundar os significados destas correspondências. O otimismo que transmitem os organismos internacionais como o Fundo Monetário Internacional e a OCDE sobre a dinâmica da economia mundial é tão módico quanto efêmero. E é nestas últimas características que se distingue a persistência do que um setor da teoria econômica oficial retratou como "estancamento secular", um "estado de coisas" que aproxima pistas significativas sobre o lugar e o sentido da nova investida contra as condições de existência dos trabalhadores passivos e ativos. Os fatores estruturais da economia mundial - junto com as tensões geopolíticas derivadas- enfrentam com as características concretas daquele animo de "reforma" e permitem por sua vez desfiar as contradições mais imediatas do relato do "fim do trabalho".

De luzes e brotos

A recuperação da economia mundial é o novo hit da imprensa e dos organismos internacionais. Entretanto para quem submerge na leitura dos últimos relatórios sobre a economia mundial, tanto daOCDE como do FMI, é difícil imaginar a careta que os acompanha. É como se uma confusão de sorrisos e lamentos se traduzisse num mesmo ato. Tanto a OCDE como o FMI ressaltam a recuperação em curso, a qual a primeira batiza como "modesta". Ao mesmo tempo ambos subtraem - numa operação política, sim elas existem - as debilidades estruturais que em poucos anos colocariam fim à reanimação. Se há alguns meses os "globals" do FMI não podiam ocultar o desconcerto que lhes gerava o paradoxo de que a luz no fim do túnel devolvia a imagem de Donald Trump (embandeirado internacional do discurso nacionalista) agora os brotos verdes se anunciam -com uma pitada de alívio...- da instável Zona do Euro. A desilusão americana ficou substituída fundamentalmente pela esperança europeia e uma melhoria na longamente débil performance do Japão. Mas ainda assim a perspectiva é breve.

A taxa de crescimento para as economias avançadas aumenta em dois décimos passando do 2% projetado para 2,2%. O valor sintetiza a compensação entre "perdas" e "lucros". Entre as primeiras se encontra a retração do prognóstico de crescimento norte-americano, pois ainda que exiba uma melhoria significativa em relação a 2016, retorna à média débil de 2,2% do período e, devido à inexistência do prometido "plano de obras públicas", se afasta das expectativas iniciais. Entre as segundas se combinam uma leve melhora japonesa e um maior crescimento europeu puxado pela Zona do Euro que em 2017 havia alcançado um ritmo dentre 2,1% e o 2,4%. Um valor que, se por um lado está entre os mais altos registrados em anos pós crise 2008/2009, por outro está sujeito a várias limitações. Entre elas: não difere muito de marcas já alcançadas (https://www.datosmacro.com/pib/zona-euro) em 2015 e 2010 e não pode se desvincular do rebote que segue a depressões profundas como mostra por exemplo o "milagre português" - um crescimento em torno de 2% depois de um retrocesso profundo na economia e uma contração salarial acumulada de 25%.

No entanto, para dizer a verdade, um dos fatores mais significativos que desde o ano passado puxa suavemente a economia mundial é - mais uma vez- a China, que mencionada em frases secundarias pelo FMI e a OCDE, mostra uma muito leve, ainda que inesperada, aceleração. Assunto duas vezes problemático. Por um lado, se para os organismos internacionais não era alentador que a única esperança viesse de Donald Trump, tampouco o é que ela venha de Xi Jinping. Novamente a China - que depois de séculos torna a abraçar ideias confucionistas- puxa o carro e, neste mesmo ato, se apresenta como alívio e como ameaça para a desordenada ordem mundial. É sabido que aquilo de "guardião da globalização" é uma mescla de retórica com necessidade para uma China que está aumentando suas intenções nacionalistas. Mas, por outro lado, o empurrão chinês é, em grande parte, consequência de retomar o caminho dos estímulos fiscais materializados em investimento público.

Enquanto isso, os fluxos totais de financiamento continuam em valores muito elevados em porcentagem do PIB - apesar da adoção de medidas de desalavancagem dirigidas, em particular, ao sistema financeiro nas sombras. Estes fatores retratam as dificuldades que enfrenta a intenção de girar para uma "mudança de modelo" - mesmo quando o avanço em investimentos chineses no terreno internacional é significativo- e somam riscos financeiros para uma economia mundial sujeita à persistência de um alto nível de alavancagem.

No capítulo Resiliência em tempos de dívida, a OCDE aponta que, em termos globais, os rateios do endividamento dos lares e das empresas não financeiras, que dispararam em finais dos anos 1990 e alcançaram um máximo aproximadamente em 2007/2008, permanecem em valores elevados - incluindo o mercado de moradia. O organismo alerta sobre a correlação entre o alto endividamento e o risco futuro de recessões severas. Talvez estejam pensando - entre outros assuntos- na nada depreciável probabilidade de uma nova bolha financeira nos Estados Unidos associada a recente aprovação parlamentar de corte de impostos - único êxito econômico significativo de Donald Trump até o momento. Ambos organismos alertam que, se no curto prazo o crescimento pode intensificar, não pode ser descartada a possibilidade de erros que atinjam a valorização dos ativos – que, em alguns casos, se aproxima de máximos após os picos da crise - piorando as condições financeiras.

Neste contexto geral, o frenesi gerado pela taxa de crescimento do PIB mundial mais alta desde o início da recuperação em 2010 - equivalente a 3,6% e quatro décimos acima do valor de 2016- parece certamente lábil. Na análise da OCDE, a recuperação mais vigorosa e sincronizada entre os países depois do Lehman, segue sendo moderada em comparação com recuperações anteriores, e o crescimento per capita na maioria deles não atingirá os níveis prévios da crise. Contudo, o assunto não termina aqui.

A última coisa que está perdida

As instabilidades financeiras são uma espécie de marca de origem dos anos de auge neoliberal em geral, e do período pós Lehman em particular. Seu potencial catastrófico nunca deve ser negligenciado. Não obstante - e refletindo em termos estratégicos- o dado mais novo parece ser o fato de que os organismos internacionais estão perdendo a esperança em médio/longo prazo. Mesmo se nenhum novo cataclisma - cuja probabilidade naturalmente aumenta em função da debilidade econômica estrutural e de suas derivações políticas- se interpuser, de acordo com a OCDE "o ritmo de crescimento mundial se manterá firme mas não por muito tempo". Por estes lados, estes augurios poderiam sintetizar uma espécie de menemismo às avessas: "estamos bem, mas vamos mal".

Ainda que os prognósticos não sejam - e muito menos os de médio ou longo prazo- o forte dos organismos, vale a pena nos deter a eles porque justamente dão atenção ao movimento das principais variáveis importantes de observar. O FMI prevê que antes de haver retornado aos valores prévios da crise, o crescimento das economias avançadas diminua durante os próximos anos convergindo para um débil média de 1,7%. Também a OCDE estima que para 2019 o ritmo de crescimento diminua na maioria das grandes economias alcançando também a economia mundial um pico em 2019 para depois começar a retroceder.

Ocorre que esta quebra de esperança dos organismos internacionais nos devolve ao assunto original. Porque acontece que para apreciar o pano de fundo da dialética econômica mundial/"reformas"/"fim do trabalho", é preciso focar nos mesmos aspectos que desencorajam os organismos no médio e longo prazo. A saber: o ritmo de crescimento do comércio mundial, do investimento e da produtividade. Este tripé - ao que devemos juntar, com um status superior, o estado das relações interestatais- dá conta do núcleo duro da dinâmica da economia capitalista entendida para além do imediatismo de retornos e luzes tênues. Centremo-nos então na dinâmica destas variáveis.

Comércio e investimento: dois copos demasiadamente vazios

O FMI prognostica um crescimento de 4,2% do comércio mundial para 2017. Embora este valor esteja claramente acima do aumento efetivo de 2,4% registrado em 2016 – é o menor desde 2009- a cifra em si mesma diz pouco do movimento real, se deixamos de lado uma série de observações. Em primeiro lugar - e como elemento mais imediato- é muito provável que a ascensão se explique em parte pela ação combinada de uma recuperação leve da economia mundial e o pronunciado retrocesso do comércio durante 2016. Em segundo lugar, e embora em termos absolutos seja a marca de crescimento mais alta do comércio desde a queda do Lehman voltando a superar o aumento do PIB, ainda não consegue ultrapassá-lo em um ponto percentual, como o fez na média entre 2008 e 2015.

E, em terceiro lugar, continua muito longe da média das décadas prévias à crise quando o crescimento do comércio duplicava o aumento do PIB. Assim o confirma a OCDE, que ao mesmo tempo que exibe a marca alcançada, prevê uma dinâmica do comércio que continuará sendo suave em comparação com os níveis anteriores à crise. Por outro lado, a dinâmica do comércio mundial -indicador fundamental da potência/impotência da "globalização" e, portanto, do estado de saúde do "modelo neoliberal"- não pode se desvincular das crescentes tensões interestatais derivadas.

A ascensão de tendências nacionalistas em um mundo altamente "globalizado" tem múltiplas manifestações, como os paradoxos flagrantes no interior da Organização Mundial do Comércio. Em sua última reunião, enquanto a China pretendia o papel de "garantidor da globalização" e o representante de Trump aparentava retirar o país do "livre comércio global", os representantes dos Estados Unidos, a União Europeia e o Japão se uniam num documento comum atacando implicitamente a China com a pretendida missão de "fortalecer o compromisso por um comércio mundial uniforme". As "questões da política" e aquelas da economia aparecem estreitamente entrelaçadas quando observamos que a dinâmica do comércio mundial se vincula muito de perto com o movimento do investimento - outra das variáveis fundamentais a se observar- que constitui o componente do PIB que monopoliza a maior parte das importações.

Novamente o FMI acusa uma tímida satisfação projetando um aumento do investimento global. Contudo, a OCDE observa que se bem a inversão aumenta na maioria das economias avançadas, a recuperação continua sendo mais débil que na média das recuperações prévias. Segundo o organismo inclusive se, ao conjunto dos países da OCDE agregássemos China, Rússia Brasil, Taipei, Hong Kong, Índia, Indonésia, Malásia, Filipinas, Cingapura, África do Sul, Tailândia e Vietnã, e incluindo os prognósticos favoráveis para 2018 e 2019, a intensidade do investimento - relação entre o crescimento do investimento em capital fixo e o crescimento do PIB- se mantém abaixo da média global ao longo do período que se desenvolve entre 1987 e 2007. Considerando o mesmo grupo de países, a OCDE destaca que a média de crescimento do investimento durante a recuperação dos anos 2002/2007 - pós crise 2001- se encontrava - inversamente a situação atual- claramente acima daquela média. No mesmo sentido, é significativo confrontar a evolução do investimento privado fixo líquido não residencial como porcentagem do PIB para o caso particular dos Estados Unidos durante o mesmo período em relação à evolução dos anos pós Lehman.

Da comparação surge que, enquanto no período 1987-2007 a variável mostrou um aumento médio anual de 3,08%, cresceu apenas 1,86% entre 2008 e 2016 (construção própria em base aos dados do Bureau of economics analisys). Abordamos em diversas oportunidades a questão da debilidade do investimento como um dos núcleos duros que fundamenta o estancamento de longo prazo depois da convulsão de 2008/2009. Também a OCDE considera a evolução do investimento como uma das vulnerabilidades estruturais chaves para o médio-prazo. O organismo prevê que na economia mediana da OCDE o investimento durante o biênio 2018/2019 se situa aproximadamente 15% abaixo do nível necessário para garantir que o estoque líquido de capital produtivo aumente ao mesmo ritmo médio anual que durante o período 1990/2007. Apresenta também dois fatores particulares de tipo estrutural que pioram o assunto. Por um lado, os coeficientes de amortização aumentaram desde aqueles anos até a atualidade e, em consequência, são necessários investimentos brutos maiores para obter o mesmo crescimento líquido do estoque de capital. Por outro lado, as taxas de rentabilidade mínima requeridas para o investimento empresarial - em relação aos custos do capital invertido- estão em níveis muito elevado. Ainda que o FMI e a OCDE queiram ver o copo meio cheio, o encontram demasiadamente vazio e não farão mais que um consolo amargo na episódica recuperação parcial dos fluxos de Investimento Estrangeiro Direto (IED) com destino às "economias de mercados emergentes" e em particular para a... China - o país que falam com o desprezo que costuma dispensar a burguesia para os "novos ricos". Como conclusão, a OCDE prevê para 2019 um crescimento que sofrerá um ligeiro decrescimento na maioria das principais economias a medida que comecem a aparecer restrições de capacidade associadas em parte a um aumento da inversão produtiva inferior ao necessário para reforçar o crescimento do produto potencial. De modo tal que segundo a avaliação do organismo e em termos gerais, os obstáculos estruturais de longo prazo superam em dinâmica as condições cíclicas mais favoráveis. Inevitavelmente o tratamento da debilidade do investimento conduz a analise da produtividade como uma das variáveis-chave.

Produtividade e geopolítica

Chegamos de algum modo ao coração da questão. O crescimento lento do capital produtivo e do produto potencial leva necessariamente a um estreito aumento da produtividade do trabalho. E, precisamente, um dos lamentos mais estridentes dos organismos internacionais se centra nesta debilidade. No Compendio sobre os indicadores de produtividade 2017, a OCDE aponta que a diminuição no aumento da produtividade do trabalho representa uma característica comum a todas as economias avançadas de maior tamanho, assim como a tendência de longo prazo sugere que se trata de um movimento que precede a crise em aproximadamente uma década. Por outro lado, e nos centrando nos anos pós Lehman, os informes da The Conference Board indicam que a particular debilidade da variável em termos globais durante os últimos anos expressa os efeitos persistentes da crise financeira e da lentidão com que as novas tecnologias se traduzem em maior produtividade.

Frente ao discurso que agita a chegada da "Terceira revolução industrial" ou "A segunda era das máquinas" é significativo reparar no estado de surpresa cética expresso no The Conference Board. De acordo com a análise da entidade, a diminuição generalizada da produtividade desconcertou tanto os economistas como os líderes empresariais. Um estranhamento que -segundo a mesma fonte- aumentou à luz das aceleradas mudanças tecnológicas e da inovação particularmente nas tecnologias da informação e da comunicação nas últimas décadas. Existe evidentemente uma brecha reveladora entre desenvolvimento tecnológico e produtividade explicada em grande parte pela debilidade do investimento e a consequente escassez de dinâmica da economia mundial. The Conference Board conclui que uma multiplicidade de fatores como a crise econômica e financeira de 2008/2009 e a flexibilização monetária que conduziu a rendimentos relativamente baixos na economia real - incentivando o destino de dinheiro para instrumentos financeiros e propriedades imobiliárias - tem um papel destacado na desaceleração da produtividade. Que paradoxo: a flexibilização monetária como instrumento chave que permitiu evitar uma dinâmica catastrófica depois do Lehman, agudiza a "concorrência" entre finanças e produção a tal ponto que se torna fonte essencial da debilidade estratégica da economia capitalista de conjunto.

Segundo a entidade, o raquitismo no crescimento da produtividade foi particularmente elevado durante os últimos quatro anos, ainda que durante 2017 tivesse verificado uma reversão. O aumento prognosticado de 1,9% da produtividade em 2017 em termos globais frente a 1,3% dos últimos dois anos, se encontra sujeita a uma multiplicidade de limitantes. Em primeiro lugar, se a produtividade se mede em termos de quantidade de produto pelo trabalhador - como o faz The Conference Board- seu aumento se deriva logicamente da recuperação relativa da economia mundial num cenário de escasso crescimento de investimento de capital e baixa criação de emprego. Em segundo lugar, a melhora não consegue sequer retornar o estreito nível de 2,1% de 2014 que ainda se mantinha longe do 2,6% médio do período 1999/2006 prévio à crise (Productivity Brief 2015). Em terceiro lugar e nas economias centrais, a entidade associa a melhora não ao fator tecnológico, mas sim a causas conjunturais como o aumento cíclico da demanda na Europa ou a uma diminuição da criação de emprego no Japão, Reino Unido ou Estados Unidos - onde o crescimento da produtividade ainda se mantinha entre o 0,8% e o 1%, ou seja, abaixo do já pobre nível de 2013. Por último e de acordo com The Conference Board, o aumento da produtividade em 2017 fica fundamentalmente explicado pelos "mercados emergentes" e em particular pelo papel das maiores economias como -novamente- China. Ainda assim, a produtividade neste último grupo de países, que segundo a entidade se fortalece significativamente, continua também muito abaixo da linha de tendência.

Permita-nos aqui o que poderia parecer uma digressão para a "questão chinesa" onde a produtividade oficia -talvez de mais pura que em outros cenários- um conector entre economia, questões militares e relações interestatais. Se a produtividade crescia na China com uma elevação de 9,5% na média anual entre 2007 e 2012, se desacelerou depois ao redor de 7% entre 2013/3014 até alcançar os 4% na atualidade. Apesar do declínio, o crescimento continua sendo acelerado e na apreciação do The Conference Board, é sólido e poderia estar melhorando ligeiramente. Não obstante, a produção por pessoa empregada ainda equivalia ao redor de 19% dos Estados Unidos em 2015. Uma distancia muito grande quando o aumento da produtividade na China representa uma questão cada vez mais urgente. Se trata de uma economia muito intensiva em trabalho que - mesmo que paulatinamente- está perdendo as vantagens de salários baratos e de um mercado de trabalho abundante no contexto de uma dinâmica global estancada. Como abordamos em Robótica, produtividade e geopolítica, esta serie de elementos remete quase em espelho às necessidades de produção tanto de distintos tipos de mais valia, como as relações interestatais. No plano político de Xi Jinping a incorporação de nova tecnologia tem um lugar estratégico e a fronteira entre o econômico e o militar se esfumaça. O projeto da Rota da Seda conhecido também com one Belt, one road - um cinturão - que significa nada menos que o anseio da China chegar na África e Europa tanto por terra como por mar. Este projeto inclui um desenvolvimento das forças armada na qual se concentra grande parte da tecnologia e que - ao menos como mensagem- expressa um giro de uma política militar defensiva - o exercito como força privilegiada- a um tipo de ofensiva. Neste contexto em que a adoção de tecnologia se torna um assunto vital tanto no terreno econômico como no militar, no simbólico como no real, não é casual que a unidade entre Donald Trump, a União Europeia e Japão tenha se revigorado no interior da OMC para condenar implicitamente a China pela - entre outros assuntos- exigência de "transferências tecnológicas forçadas".

Tanto nas contradições do discurso da "terceira revolução industrial" como na dimensão geopolítica, a questão da produtividade emerge como sintoma fundamental da impossibilidade da economia capitalista de operar mudanças significativas sob as condições "normais" das últimas quatro décadas.

A modo de conclusão

Até os "tecno-otimistas" mais recalcitrantes aceitam que a economia mundial é vítima de uma diminuição no crescimento da produtividade, ainda que preferem atribui-la "simplesmente" a "Grande Recessão e suas consequências" sugerindo que "se colocar em dia" pode levar "até décadas". Neste cenário geral, e sem negar a perda atual dos postos de trabalho em determinados setores e países, os prognósticos que preveem a eliminação massiva de empregos - como consequência de uma nova revolução tecnológica e não de um salto na crise econômica mundial - estão mais próximo de um relato do que da realidade.

Os atuais avanços técnicos são surpreendentes, mas não são capazes de impulsionar por si mesmo grandes mutações na economia sem passar pelo "filtro" de um investimento de capital suficiente para transformá-los em produtividade do trabalho ou nova força produtiva. A combinação de investimento débil, produtividade do trabalho abaixo da média histórica, prognóstico a médio prazo de crescimento econômico mundial descendente e continuidade do lugar protagonista da valorização financeira, não parecem estar anunciando o advento de uma nova "revolução industrial", mas sim anos de debilidade endêmica do capital. Um cenário no qual poderão se suceder modestas recuperações como a atual e novos episódios catastróficos.

Este é o contexto claro e imediato no qual tem que se interpretar a miríade de ataques aos trabalhadores passivos e ativos - para além das condições de regressão nas quais o capitalismo poderia absorver uma eventual revolução tecnológica. A debilidade endêmica atual do capital se traduz numa política de semear sistematicamente o terror que busca abrir espaço para um novo avanço sobre amplos setores de trabalhadores. Neste contexto, a contradição entre discurso e ação é eloquente. Ao contrário do relato de grande parte do Mainstream econômico e tecnológico, as reformas da previdência e trabalhista em voga pretendem mais trabalho (aumento da idade de aposentadoria ou da jornada de trabalho) e não menos, em condições de flexibilização crescente. Uma espécie de contraofensiva do neoliberalismo senil carente das grandes conquistas da sua versão original.

Em todo caso, e voltando para a relação entre tecnologia e geopolítica, o estancamento atual da "empresa neoliberal" faz pensar que as condições para novas transformações econômicas e revoluções tecnológicas em grande escala não podem se desvincular das crescentes tensões interestatais onde o elemento militar adota uma presença crescente. Como desenvolve com luxo de detalhes David Gordon em The rise and the fall of American Growth, o elemento militar (a Segunda guerra mundial) cumpriu um papel determinante na transformação dos avanços tecnológicos em potencia econômica. Sem simplismos nem analogias forçadas, o lugar da guerra como "o milagre econômico que resgatou a economia americana do estancamento secular dos anos 1930" (Gordon, R., The rise and fall of American Growth) não pode ser indiferente no cenário atual. Trata-se de um lugar que deve ser revisitado e reinterpretado a luz da dinâmica de uma realidade singularmente complexa na qual convive estancamento econômico, avanço tecnológico e a novidade contraditória do aumento de tendências nacionalistas num mundo profundamente "globalizado".

 
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