www.esquerdadiario.com.br / Veja online / Newsletter
Esquerda Diário
Esquerda Diário
http://issuu.com/vanessa.vlmre/docs/edimpresso_4a500e2d212a56
Twitter Faceboock
LANÇAMENTO
Entrevista com Nana Queiroz: “Essas mulheres são vítimas, não são criminosas”
Esquerda Diário

No último dia 13 de julho, a jornalista Nana Queiroz (conhecida nas redes pela campanha do "Eu não mereço ser estuprada") lançou o livro "Presos que menstruam: a brutal vida das mulheres – tratadas como homens – nas prisões brasileiras". Fruto de uma pesquisa de cinco anos, nas páginas do livro podemos encontrar a história de Vera, Júlia, Camila, Safira, Gardênia, entre outras mulheres presas, que estavam cumprindo pena no sistema carcerário feminino brasileiro. São relatos fortes da situação na qual se encontram milhares de mulheres invisíveis à sociedade e absolutamente negligenciadas pelo Estado, que se submetem às situações mais degradantes como usar miolo de pão como absorvente interno ou terem que ter os seus filhos nos banheiros das prisões pela falta de estrutura do sistema público. E que muitas vezes as origens de seus crimes estão numa violência anterior, a de seus maridos que as violentavam, a de ser mãe solteira e estar desempregada tendo que sustentar seus filhos . "Essas mulheres são vitimas, não são criminosas", diz a jornalista.
O Brasil possui a quarta maior população carcerária do mundo, as mulheres presas representam apenas 6%. No entanto, esses números cresceram 216% entre 2000 e 2012, segundo os dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen). Num momento em que se discute a situação do sistema prisional brasileiro com a redução da maioridade penal, vale a pena ler a entrevista que fizemos com Nana Queiroz.

Ver online

Esquerda Diário: Porque você escolheu esse tema? Qual o enfoque que você deu no próprio livro? Fale um pouco sobre seu livro.

Nana: O livro é resultado daquela magia que as mulheres fortes têm em outras mulheres. Esse livro foi inspirado numa grande mulher chamada Rosária Naves, que num jantar estava me contando sobre a experiência dela trabalhando no sistema carcerário feminino e eu fiquei encantada. Aí eu falei: "vou ler mais sobre isso depois do jantar". Só que quando eu comecei a pesquisar em internet, não tinha nenhum livro, não tinha nenhum artigo, não tinha nada sobre as mulheres presas elas eram completamente invisíveis.

Enquanto a gente vê a imprensa pegando pesado nos homens presos, isso não tem para as mulheres. Isso acontece porquê? Porque quando a gente pensa um genérico no Brasil, a gente pensa no modelo masculino. Pensa na língua, quando tem 10 mulheres e um homem você fala em "eles" no plural. Isso não é assim em todas as línguas, por exemplo, no finlandês existe uma palavra genérica para homens e mulheres; o chinês tem uma única palavra que é "ele" e é "ela" também. Então isso é um padrão brasileiro, e que não é normal. Quando você pensa em genérico não é normal pensar em homem, normal é pensar nos dois, isso é que seria natural, e no sistema carcerário não é diferente.

Eu comecei a pesquisar. Foram uns cinco anos de trabalho pra fazer o livro e principalmente demorou muito por conta da dificuldade que eu tinha de entrar nas carceragens e penitenciarias, porque o Estado sabe que está fazendo coisa errada. Então o que eles fazem? O jornalista pede autorização para entrar e eles não dizem não, eles simplesmente não respondem e te dão um tratamento de silencio até você cansar. Então o que eu fiz: eu me correspondi com algumas presas para poder entrar como parente de presa; eu me ofereci a trabalho voluntário; eu entrei pela porta do fundo, pela enfermaria junto com médico; eu fiz tudo que podia para conseguir entrar e descobrir um pouco mais sobre elas.

O feminismo, na minha opinião, não fala em igualdade. Não é direitos iguais que a gente fala, a gente fala em direitos equânimes, que significa igualdade para os iguais e diferença para os diferentes. Quando você trata todo mundo igual, você ignora, por exemplo, que mulher menstrua, aí elas tem que usar miolo de pão como absorvente interno. Você ignora que elas ficam grávidas, aí fica bebê nascendo em banheiro de carceragem pública. Você ignora que elas precisam de papanicolau, e tem mulheres que desenvolvem câncer de colo de útero desnecessariamente. Você ignora uma serie de coisas que resultam em direitos humanos piores. Agora, pensa se o padrão genérico fosse o feminino, o homem ia ganhar absorvente, o que também seria mal porque seria um excesso de gastos desnecessários para o sistema público. Então é importante que a gente saiba que a biologia nos fez diferentes, a cultura nos faz diferentes. Algumas dessas diferenças tem que ser combatidas, principalmente as do mercado de trabalho, por exemplo. Mas as diferenças que estão aí postas tem que ser lembradas que elas existem, principalmente porque as que tem que ser combatidas só vão ser combatidas se a gente lembrar que elas existem, se não, isso não vai acontecer.

ED: No livro você coloca alguma coisa que poderia ser feita para melhorar essa situação da população carcerária feminina? O que você veria que seria uma solução para esse problema?

Nana: Primeiro, que se enxergue as mulheres enquanto mulheres, e antes, que você enxergue também as crianças. Tem 340-350 crianças presas no Brasil hoje, essas crianças não precisam estar presas. Se você pensar no perfil, o que leva as mulheres a cadeia é diferente do que leva o homem a cadeia. Só 6% das mulheres cometeram crimes perigosos, crimes contra a pessoa. Então a maioria delas pode sim amamentar em casa e cumprir pena domiciliar, a gente tem caneleira eletrônica, isso é possível. Claro que as pessoas perigosas tem mesmo que ser afastadas do convívio social, e eu de maneira nenhuma vou defender que as pessoas passem a impunidade, que as pessoas cometam crimes e não paguem por isso, claro que elas tem que ser punidas. Mas existem uma serie de penas alternativas que poderiam ser muito benéficas para as mulheres, porque a maioria delas tem pequenos crimes que serve como complemento de renda, por exemplo o trafico de drogas no pequeno escalão – que é só aquela pessoa que vende mesmo não é aquela pessoa que é líder do trafico. Furto, roubo de supermercado, caixa eletrônico... sabe essas bobagens? Chamariz de assalto, porque ela é bonita e ela dá um chamariz confiante, um destaque para atrair vitimas...

Eu acho que é necessário repensar o sistema carcerário como um todo, e como a gente bota gente na cadeia no Brasil. Isso eu acho que é claro porque a gente está falindo, estamos gastando demais prendendo gente demais e está superlotado e cada vez reinsere menos gente na sociedade, 70% da taxa de reincidência criminal é muito alto. É importante que a gente repense isso. E principalmente no caso das mulheres, porque são muito vitimas da violência domestica. Tem um estudo no Rio Grande do Sul (RS), por exemplo, que mostra que cerca de 40% das mulheres que foram presas no RS estavam imediatamente fugindo da violência domestica. Ou seja, o marido batia e ela teve que fugir de madrugada com os filhos, e não conseguiu sozinha sustentar os filhos depois que o marido foi embora de casa ou que ela fugiu. Ou ela precisava de dinheiro e resolveu traficar para conseguir dinheiro para sair de casa e fugir da violência doméstica, ou o próprio marido batia nela para que ela cometesse os crimes pra ele. Tinha maridos que obrigavam as mulheres a vender drogas pra eles. Veja bem, essas mulheres são vitimas, não são criminosas. Como a sociedade está tratando isso? Gastamos três mil reais por presa, esse dinheiro não poderia servir para prevenir que essas mulheres fossem presas? Eu acho que trabalhar na prevenção é a coisa mais interessante que pode acontecer.

ED: Você vê alguma relação para esse problema que você trata no livro e a discussão da redução da maioridade penal?

Nana: Sim. A redução da maioridade penal vai punir as mulheres de maneira muito específica. Quando se fala da redução, quem são as menores que cometem crimes? São mães solteiras abandonadas pelos parceiros. Então você vai estar colocando um monte de menina que engravidou cedo e largou a escola, na cadeia, ao invés de dar a ela a oportunidade para se construir. Porque quer queira quer não, se a gente tratasse ela como menor, ela seria obrigada a estudar enquanto está interna cumprindo medida cautelar, e isso poderia significar um novo destino. Agora, se você coloca no sistema carcerário, é um estigma que pra sempre vai acompanhá-la, é fabrica do crime, tanto o masculino como o feminino. Isso é muito sério. É tão errada a decisão de diminuir a maioridade penal. O Brasil é o quarta população carcerária do mundo, e os três primeiros estão em redução da população carcerária – que são EUA, China e Rússia. Então pensa, esses países, que estavam encarcerando todo mundo, já perceberam que essa medida é errada e estão voltando atrás e o Brasil continua insistindo no erro.

 
Izquierda Diario
Redes sociais
/ esquerdadiario
@EsquerdaDiario
[email protected]
www.esquerdadiario.com.br / Avisos e notícias em seu e-mail clique aqui