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DEBATE
“Movimento Queer e luta de classes” (Parte II)
Verónica Landa

Continuamos com a 2ª parte da exposição que nós mulheres do Pão e Rosas fizemos no "Seminário Feminista" de Barcelona, onde fomos convidadas para abordar reflexões sobre Judith Butler e a teoria Queer, o marxismo e a libertação sexual.

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Judith Butler e a teoria Queer

Como anunciamos na Parte I desta apresentação, continuaremos nossas reflexões sobre Judith Butler, a teoria Queer, o marxismo e a libertação sexual.

Frente às limitações que fizeram parte da cooptação, institucionalização e fragmentação do movimento LGBTI, apareceu nos anos 90 a teoria Queer, que propõe superar as identidades de gênero para afrontar a exclusão desde outra perspectiva. O movimento Queer começa a desenvolver-se em um contexto de ofensiva neoliberal em que se argumentava que não havia alternativa ao capitalismo, que a luta de classes não existia e, depois de descartar a perspectiva de classe na luta contra a opressão de gênero e sexual, negavam a classe trabalhadora como o sujeito protagonista da mudança social.

Uma das principais teóricas Queer é Judith Butler, com obras como Problemas de Gênero, onde faz uma forte crítica à identidade sexual e de gênero como construções repressivas e excludentes. Entende a sexualidade e o gênero como construções culturais impostas, de forma que não existem papéis sexuais ou de gênero com raízes biológicas.

A identidade sexual e a identidade de gênero são construídas em base à dicotomia masculino-feminino, heterossexual-homossexual. As produções de identidade de gênero e de nossa sexualidade se dão nos marcos da matriz heterossexual, denominada assim por Butler. Esta matriz é um conjunto de discursos e práticas culturais relacionadas com a diferenciação entre os sexos, dirigidos a produzir a heterossexualidade.

Ela defende a libertação da própria identidade – opressiva em si mesma – para chegar à emancipação da mulher. Para isso é preciso elaborar, dentro do marco constituído, uma crítica das categorias identitárias que naturalizam e imobilizam as identidades atuais.

A ideia é que mediante distintas práticas performáticas, que permitam mudar constantemente de identidade, se poderia desconstruir as categorias de corpo, sexo, gênero e sexualidade, podendo assim subverter as identidades impostas e acabar transformando esta ordem simbólica excludente em algo mais plural. Estas práticas, levadas no seio dos Estados capitalistas buscam uma finalidade: alcançar uma “democracia radical e plural”, o que é o mesmo que humanizar na medida do possível o sistema capitalista.

Lançamos uma pergunta para refletir: como podemos chegar à liberdade sexual dentro dos marcos do sistema capitalista? Poderiam desaparecer as identidades “normativas” dentro das margens do sistema capitalista, que lucra às custas das desigualdades sociais?

Marxismo e libertação sexual

A teoria Queer propõe que mediante a transgressão da identidade as diferenças por questões de sexo, gênero ou identidade sexual desapareceriam. No entanto, o capitalismo não só se nutre de um tipo de opressão – neste caso de gênero, sexo ou identidade sexual –, senão que se baseia em uma intrincada rede de opressões que se retroalimentam para oprimir e explorar. Ser mulher não é o mesmo que ser mulher, negra, pobre, lésbica e/ou trans.

O componente de classe é claro na hora de por em prática a teoria Queer. Precisaríamos tanto de capital cultural como econômico, uma situação estável econômica e socialmente. Econômica, porque existe o perigo de perder um emprego se exteriorizamos estas práticas, e social, porque é necessário um grupo forte de apoio.

As divisões dentro das fileiras dos explorados e exploradas, da classe trabalhadora, unicamente beneficiam os capitalistas. Os valores familiares e a educação nos transmitem preconceitos que perpetuam estas cadeias de opressão. A quem beneficia que estas divisões não existam, que se acabe com toda exploração e opressão? Unicamente à classe trabalhadora; a mesma que recupera estratégias de luta de décadas passadas para enfrentar os gigantes burgueses.

Somos as mulheres e as pessoas LGBTI trabalhadoras que temos interesse em levar a luta contra a família tradicional até o final; por um lado, desde o movimento LGBTI reivindicamos formas de união para além da lógica do matrimônio heterossexual, enquanto por outro, somos as mulheres que temos interesse em deixar de ser exploradas continuando a jornada de trabalho ao chegar em casa. Esta “manutenção da vida”, os trabalhos de cuidado e de reprodução, são trabalhos, que realizados no lar familiar, não custam nada para o capitalismo. Quanto dinheiro os capitalistas poupam ao não pagar nada aos milhares e milhares de mulheres que em seus lares, diariamente, mantêm seus filhos e filhas – futuros/as trabalhadores/as – seus companheiros, compram, limpam, cuidam…?

Consideramos que a crítica que a teoria Queer apresenta a respeito das categorias de sexo e gênero é muito progressiva. Por outro lado, identificar-se com a etiqueta “mulher”, “negra” ou “lésbica” não é unicamente uma decisão pessoal. O que o capitalismo demonstrou ao longo da história, mas sobretudo desde a democratização da sexualidade e a ofensiva neoliberal dos anos 80, é sua capacidade para mercantilizar as diferenças identitárias. As transforma em objetos de consumo e criadoras de novas segregações sociais. Também se encarrega de nos fazer sentir diferentes se nos distanciamos do que é “normal” para o sistema.

Individualmente, assimilamos os comportamentos que estas categorias trazem e os reproduzimos. Ser conscientes deste fato nos levará a questionar por que somos parte de um grupo oprimido, e em última instância a questionar o próprio sistema. Se não temos em conta estas diferenças, não só não desaparecerão, senão que estaremos negando um lugar de questionamento a milhões de pessoas.

Somos conscientes de que a igualdade perante a lei não é igualdade perante a vida. Ainda assim, acreditamos ser necessário lutar para exigir igualdade legal. Não podemos esquecer que milhares de mulheres morrem por ano em abortos clandestinos, e milhares mais seguem sem ter controle sobre sua sexualidade; que milhões de pessoas LGBTI seguem sendo discriminadas em seus locais de trabalho e estudo, perseguidas e assediadas pelas ruas e reprimidas pela extrema-direita e pelas instituições repressivas do Estado.

Mas também somos conscientes que de que os partidos políticos que servem aos interesses do capitalismo, não vão nos dar nenhum direito que não seja arrancado pela luta nas ruas. Para acabar com esta opressão, precisamos de mais que leis; precisamos mudar pela raiz este sistema apodrecido. Devemos por em pé um movimento que agrupe jovens trabalhadores/as, estudantes, LGBTI, que seja independente do Estado e dos partidos do regime para conseguir nossos direitos mais elementares.

Veja a 1ª parte deste texto clicando aqui.

Tradução: Francisco Marques

 
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