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EDUCAÇÃO
Por que querem atacar Paulo Freire?
Jonas Pimentel
Tatiana Ramos Malacarne
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Desde o golpe institucional que colocou Michel Temer como presidente, os ataques à classe trabalhadora se aprofundaram e, hoje, também há de se considerar o avanço da direita conservadora, em especial depois da traição das centrais sindicais do dia 30 de junho, em que boicotaram a paralisação nacional e permitiram com que a Reforma Trabalhista passasse em seguida. Essa direita, relativamente fortalecida, hoje, se vê no direito de, além de amplificar a superexploração, controlar e censurar nossas liberdades democráticas.

Temos vistos diversos ataques mais estratégicos e materiais como a PEC 55 que congela as verbas públicas de serviços essenciais, privatizações, Reforma do Ensino Médio, Terceirização Irrestrita, Reforma trabalhista que atingem diretamente a educação pública como também ataques de cunho mais superestruturais e ideológicos como o “Escola sem Partido” que tem como lacaios e leões de chácara o grupo de direita MBL, a censura à arte (“Queermuseu”, performance “La bete” no MAM SP e a lei de censura no Espirito Santo), ou mesmo ações e declarações de setores ligados aos militares ou religiosos que tentam cercear a liberdade de crítica nas escolas.

Dentro dessa onda de ataques a direita retomou o projeto de retirar o título de “patrono da educação brasileira” do pedagogo Paulo Freire. Essa ideia foi defendida pela revista Veja no início do ano passado, dizia para “jogá-lo no lixo da história”. Hoje uma estudante simpatizante do "Projeto de Lei Escola Sem Partido" tem encampado uma proposta para retirar o título de Patrono da Educação de Paulo Freire, essa proposta precisa de 20 mil votos para entrar na pauta do senado. A estudante alega que os problemas que a escola pública enfrenta hoje, principalmente o fracasso escolar e culpa das pedagogias de Paulo Freire.

A onda conservadora avança na instituição mais ideológica que existe na sociedade, a escola. O projeto nefasto dos conservadores busca censurar as vozes dos professores e alunos e agora como uma medida ainda mais retrograda querem desmoralizar a pedagogia que Paulo Freire buscou implementar entre a população mais pobre.

Mas porque esse movimento contra Paulo Freire e o que podemos tirar de lições de seu legado?

Retomando um pouco do histórico desse pensador brasileiro que é tão reivindicado por professoras e professores poderemos ver porque esses movimentos direita querem “jogá-lo no lixo da história”.

Em 1959, Paulo Freire escreveu Educação e atualidade brasileira para a cadeira de história e filosofia da educação da Escola de Belas Artes de Pernambuco onde se formou em bacharel em direito. Nesse texto, ele apresenta como uma de suas preocupações o que Cunha e Góes (1991) denominam como um fenômeno dos anos 1950 e 1960, onde "os educadores começaram a perceber que os problemas de sua sala de aula não se resolveriam, apenas, dentro dela (p.11)". Ou seja, em meio aos diversos movimentos políticos e sociais Paulo Freire passa a refletir não apenas os problemas pedagógicos estritamente mas também a participação política. Segundo ele, "Cada vez mais nos convencíamos ontem e nos convencemos hoje, de que o homem brasileiro tem de ganhar a consciência de sua responsabilidade social e política, existindo essa responsabilidade. Vivendo essa responsabilidade. Participando. Atuando. Ganhando cada vez maior ingerência nos destinos da escola de seu filho. Nos destinos de seu sindicato. De sua empresa, através de agremiações, de clubes, de conselhos. Ganhar ingerência na vida de seu bairro. Na vida de sua comunidade rural, pela participação atuante em associações, em clubes, em sociedades beneficentes. Assim, não há dúvida, iria o homem brasileiro aprendendo democracia mais rapidamente. (FREIRE, 1959, p. 13)".

Ainda mais num país que naquele momento possuía uma população com 50% de analfabetos a solução desse problema não era apenas educacional, mas também social e política.

A visão pedagógica de Paulo Freire entrelaçava elementos humanistas e democráticos cuja crença na humanidade era apresentada pela capacidade de problematizar o mundo, amar, aprender juntos, solidarizar-se, como também apresentava elementos marxistas.

Em uma de suas exemplificações/problematizações didáticas ele dizia: “Não basta saber ler que Eva viu a uva. É preciso compreender qual a posição que Eva ocupa no seu contexto social, quem trabalha para produzir a uva e quem lucra com esse trabalho”.

Dada a situação política do país no final dos anos 1950 em que se situa algumas de suas principais reflexões sobre educação, Paulo Freire se localizava em uma posição política mais próxima das tendências progressistas dos movimentos populares e da igreja, onde suas argumentações filosóficas sobre pedagogia mesclavam participação política e “fé” na humanidade.

Em 1963, já como livre-docente na Universidade de Recife, Paulo Freire alfabetiza um grupo de trabalhadores rurais em Angicos (RN), cujo projeto durou 40 horas e obteve repercussão nacional. Conhecido como “Método de Alfabetização de 40 horas” ou “Método Paulo Freie” levou, posteriormente, a criação do Plano Nacional de Alfabetização de Adultos (PNA) no governo de João Goulart.

Um exemplo muito claro a respeito do que significava o projeto de educação popular naquele período era o aumento do eleitorado brasileiro em quase o dobro, pois se a população fosse alfabetizada ela poderia votar. E no caso de Paulo Freire, a desconfiança por parte da elite brasileira era ainda maior. Segundo ele, “o Movimento de Educação Popular constituía uma ameaça real para o sustento da antiga situação. O plano [PNA] de 1964 devia permitir o aumento no número dos eleitores em várias regiões: no Estado de Sergipe, por exemplo, o plano devia acrescentar 80.000 eleitores aos 90.000 existentes; em Pernambuco, o número de votantes passaria de 800.000 a 1.300.000 etc. ”.

A alfabetização, para Paulo Freire, não era apenas um processo técnico de aprendizagem da linguagem escrita. A problematização do cotidiano e das relações de poder que se estabelecem nele tem peso fundamental pois a “leitura de mundo precede a leitura da palavra”. Tal argumentação apresenta uma das contribuições elementares de sua pedagogia. Mas o que significa esta elaboração?

Na educação problematizadora proposta por Paulo Freire, não é possível impor um conhecimento a um indivíduo a fim de educá-lo, pois sua concepção educacional privilegia o diálogo e desta maneira todos são sujeitos do processo: educadores e educandos.

Em pedagogia do oprimido (1968\70), escrita em seu exilio no Chile a partir de experiências com camponeses, ele critica a concepção “bancária” do sistema educacional, pois ela “nega a educação e o conhecimento como processo de busca (Freire, p.67)” e tenta incutir a ideia de que “quanto mais se deixam ‘encher’, tanto melhores educandos serão (FREIRE, p. 66)”. Ou seja, nesta concepção, os educandos são entendidos como seres que recebem, guardam e arquivam.

A domesticação, por tanto, é uma das premissas da educação “bancária”, pois a adaptação e o ajustamento tomam o lugar da criação e da problematização da realidade, assim como querem o governo golpista de Temer, Alckimin, Dória, militares, religiosos e os defensores do projeto “Escola Sem Partido” hoje.

Ao contrário da perspectiva “bancária”, Paulo Freire apresenta a educação como prática da liberdade onde a dialogicidade entre os sujeitos tem papel fundamental e a transformação social se dá por esse processo onde os sujeitos tomam consciência das relações de poder superando a contradição entre opressores e oprimidos.

Essa perspectiva pedagógica desenvolvida mais concretamente em “Pedagogia do oprimido” significou sua prisão e exílio no pós golpe civil-militar de 1964 e estava alinhada com aquelas experiências democráticas empreendidas pelos movimentos sociais dos anos 1950.

Portanto, atacar Paulo Freire ou “joga-lo no lixo da história” como diz a revista Veja significa mais uma ofensiva absurda da elite brasileira que tenta de todas as formas descarregar a crise capitalista nas costas da classe trabalhadora e ainda por cima suprimir as tendências progressistas, democráticas e libertárias seja na educação ou mesmo nas artes como temos visto na atual conjuntura.

NOTAS:
i) CUNHA, Luiz Antônio & GÓES, Moacyr. Voz Ativa. In: O golpe na educação. Rio de Janeiro: Zahar, 1991.
ii) Sobre isso Cunha e Góes (1991) argumentam: "aqueles movimentos tiveram os seus equívocos e debilidades, próprios de uma época de fortes tendências culturalistas e de otimismo pedagógico, além das limitações do nacionalismo que privilegiava a luta antimperialista em detrimento da discussão sobre a luta de classes no âmbito da sociedade (p.34)".
iii) FREIRE, Paulo. Conscientização. P.12. Disponível em: http://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/paulofreire/paulo_freire_conscientizacao.pdf

 
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