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CATALUNHA
Catalunha: mais de 155 razões para defender o direito à autodeterminação
Cynthia Lub
Barcelona | @LubCynthia

O que é e como o presidente espanhol Mariano Rajoy aplicaria o artigo 155 contra a Catalunha? É imprescindível um “roteiro” da classe trabalhadora de todo o Estado Espanhol.

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Após o massivo pronunciamento do povo catalão pelo direito de decidir e pela independência expressa no Referendo no último dia 1 de outubro, se tornou famoso o “artigo 155”. Trata-se de um artigo da constituição espanhola pactuada no fim da ditadura de Franco, que impede a autodeterminação dos povos.

O governo de Rajoy (Partido Popular) anunciou colocá-lo em prática contra o povo catalão, se é que já não se foi aplicando de forma coberta, pela primeira vez na história espanhola. Um verdadeiro golpe institucional.

Aprovado há quase quarenta anos, a primeira vez que se anunciou sobre outra comunidade autônoma foi em fevereiro de 1989, em Canárias. Quando o então presidente autônomo Lorenzo Olarte, do Centro Democrático e Social (CDS), se negou a aceitar a supressão de tarefas, uma redução de direito da aduana de 15% sobre as mercadorias europeias, produto da adesão à Comunidade Econômica Europeia.

Foi sob o governo de Felipe González (PSOE), quem enviou um requerimento de servia como passo prévio à ativação do 155 ao Executivo canário, para que cumprisse suas obrigações fiscais, dando-lhe o prazo de um mês. Finalmente, chegaram a uma negociação antes do vencimento do prazo.

O artigo 1955 da Constituição se refere ao poder do Governo do Estado para controlar as Comunidades Autônomas, através de mecanismos de caráter excepcional e extremo e alcance coercitivo, que imponha à Comunidade autônoma o “cumprimento forçado” da lei. Assim o explica o Artigo 155:

1. Se uma Comunidade Autônoma não cumprir com as obrigações que a Constituição ou outras leis imponham, ou atue de forma que atente gravemente ao interesse geral da Espanha, o Governo, antecedido por um requerimento ao Presidente da Comunidade Autônoma e, no caso de não ser atendido, com a aprovação por maioria absoluta do Senado, poderá adotar as medidas necessárias para obrigar aquela ao cumprimento forçoso de ditas obrigações para a proteção do mencionado interesse geral.

2. Para a execução das medidas previstas no apartado anterior, o governo poderá dar instruções a todas as autoridades das Comunidades Autônomas.

Mariano Rajoy o “atualizou” contra o povo catalão, anunciando a suspensão de todo o governo catação, o presidente Puigdemont, o vice Junqueras e todos os consellers (ministros).

Disse que os ministros do governo do PP, que nas últimas eleições autônomas recebeu somente 8,5% dos votos na Catalunha, exercerão o governo em todas as áreas, inclusive na educação ou TV3. Disse que o Parlament continuará recebendo intervenção madrilenha, podendo apenas debater aquilo que o governo central autorize. E disse que será resolvido quando Rajoy considerar para serem convocadas novas eleições. Umas eleições que serão completamente controladas já que o novo Parlamento catalão que será eleito não poderá propor candidato à presidência, isso será feito por um organismo designado pelo governo central, sendo anunciou Rajoy, com o apoio da coroa, Ciudadanos e do PSOE.

Um artigo que está no DNA da Constituição nascida do Regime de 78

Em definitivo, a aplicação do 155 implica atacar a autonomia da Catalunha e os direito democráticos elementares. Mas sobretudo implica liquidar o grande movimento democrático pelo direito à autodeterminação, expressado na vontade de uma grande maioria do povo catalão no dia 1 de outubro.

É um “excesso” por parte de Rajot? Muito além do debate de graus com os quais deveria ser aplicado o 1555, desde o PSOE e até alguns democratas “de esquerda” como Llamazares dizem que não deve ser tão drástico, a realidade ´que a Constituição de 78 nega a autodeterminação, quando o Artigo 2 diz:

“A Constituição se fundamenta na indissolúvel unidade da Nação espanhola, pátria comum e indivisível de todos os espanhóis, e reconhece e garante o direito à autonomia das nacionalidade e regiões que a integram e a solidariedade entre todas elas”.

Deste modo ficava anulado o direito à autodeterminação e por mudança se estabeleceram diferentes níveis de autonomia às regiões e nacionalidades do Estado Espanhol, sob uma “Monarquia Parlamentária” pactuada pelos então principais partidos nacionalistas da burguesia como o PNV (Partido Nacionalista Vasco), CiU (Convergência e União), o PSOE e até o legalizado PCE.

A natureza da Lei e do Estado capitalista espanhol, assim como seu regime político, demonstram que não será de forma pacífica ou com manobras parlamentárias por cima que se poderá passar uma “república catalã”. Nem sequer a desejava “revolução ou radicalização da democracia”.

A forma em que tem anunciado Rajoy a aplicação do 1555 é por si só um golpe institucional que dificilmente pode se fazer efetivo sem o uso das forças policiais, cujo contingente vai aumentando dia após dia e a estaria dos guardas civis e da polícia nacional promete se estender por mais tempo na Catalunha.

A estratégia dos partidos independentistas Juntos pelo SIM, a ANC e OMNIUM não é efetiva não somente para cumprir com o mandato do 1-O, mas tampouco para defendê-lo do 155. A disposição da mobilização ficou demonstrada na resposta massiva das manifestações, da greve do 3-O, ou as greves estudantis, o surgimento dos CDR (Comitês de Defesa do Referendo ou da República). Mas a direção das forças independentistas atuam como freio e controle constantemente.

Enquanto isso, o povo catalão vem suportando a ocupação da Polícia Nacional e da Guarda Civil, manifestações do PP, Ciudadamos e do PSOE junto com a extrema direita, a chantagem das “guerras comerciais” das principais empresas da burguesia catalã, a criminalização das greves ou as graves detenções dos líderes Jordi Sánchez (ACN) e Jordi Cuixart (OMNIUM) como disciplinadores do que é que pode passar se é exercido o direito de decidir por meio da mobilização.

O PSOE e a passividade do Podemos. Os efeitos do 155 para além da Catalunha

O temido 155 anunciado por Rajoy conta com o apoio também do PSOE. Esta formação vem sendo duramente criticada e inclusive dentro das suas fileiras foram anunciados rompimentos e críticas de prefeitos socialistas. Talvez a recuperação do PSOE com Pedro Sánches esteja sofrendo uma recaída difícil de se recompor outra vez.

Por sua parte o Podemos rechaça o 155, mas sem reconhecer a legitimidade do resultado do 1-O e portanto o direito dos catalães de conformar sua própria república independente. Em meio à brutal repressão do Governo central, falam de “derrotar o independentismo nas urnas”, expulsando o PP.

Primeiro foi chamando para um “pacto histórico” com o PSOE para seguir o modelo de Castilla-La Mancha. Mas os socialistas deixaram sozinha a formação roxa aliando-se com o Estado, a coroa, Rajoy e Ciudadanos.

A passividade da direção do Podemos, assim como da Izquierda Unida, é inadmissível. Seus portavozes repetem aos gritos que o 155 é um “feito gravíssimo e um ataque à democracia”, mas não fazem nem mesmo um chamado à mobilização. Esta formação que diz ter nascido no 15M ocupando as praças, hoje está atuando como bloqueio à mobilização que poderia surgir em solidariedade em todo o Estado Espanhol ao povo catalão, unindo as demandas que permitam acabar com a monarquia e o regime. No último domingo saíram centenas de nas ruas de Madrid, mas os líderes de Unidos Podemos estiveram ausentes.

Enquanto a crise aberta entre o povo catalão e o reacionário Regime de 78 se agudiza de maneira acelerada dia após dia, o posicionamento político de cada partido de expõe em carne viva: o PP mostra ser a direita mais reacionária, encorajando inclusive a extrema direita nas ruas e aplicando “em nome da lei” ataques brutais ao direitos democráticos mais elementares. O PSOE se mostra mais social liberal que nunca ao lado do Estado Central e a Coroa contra o povo catalão. E Podemos se localiza como a mão à esquerda restauradora do Regime chamando a “derrotar o independentismo” isso sim, mas urnas, e não pela força.

O grande problema está em que a inédita suspensão da autonomia da Catalunha é um feito que ficará para a história e que transcenderá as fronteiras catalãs. Porque uma derrota do movimento democrático catalão terá uma repercussão de grande expressão em todo o Estado. O 155 será a ameaça inclusive para qualquer “oposição” ao Regime.

José Julián Gregorio, delegado do Governo madrilenho em Castilla-La Mancha pelo PP, na quarta-feira passada ameaçou o presidente socialista desta comunidade, dizendo “García-Page está pedindo aos berros pelo artigo 155 para que seja o Estado o que emende o trabalho do governo que formam o PSOE e o Podemos”. No domingo passado. Alfonso Alonso, presidente do Partido Popular no País Vasco, disse que “Em Euskadi existe um nacionalismo no poder (PNV), forças radicais que ainda estão na justificativa de posições violentas (Bildu), populistas de Podemos que são a terceira força e a plataforma Gure Esku Dago, embrião de uma Assembleia Nacional Vasca”. E advertiu (ou ameaçou?) que, “Se estes ingredientes se juntam nos levariam à mesma situação e portanto ao mesmo desafio, ao mesmo perigo que se está sofrendo na Catalunha”

A direita se encoraja e a “esquerda” se relocaliza nos cantos nos quais se encontra o Regime. Os sindicatos continuam com a sua criminal “pax social” ainda mais criminal frente ao golpe institucional do PP. Não sabemos como terminará este “outubro quente”, se é que vai terminar em outubro, ou em 2017.

Mas aqueles que mais acabarão pagando as consequências deste ataque brutal será em primeiro lugar o povo catalão frente ao 155, assim como a classe trabalhadora, a juventude e as mulheres de todo o Estado, por outras e não tão distintas razões.

Por isso é imprescindível que se imponha outro “roteiro”. Uma República dos trabalhadores e socialista, dos oprimidos e o povo pobre que tome o rumo dos seus próprios destinos não somente no sentido de emancipação nacional, mas também de classe. Assim como também é imprescindível que no resto do Estado se desenvolva a solidariedade com este povo irmão desde a convicção de que um povo que oprime o outro não pode ser livre. E assim, soldar a unidade da classe trabalhadora de todo o Estado em luta comum que permita acabar com a Monarquia e o regime. Ou seja, a perspectiva de estender o direito à decidir a todas as nacionalidades históricas do Estado Espanhol, soltando a fraternidade entre seus povos no caminho da construção da livre federação dos Estados socialistas ibéricos.

 
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