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PORTO ALEGRE
Marchezan, do Despacito à bancarrota
Valéria Muller

Em apenas 10 meses o prefeito que dançava ’Despacito’ e arrancava aplausos da população em suas visitas aos bairros se depara com uma profunda crise e até um pedido de impeachment. A forte greve dos municipários e uma base social e parlamentar esmigalhada colocam em questionamento todos os planos do tucano para cidade.

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Foto: Maia Rubim/Sul21

O governo Marchezan (PSDB) já nasce atravessado pela contradição de chegar à prefeitura sem a maioria dos votos nas urnas. O prefeito assume o governo municipal anunciando a catástrofe nas finanças e prometendo mundos e fundos à iniciativa privada, com a priatização da Carris e de outras empresas públicas do município como a Procempa. Uma primeira vitória importante na Câmara, com a autorização do parcelamento de salários dos servidores municipais, dava os primeiros sinais de que nada disso seria fácil: apenas um voto de vantagem foi o que conseguiu a proposta do prefeito.

Um forte trabalho equipe de marketing fazia parecer que o governo teria algum respaldo popular. As primeiras atividades do Prefeitura nos Bairros, com a população aplaudindo o prefeito que dançava ’Despacito’, além de muitas curtidas e compartilhamentos nas suas piadinhas nas redes sociais, reforçavam a hipótese de que Marchezan governaria com algum nível de sucesso. Porém o próprio marketing político ensina que um governo sem base social e sem respaldo na Câmara não pode ser sustentado apenas com trocadilhos e propagandas.

A demora e a dificuldade do governo em ter uma liderança na Câmara de Vereadores e a debandada de secretários e CCs nomeados pelo prefeito mostram as fissuras do lado de dentro da gestão. O acordo com Clàudio Janta (SD), que assumiu como líder do governo na Casa, surge como uma alternativa para uma voz "sindicalista" que defenda os projetos de Júnior. Porém logo essa possibilidade se desmancha no ar com a barulhenta ruptura de Janta.

Do lado de fora da prefeitura a crise é agravada pelo aumento da insatisfação popular com o que Marchezan propunha para a cidade. As ameaças de ataque às isenções de idosos, estudantes e professores, a ideia de extinguir o cargo de cobrador, o aumento da passagem apesar da manutenção da isenção aos empresários e os cortes de linhas e tabelas que deixam os ônibus mais lotados e geram centenas de demissões entre os rodoviários renderam a Marchezan a marca de prefeito dos empresários de transporte.

Mais do que isso, um verdadeiro bombardeio de ataques do prefeito, que atinge todos os setores da população, foi derradeiro para o desmantelamento da base social e parlamentar do governo. A proposta de aumento do IPTU atingiu em cheio a burguesia e pequena burguesia local, assim como o fim da integração da segunda passagem gratuita no transporte público. Apenas os empresários da máfia dos transportes aplaudiam Marchezan. Inclusive a cobrança da segunda passagem não só foi derrubada na justiça, como rendeu uma exigência ao governo de devolver o dinheiro dos usuários.

Entre os servidores municipais, desde o início da gestão, Despacito nenhum foi suficiente para amenizar a revolta da categoria contra o prefeito. Os ataques foram muitos: parcelamento, congelamento e até redução dos salários e direitos adquiridos, mudanças nas rotinas de trabalho das escolas, propostas de fechamento e reorganização de secretarias, atrasos de salários e demissões de terceirizadas... Motivos não faltaram para os municipários protestarem.

As manifestações da categoria lotavam cada vez mais o Paço Municipal e as galerias da Câmara de Vereadores. As fortes assembleias votavam medidas de lutas mas, com um importante papel da direção do Simpa, não deliberaram greve até o final do mês passado. Certamente a greve dos municipários expressa muito a energia e indignação acumulada da categoria ao longo destes meses.

A greve geral do dia 28 de abril, sem nenhum ônibus circulando em Porto Alegre, mostrou a força da classe trabalhadora, mas parece que Marchezan não cogitou que essa força poderia voltar-se contra ele. Continuou avançando contra os trabalhadores da Carris, perseguindo, ameaçando, revistando bolsas e demitindo. Não satisfeito em chamá-los de vagabundos, Marchezan foi à rádio dizer que um dos problemas da Companhia era que os trabalhadores roubavam peças da manutenção, o que colocou também este setor da Carris contra o prefeito. O resultado disso tudo é uma assembleia com mais 500 pessoas presentes e agora uma vigília permanente em frente à empresa, com os trabalhadores em estado de greve.

A greve dos professores do estado jogou mais combustível nos trabalhadores do município para que entrassem em greve também. A confluência das duas lutas garante uma rotina de manifestações diárias nas ruas de Porto Alegre, além de mobilização em outros setores. Os garis, por exemplo, fizeram uma paralisação no início do ano e novamente agora, com a prefeitura dando calote na empresa terceirizada que administra o serviço e paga seus salários. Outros setores, como os que lutam por moradia ou mesmo em defesa dos animais, também engrossam as fileiras populares contra Marchezan.

Na Câmara de Vereadores a expressão máxima da crise do governo foi uma recente intervenção de Valter Nagelstein (PMDB), tradicional figura da direita local. Ele fala sobre "uma cidade à deriva" e critica duramente o governo, rompendo com o projeto do qual era entusiasta há algumas semanas atrás. No plenário da Câmara o vereador dá a Marchezan uma aula do populismo de direita que tem espaço nestas terras ao sul do Brasil.

O PSDB não é um partido tradicional da burguesia gaúcha, tanto que os tucanos jamais haviam governado Porto Alegre. A única aventura a nível estadual neste sentido foi com Yeda Crusius, um desastre completo. Seu governo foi marcado pelo rechaço popular e pela corrupção. O PSDB costuma cumprir um papel de coadjuvante na política local, cobrindo brechas do PT e do PMDB, quando estes dois chegam a um nível superior de desgaste. O governo Marchezan reforça estas características.

Com a pressão da greve dos municipários sobre os parlamentares, a maioria dos vereadores assinou o pedido de retirada dos projetos que tramitam atualmente na Câmara contra a carreira dos servidores públicos municipais. Isso demonstra que Marchezan já não tem condições de aprovar praticamente nada na Casa, paralisando seu governo com a crise política.

Júnior está mergulhado em uma crise de difícil solução. Quer vender a Carris para agradar os empresários de transporte mas teme que o movimento dos trabalhadores da Companhia se alastre pelo restante da categoria e por outros setores da sociedade. Quer precarizar a vida dos municipários mas acorda todos os dias com os protestos dos trabalhadores pela cidade. As consultorias privadas contratadas por ele, que custaram milhões aos cofres públicos, parecem não ajudar muito neste momento em que paira sobre o governo o peso do rechaço popular e o estranhamento entre os que antes eram aliados.

Não tardou chegar um pedido de impeachment contra Júnior, para além dos gritos de "Fora Marchezan" nos protestos em frente à prefeitura. Curiosamente o pedido não veio do Simpa nem da oposição, mas de taxistas que alegam que a prefeitura não cumpre que lei que regulamenta o serviço de transporte por aplicativos. O pedido foi negado pela Câmara nesta quarta (17) mas isso não garante nem que outros pedidos não serão levados a cabo, nem que o governo Marchezan sobrevive aos próximos três anos.

Mesmo que Marchezan seja realmente derrubado, é provável que outro governante, que também vai querer fazer com os trabalhadores e o povo de Porto Alegre paguem pela crise, assuma a prefeitura. É cedo para fazer futurologia sobre esse processo. Porém é certo que Marchezan e todo seu projeto de ataque aos servidores, rodoviários e ao conjunto da população só pode ser barrado com a força da mobilização. A forte greve dos municipários, assim como a mobilização na Carris, mostram o caminho, mas é necessário que essas lutas se unifiquem com a luta dos professores e dos servidores estaduais, e se espalhem também a outras categorias de trabalhadores, além de se alastrar pela juventude universitária e secundarista da capital e do estado. Está aí a força real que pode não só derrubar o frágil governo de Marchezan, mas derrotar todos os ataques que ele quer impor.

 
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