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ECONOMIA NACIONAL
Longe de um novo ciclo de crescimento: estamos num retrocesso ao padrão anos 90?
Daphnae Helena

Os jornais e mídias burguesas deram muito peso aos números que saíram sobre o último trimestre da economia no Brasil que segundo eles mostravam uma retomada paulatina do crescimento do país.

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Crescimento positivo nos setores da economia puxado pelo consumo e diminuição do desemprego. No entanto, são números bastante contraditórios: crescem alguns setores, mas o investimento permanece em queda; cresce o emprego, mas a grande maioria está no emprego informal. Ou seja, a realidade é que de conjunto vemos uma economia rumando em direção ao padrão "anos 90": aumento do trabalho informal, diminuição do peso da indústria, aumento do peso do setor agroexportador, privatizações e aumento da inserção no capital estrangeiro no país.

Segundo os últimos dados do Banco Central do Brasil (BCB), o país teve um crescimento de 0,2% do PIB no 2º trimestre do ano, em relação ao trimestre anterior. Tanto o relatório de inflação do BCB como a carta de conjuntura do IPEA apresentam estes números com otimismo, como se o Brasil tivesse agora numa perspectiva de sair do fundo do poço que chegou com a economia em crise, numa recuperação da economia brasileira, paulatina (segundo o IPEA) e gradual (segundo o BCB).

O cenário internacional é de que, após a crise de 2008 e a solução coordenada dos estados nacionais para salvar os grandes bancos e empresas, após abalos pela luta de classes e pelos fenômenos políticos, o que se vê neste momento é uma aparente estabilidade na economia mundial. A contradição é que o empreendimento neoliberal está desgastado, mas ainda não está quebrado, pela falta de uma saída que a própria burguesia internacional possa dar.

Nesse sentido, alguns analistas já apontam para o fato de que todo o otimismo do mercado das bolsas de valores, com ações em alta, se choca com o fato de não existir um crescimento na produção e no consumo, bem como na redução do desemprego que acompanhe todo este otimismo. Sendo assim, novos abalos parecem se gestar também a nível internacional, com um possível novo estouro de uma bolha.

Turbulência à vista? A dualidade entre consumo e investimento

No entanto, enquanto esta possibilidade não se concretiza efetivamente, a estabilidade do preço das commodities, combinada com as taxas de juros baixas do Fed e o "otimismo" do mercado vem favorecendo países como o Brasil, impedindo a saída de fluxos de capitais do país e permitindo a redução das taxas de juros.

O motor do aumento positivo no PIB pode ser atribuído principalmente ao aumento do consumo das famílias e aumento das exportações pela agropecuária. Além também das taxas de juros, que saíram dos 14,25% em agosto de 2016 para 8,25%, ainda permanecendo como uma das mais altas no mundo.

O aumento no consumo das famílias se deriva em especial de dois fatores: i) a disponibilidade dos saques do FGTS que propiciou o consumo e o pagamento de dívidas atrasadas; ii) a redução da inflação, em especial da inflação de alimentos que pesa mais para o consumo das famílias mais pobres; iii) combinado com a queda no desemprego que chegou a 13,7% (14,2 milhões de desempregados) e hoje está 12,6% (13,3 milhões de desempregados). O aumento das exportações é atribuído: i) a relativa estabilidade dos preços das commodities no mercado mundial; ii) a uma safra agrícola recorde que tivemos nesse ano, em particular no primeiro trimestre.

Do ponto de vista da força de trabalho a contradição é que embora tenha uma queda no desemprego do país, com a geração de 1,4 milhões de postos de trabalho durante o último trimestre (jun-jul-ago), a grande parte desse emprego gerado é no mercado de trabalho informal (70% desses postos), como trabalhadores empregados sem carteira assinada, conta própria e trabalhadores não remunerados. A taxa de informalidade no país chegou a 46,4% dos trabalhadores ocupados, que é a taxa mais alta desde 2012. O grande exemplo que os economistas deram é “o engenheiro que vira motorista de Uber”. Ou seja, os dados de diminuição do desemprego são frágeis e não significam uma relação com o aumento da atividade na economia, uma vez que são ocupações daqueles que se viram como podem para sobreviver num ambiente de crise econômica.

Brasil "à la carte"

As contradições apontadas do ponto de vista do capital é que: i) os investimentos caíram 6,5% em relação ao trimestre passado (que já vinha de queda) ii) a formação bruta de capital fixo também permanece em queda; iii) a indústria permanece com uma elevada capacidade ociosa, o que contribui para paralisar os investimentos.

No entanto, vale ressaltar que apesar dos investimentos estarem numa trajetória de queda, os investimentos estrangeiros diretos no país, a maioria deles, feitos sob a forma de compra de empresas no Brasil, ou seja, que não significa efetivamente investimento produtivo, vem batendo recordes: foram 87 bilhões de dólares só no ano de 2017, a maior média dos últimos seis anos. Dentre eles, vale destacar o papel que a China vem adquirindo no país. O capital chinês foi a principal fonte de investimento estrangeiro direto no país em 2016 com 12 bilhões de dólares e até abril/2017 foram 5,7 bilhões.

O exemplo mais gráfico para entender isso é a participação do capital chinês no ramo energético: a empresa State Grid (maior empresa de energia do mundo) comprou, em junho de 2016, a participação de empresas como Camargo Correa, entre outras, na CPFL, se tornando a principal acionista. Além disso, a empresa chinesa CTG comprou ativos da americana Duke Energy em 2016 no Brasil (em 2015 tinha comprado uma empresa portuguesa de geração de energia aqui no país) lucrando 1 bilhão de dólares no ano passado e se tornando a maior geradora de energia no Brasil. Mas o ramo energético é apenas um dos ramos de atuação, o capital chinês também vem crescendo no setor de aviação, de construção e de transporte.

Do ponto de vista do plano mais estratégico, o que está em jogo no Brasil, desde o golpe institucional em 2016, com os diferentes atores (STF, parlamentares, Lava Jato, federação de empresários) é a mudança do padrão de acumulação capitalista estabelecido no período anterior com o petismo, e um aprofundamento do neoliberalismo no país avançando naquilo que nos anos 90 e 2000 não foi possível realizar. Ou seja, significa aprofundar os elementos de semi-colônia e de dependência do Brasil em relação ao capital estrangeiro, rompendo os mecanismos construídos na década petista de coexistência entre capital nativo e capital estrangeiro.

Feroz em diversos países, o neoliberalismo não conseguiu ser implementado "até o final" no Brasil: alguns setores da infra-estrutura como petróleo, energia e construção foram preservados para o capital nacional e estatais. Um dado é bastante interessante nesse sentido: apenas 40% das 1000 maiores empresas que atuam no país são de capital estrangeiro.

Os ataques às chamadas “global players” que a Lava Jato está aprofundando com JBS, Petrobrás e Odebrecht no centro dos esquemas de corrupção estão em função de quebrar os principais monopólios nacionais e abrir espaço ao capital estrangeiro dentro do país. Este ano foi a primeira vez em mais de uma década que a revista Exame 1000 (que condensa as maiores empresas do país) não teve entre elas as grandes construtoras como Camargo Correa, Andrade Gutierrez, Odebrecht que eram sempre as campeãs nacionais.

A estabilização débil de uma economia semi-colonial

Cada uma dessas medidas, seja levada pela equipe econômica do homem do Bank Boston, Henrique Meirelles, seja pelos homens de toga de Curitiba, estão em função de implementar este plano estratégico da burguesia nacional e internacional para o Brasil. Querem, segundo dizem os jornais dos financistas internacionais como Financial Times e The Economist, melhorar as condições de produtividade do país para o capital. Para isso, seu debate vai por quatro sentidos:

i) os ataques aos trabalhadores, com a reforma trabalhista, contratos flexíveis e aumento da exploração. Um dado interessante na revista Exame é que no ano de 2016 os lucros aumentaram 263,8%, enquanto os empregos caíram 11,4%, ou seja, como consequencia da crise e dos ajustes do capital já vemos um aumento da taxa de extração de mais valia das empresas no país;

ii) um debate de modernização das empresas, em especial da indústria, com a chamada Industria 4.0, que basicamente seria mecanizar os processos na indústria incorporando a internet nos processos industriais;

iii) “modernização da infraestrutura” do país. Isto significa, no palavreado burguês, a privatização de setores chaves da economia (seja de forma direta, seja pela via de concessões).

iv) a modificação do papel do BNDES no país, que durante o governo petista foi um pilar fundamental de promoção das chamadas global players, onde o capital nacional conseguia fundos subsidiados para os investimentos e que, o governo atual, em especial Meirelles, defendeu e já foi aprovada, a mudança da taxa de juros praticada do BNDES para que esteja atrelada à taxa Selic de mercado. Resumindo, é o BNDES financiando o capital estrangeiro dentro do país.

As bases dos números positivos de crescimento que o país teve são bastante frágeis e em certo sentido "momentâneos", pois o aumento do consumo pelo saque do FGTS e a safra agrícola recorde são elementos que não se sustentam no longo prazo. A reforma trabalhista foi aprovada, mas ainda não foi implementada e quando for, a burguesia terá que lidar com diversos conflitos da luta de classes.

A reforma da previdência segue na corda bamba, porque a impopularidade é muito alta e os parlamentares temem a eleição de 2018. Além disso, as incertezas políticas em relação ao que irá acontecer com o país em 2018 pesam, a burguesia ainda não tem um candidato confiável e com chances de se eleger para tocar esse projeto. Um novo ciclo de crescimento a partir destas mudanças de fato está muito longe, no melhor dos cenários podemos dizer que a atividade do país parou de cair, e o que vemos é a estabilização em níveis de atividade muito abaixo dos anos 2000.

 
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