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Reforma curricular das licenciaturas: CEE retrocede na data para entrega das adequações
Willian Silva
Bianca Coelho - Estudante de Letras USP

No último dia 28, ocorreu o Fórum das Licenciaturas, com professores e estudantes da USP, Unicamp e Unesp, no qual o Conselho Estadual de Educação já apontou mais um recuo: prorrogou para as 3 estaduais paulistas a entrega dos documentos com adequações à deliberação 156/2017 para o dia 25 de março. Ainda que não signifique a vitória, isso demonstra que, com a mobilização, é possível vencermos o CEE e conseguirmos a revogação.

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As paralisações da Pedagogia, da licenciatura em Artes Cênicas (25/08) e da Letras (14/09), além das diversas atividades que se deram na Física, na FFLCH, na ECA, na Unicamp e outros institutos, fizeram estremecer a base do Conselho Estadual de Educação de São Paulo (CEE). Este busca impor uma reforma curricular aos cursos de pedagogia e licenciatura que de reforma não tem nada: a nova lei traz uma concepção tecnicizante para a formação de professores, diminuindo o caráter crítico que essa formação requer, como explicamos aqui.

Entretanto, os planos dos políticos/empresários do CEE não puderam se concretizar tão facilmente. Tiveram que retroceder na data de entrega dos documentos das 3 estaduais paulistas com adequações à deliberação 156/2017 para o dia 25 de março. Ainda que não signifique a vitória, isso demonstra que, com a mobilização, é possível vencermos o CEE e conseguirmos a revogação. O CEE esbarrou nos estudantes, professores e trabalhadores que desde a segunda semana de agosto se reuniram em uma plenária convocada pelo Centro Acadêmico Professor Paulo Freire (composto pela Faísca e independentes) a partir de passagens em sala nos 14 cursos da licenciatura.

Esse foi o pontapé da mobilização que seguiu com atividades e paralisações, que ocorreram mesmo em meio a um contexto favorável a ataques. Esse contexto é marcado pelo refluxo da mobilização que, se no primeiro semestre fervilhava nacionalmente, o que teve sua máxima expressão na greve geral do dia 28 de abril, no segundo semestre refluiu por conta da traição das burocracias sindicais, que boicotaram o dia 30 de julho, não organizando essa nova greve geral que poderia ter sido ainda maior que a anterior.

Balanços e perspectivas sobre essa luta

Ao mesmo tempo que entendemos a dificuldade que o fim de semestre e a conjuntura que estamos expressa para a continuidade da luta, Afinal, de que adiantou as paralisações? As passagens em sala? As atividades que fizemos? Alguns setores do movimento, imersos no ceticismo e na falta de perspectiva, responderão que não adiantou de nada. Isso não é verdade. Além da prorrogação da data para o dia 25 de março, também há o fato do CEE estar apontando que irá aceitar a renovação do curso de Pedagogia mesmo que não esteja adequada à deliberação. Isso seria impensável se analisarmos sua atitude há alguns meses atrás: no dia 29/5/17, por exemplo, o CEE convocou uma reunião com representantes das três universidades estaduais para impor que se adequassem a deliberação. Chegaram a ameaçar que, se não houvesse a modificação, os cursos ficariam sem reconhecimento, o que comprometeria a emissão dos diplomas, o que não conseguiram concretizar. Além disso, professores da FEUSP junto com o deputado Carlos Gianazzi entraram também com um pedido judicial para revogação da deliberação por esta ferir a autonomia universitária.

É preciso que esteja muito claro: mesmo que a negociação com o CEE seja favorável à FEUSP, ou seja, que o curso seja reconhecido sem que tenha feito as alterações impostas, isso não significa o fim de nossa batalha. A deliberação continua existindo para os outros cursos. Seria uma vitória parcial, pois antes da mobilização é improvável que o CEE fosse acatar isso, ao menos não sinalizava que o faria. Mas é um “mal menor”, que abre espaço para um futuro de mais ataques, mais negociações, mais débitos com o CEE.

A Física é exemplo disso. Na última negociação com o CEE para renovação do curso, a aprovação foi conseguida com a promessa de uma matéria específica de Língua Portuguesa na licenciatura de Física a ser implementada até a próxima renovação. Porém não havia professor para dar essa matéria. Percebendo isso acontecendo nas licenciaturas, a reitoria abriu uma discussão absurda de ser implementado um curso EAD de Língua Portuguesa para todas as licenciaturas.

Nas licenciaturas, a situação é um pouco mais complexa. Em alguns cursos, como na Letras, os coordenadores da graduação não estão se colocando contra a reforma, como os da FEUSP, pelo contrário, estão fazendo de tudo para convencer os graduandos de que ela é positiva, inclusive com ajuda da gestão do CAELL, centro acadêmico do curso (composto pelo Levante, Balaio, UJS e independentes). No entanto, não convenceram pois no dia 14 os estudantes, apesar CAELL, votaram a favor da paralisação.

É por isso que nossa posição precisa continuar sendo contra a deliberação 156, pois não é uma questão de “lidarmos com ela” em cada curso – já que isso dá abertura para alterações negativas a depender da vontade do coordenador do curso e do CEE - mas sim de revogá-la de vez, o que só é possível com uma forte mobilização.
Para construirmos essa mobilização, é preciso que haja uma forte unidade entre as licenciaturas, o que é papel fundamental do diretório central dos estudantes (DCE). Precisa ficar claro que essa unidade não se dará com chamados de facebook feitos em cima da hora, mas sim com passagens em sala, panfletagens, atividades etc., como vinha fazendo o CAPPF junto com diversos estudantes da FEUSP e das licenciaturas.

Há possibilidade da deliberação não ser prejudicial?

É necessário que a gente reflita sobre os argumentos que os professores da Letras estavam colocando para que entender como essa discussão estava chegando nos alunos. Na letras, diferente da Pedago, colocar apenas que “matérias inteiras podem ser substituídas” pode ser mal entendido, pois apesar da deliberação abrir margem para isso, abre brechas para que isso não seja necessário, e nesse curso é o que os professores estão falando que farão. Isso não quer dizer que os coordenadores favoráveis à reforma estão certos e que simplesmente adequar uma coisa ali e outra aqui aproveitando essas brechas - ou “utilizar a deliberação de maneira criativa” - significa “vitória do movimento” e está tudo bem a reforma continuar existindo.
Se não estamos participando desse processo de adequação, como saberemos se o que estão adequando de fato não será prejudicial? Aliás, como pode “não ser prejudicial”? A ideia central da deliberação é adequar a formação dos professores à realidade escolar. Não precisa ser nenhum revolucionário para entender a precaridade de nossa realidade escolar e a qualidade de nossa formação universitária. Há uma inversão, afinal o que deveria ser feito é adequarmos a realidade escolar à nossa formação! O que pretendem com isso é formar professores que se adequem à realidade e não que procurem transformá-la. Professores bem formados são um problema para o CEE e para os capitalistas que o compõem, que em um momento de crise precisam cada vez mais de mão-de-obra barata e precarizada.

Revisar as matérias de forma a inserir no conteúdo da matéria como ela se interligará com o que teremos que passar em sala de aula pode ser um tiro no pé. Não há uma fórmula mágica para que isso seja feito, aplicável a todas as situações pedagógicas. Isso nega toda uma concepção didática em que o professor não é um simples “passador de conteúdos”, mas é sim um filtro de significados para a multiplicidade de conteúdos que já existem na vida de seus alunos. Ser esse filtro pressupõe uma posição crítica acerca do que se ensina, o que implica ter um profundo conhecimento sobre o conteúdo que será ensinado. De nada adianta saber “como ensinar” aquilo que não é conhecido a fundo.

Há várias outras minúncias no texto da deliberação que apontam para coisas nesse sentido. No Artigo 10, parágrafo III por ex., o texto se mantém o mesmo, mas com o detalhe preocupante da supressão da palavra “crítica”. No artigo 5º, parágrafo VII, a palavra retirada foi “científico”. Além disso, a deliberação aumenta a carga de matérias de conteúdo didático-pedagógico, o que era uma demanda há algum tempo dos professores, entretanto a forma como isso se concretizou é problemática: com todas as alterações da deliberação, a carga do conteúdo específico do curso fica com apenas metade da carga curricular. Ou seja, em apenas metade do curso o estudante terá contato com a matéria que estuda, pois a outra metade fica dividida entre conteúdos do ensino básico, matérias de cunho didático-pedagógico, estágios, PCCs, etc.

Pensar em como é a formação de professores na maioria das faculdades, ou seja, nas faculdades particulares, nos ajuda também a pensar aonde essa deliberação quer chegar. Essa deliberação não serve para as faculdades particulares, pois estas têm seu reconhecimento pelo MEC. Entretanto, essa reforma aproxima o currículo das estaduais ao da maioria dessas faculdades, em que impera a máxima do “conhecimento técnico”. É importante lembrar que membros do CEE estão diretamente ligados à rede particular de universidades, o que significa que a concepção de educação que têm - concepção que retirou as palavras “crítico” e “científico” do texto da deliberação – está longe de ser a que temos que defender.

Que reforma nós queremos?

Questionar essa deliberação não significa que achamos que não são necessárias reformas em nosso currículo. Um exemplo clássico é sobre a questão de não termos conteúdos sobre a questão étnico-racial, que já é lei que seja tratada nas escolas, entretanto são poucas as matérias que tratam disso e não são obrigatórias. Além disso, há diversas críticas com relação à quantidade de estágios obrigatórios, por exemplo. Em todas as licenciaturas existem infinitas críticas que poderiam ser levadas em conta para alterações na grade curricular, entretanto não é isso que essa deliberação propõe.

Uma das "justificativas" que colocam para a reforma é a questão de alguns alunos terem dificuldades de acompanhar a faculdade por conta de debilidades do ensino básico. É preciso que fique claro que essa deliberação não vai solucionar esse problema, mas sim agravá-lo, afinal joga para a universidade uma responsabilidade que é do ensino básico, e precariza a formação do professor que depois passará a dar aula no ensino básico.

Uma solução mais de fundo seria uma educação básica pública de fato de qualidade. Pela sua atitude de trazer conteúdos do ensino básico para a universidade, só o que o CEE faz é naturalizar o fracasso de seu próprio sistema de ensino. Enquanto futuros professores, não devemos perder isso de vista, devemos ser linha de frente nas lutas em defesa da educação, que em um momento de avanço do “escola sem partido”, PEC 55, “uber de professor”, corte de merenda etc. se fazem mais que necessárias.

Outra solução para isso seria que existissem mais bolsas na universidade para que assim os estudantes possam se dedicar plenamente ao seu curso, e possam suprir casuais debilidades de conteúdo que apresentem, com ajuda de cursos de extensão, por exemplo. Porém o que a reitoria vem fazendo é cortar essas bolsas, e a extensão é cada vez mais uma lenda. Para isso precisamos de contratação de professores, abertura do livro de contas para sabermos para onde vai o dinheiro etc. O reitorado obviamente não tem a intenção de resolver esse e outros problemas da maneira correta. Resolve falta de bolsa e de extensão com reforma curricular. Resolve falta de professores e trabalhadores com o trabalho precarizado da terceirização. Resolve “crise orçamentária” com demissão, corte de bolsas, fechamento de creches...

Enquanto a reitoria existir, estará a serviço do governo estadual de Alckmin que escolhe os candidatos a reitor e dos membros da FIESP e donos de empresas terceirizadas que compõem o Conselho Universitário. Estes nunca estarão do nosso lado. Precisamos que a universidade esteja a nosso serviço. Para isso, não basta apenas podermos eleger quem é nosso reitor, afinal quem realmente manda e desmanda na Universidade é um conselho universitário absolutamente antidemocrático com uma representação ínfima de estudantes e funcionários. Além do conselho, a USP é regida por um estatuto da época da ditadura militar, escrita pelo redator do AI-5. É por isso que nós, da Gestão A Plenos Pulmões do CAPPF composta pela Faísca e independentes, defendemos a necessidade de reescrever esse estatuto, por meio de um amplo debate entre todos aqueles que compõem a comunidade universitária, para que assim possamos mudar a estrutura de poder da Universidade, e que professores, funcionários e os estudantes, que são maioria, possam escolher quais rumos querem que a universidade tome.

 
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