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28S: DIA DE LUTA PELA DESCRIMINALIZAÇÃO DO ABORTO
Dirlene Marques, docente da UFMG: "Nossa luta é longa contra o patriarcalismo e o capitalismo"
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Dirlene Marques é professora da UFMG, coordenadora da regional Minas da Rede Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos e através da sua contribuição ao Esquerda Diário traz grandes reflexões para o movimento de mulheres e de trabalhadores.

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Foto: ALMG

Esquerda Diário: Vivemos em tempos de um governo que implementa uma intensa retirada de direitos e um Congresso que está acelerando ainda mais propostas contrárias a demandas democráticas como o direito ao aborto, visto a atual tramitação da PEC181/2015 com inclusão da alteração do deputado Tadeu Mudalen. Como você vê essa realidade?

Dirlene: Primeiro, vivemos uma crise econômica, social, política, ética, ambiental, hídrica como nunca tivemos em nosso país.

Segundo, nesta intensa crise, as forças conservadoras encontram ambiente fértil. E, responsabilizam a "esquerda", (para a grande maioria do povo, não há distinção entre o PT e a esquerda) por toda a situação, rejeitando boa parte da pauta dos direitos defendidos pela esquerda.

Abre assim, a possibilidade de retomada pelo Congresso Nacional de projetos que estavam arquivados ou parados. E, nos projetos em tramitação, procuram fazer alterações comprometendo todo seu conteúdo. E o caso da PEC 181/2015, que tem como objeto "ampliar a licença-maternidade para mães de prematuros", onde o deputado Tadeu Mudalen acrescenta um termo: "desde a concepção". Assim, introduz pela porta dos fundos a proibição do aborto, em qualquer circunstância, representando um grave retrocesso aos direitos das mulheres. Temos de ter claro que isto vai contra o espírito inicial da PEC e é contrário a função do parlamento, que é fazer avançar direitos sociais.

ED: Qual a importância do dia 28 de setembro na luta pelo direito ao aborto e sua descriminalização?

Dirlene: A ideologia patriarcal argumenta que a gravidez indesejada é culpa nossa pois existem métodos para evitá-la. Somos tratadas como se tudo estivesse sobre o nosso controle. Não levam em conta que somos vítimas de violência sexual e estupros, dentro e fora de casa; somos pressionadas a transar sem camisinha para “provar amor”, nem sempre temos acessos aos métodos contraceptivos e que eles podem falhar.

Para as mulheres pobres, majoritariamente negras, a situação é pior, pois vivem em condições insalubres, não têm educação sexual nem acesso seguro a contraceptivos, são mulheres que nem podem decidir quando ter relações sexuais.

Em um artigo a véspera do 8 de março de 2017, Dráuzio Varela dizia que "O aborto já é livre no Brasil. É só ter dinheiro para fazer em condições até razoáveis. Proibir é punir quem não tem dinheiro. Todo o resto é falsidade. Todo o resto é hipocrisia... Se não está de acordo, não faça, mas não imponha sua vontade aos outros."

Débora Diniz, a partir da Pesquisa Nacional do Aborto, revela números alarmantes: "uma em cada cinco mulheres aos 40 anos já fez, pelo menos, um aborto – isso significa que 4,7 milhões de mulheres já abortaram. Em 2015, foi mais de meio milhão. Uma mulher por minuto faz aborto no Brasil." Como diz a pesquisa, pela lei, estas mulheres deveriam ir para a cadeia. “O Estado vai mesmo colocar 5 milhões de mulheres na cadeia? A prática do encarceramento é a resposta a uma questão social?" Sabemos que não.

No nosso pais até o acesso ao aborto legal nos casos de risco de vida para a mãe, gravidez decorrente de violência sexual e fetos com anencefalia - é dificultado pela burocracia e pela falta de profissionais e equipamentos suficientes.

Os dados mostram que a descriminalização do aborto é antes de tudo uma necessidade, pois afeta boa parte das mulheres, e portanto, de boa parte da sociedade brasileira. E uma luta por direitos humanos, pela radicalização de democracia, pela liberdade sobre sua vida e sobre seu corpo.

Tendo estes dados alarmantes em mãos, situação que afeta as mulheres também da América Latina e do Caribe, as feministas presentes no V Encontro Feminista Latino-Americano e do Caribe, realizado em 1990 na Argentina, definem o Dia 28 de setembro como Dia Latino-Americano e do Caribe de Luta pela Descriminalização e Legalização do Aborto.

ED: Em sua visão, qual outro momento histórico em Minas Gerais que houve relevante protagonismo das mulheres na luta pelo direito ao aborto?

Dirlene: A luta das feministas pela legalização do aborto é histórica, pois visa garantir o direito das mulheres decidirem sobre seus corpos. Não é o Estado ou a Igreja que define o que fazer com os nossos corpos. O Estado tem sim de garantir e expandir o acesso ao planejamento familiar e a métodos contraceptivos. Garantir as condições de atendimento para aquelas que quiserem ter filhos e as que não quiserem.

Não podemos ignorar que vivemos em uma ordem patriarcal que concede direitos sexuais aos homens sobre as mulheres. E isto tem por base uma estrutura de poder, de controle, de dominação. Por isto que nos anos 60, quando das lutas libertárias que a juventude leva para as ruas, este tema surge com muita força. A bandeira de que Nosso corpo nos pertence , adquire a conotação de luta pelos direitos humanos, pela radicalização da luta pela democracia.

Lutar pelo direito ao aborto é lutar pela liberdade sexual para mulheres. Isso não é sobre a vida de um feto, é sobre a vida das mulheres. É sobre o direito de se relacionar sexualmente e livremente. É sobre o direito ao próprio corpo. É sobre liberdade.

E, a introdução da defesa da legalização do aborto na agenda política da época vai definir a fronteiras entre o movimento feminista e o de mulheres, mais voltados para a garantia de acesso a equipamentos sociais que para a conquista de autonomia e liberdade.

ED: Qual desafio enfrenta o movimento de mulheres pelo direito a decidir pelo próprio corpo e a luta pela emancipação das mulheres?

Dirlene: É uma luta que radicaliza a democracia e a liberdade, procurando incluir mais de 50% da população brasileira, o contingente das mulheres. E uma luta que questiona os privilégios dos homens e a exploração do capitalismo.

Os donos do capital sabem que se a produção e reprodução da força de trabalho se não for feita gratuitamente pelas mulheres, no espaço doméstico teriam de aumentar os salários para que a classe trabalhadora tivesse condições de pagar para lavar, passar, cozinhar, cuidar das pessoas idosas, cuidar e ensinar as crianças, das pessoas enfermas etc. Enfim, se toda a gama do trabalho doméstico fosse levado para o espaço público e se transformasse em mercadoria, os salários teriam de ser muito maiores.

Assim, é extremamente econômico e cômodo manter a mulher dentro de casa fazendo todas estas atividades. E, mais ainda, quando elas saem para o trabalho assalariado, acumulam as duas funções, em uma perversa dupla jornada de trabalho. E desvalorizam seu trabalho assalariado, pois ela não é uma profissional integral.

Enfrentamos uma longa luta: contra o patriarcalismo e contra o capitalismo. Lutas que não se separam. Lutas que tem de ser feita por toda a classe trabalhadora.

 
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